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Sistema Elite De Ensino
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<p>(RE)PENSANDO O ENSINO DE</p><p>LITERATURA: CONTRIBUIÇÕES DO</p><p>PROFLETRAS</p><p>(RE)PENSANDO</p><p>O ENSINO DE LITERATURA</p><p>C o n t r i b u i ç õ e s d o</p><p>P R O F L E T R A S</p><p>MICHELLE BIANCA SANTOS DANTAS</p><p>MOAMA LORENA DE LACERDA MARQUES</p><p>SÁVIO ROBERTO FONSECA DE FREITAS</p><p>Organização</p><p>UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA</p><p>REITOR: VALDINEY VELOSO GOUVEIA</p><p>VLCE-REITORA: LIANA FILGUEIRA CAVALCANTE</p><p>CENTRO DE COMUNICAÇÃO TURISMO E ARTES</p><p>DIRETOR: ULISSES CARVALHO SILVA</p><p>VICE-DIRETORA: FABIANA CARDOSO SIQUEIRA</p><p>EDITOR</p><p>Dr Ulisses Carvalho Silva</p><p>CONSELHO EDITORIAL DESTA PUBLICAÇÃO</p><p>Carlos José Cartaxo</p><p>Magno Alexon Bezerra Seabra</p><p>José Francisco de Melo Neto</p><p>José David Campos Fernandes</p><p>Marcílio Fagner Onofre</p><p>SECRETÁRIO DO CONSELHO EDITORIAL</p><p>Paulo Vieira</p><p>LABORATÓRIO DE JORNALISMO E EDITORAÇÃO</p><p>COORDENADOR</p><p>Pedro Nunes Filho</p><p>(RE)PENSANDO O ENSINO DE</p><p>LITERATURA: CONTRIBUIÇÕES DO</p><p>PROFLETRAS</p><p>EDITORA DO CCTA</p><p>JOÃO PESSOA</p><p>2023</p><p>Michelle Bianca Santos Dantas</p><p>Moama Lorena de Lacerda Marques</p><p>Sávio Roberto Fonseca de Freitas</p><p>Organizadores</p><p>SUMÁRIO</p><p>PREFÁCIO .............................................................................................7</p><p>A LEITURA LITERÁRIA ENTRE DEUSES, HERÓIS E MORTAIS:</p><p>A MITOLOGIA GREGA NA ESCOLA ..............................................12</p><p>Robsandra Cardoso Abintes</p><p>Michelle Bianca Santos Dantas</p><p>A LITERATURA DE TESTEMUNHO NA SALA DE AULA:</p><p>ENTRE MEMÓRIAS, EXPERIÊNCIAS E NARRATIVAS ...............26</p><p>Lohaynne Gomes Mello</p><p>Letícia Queiroz de Carvalho</p><p>“CIRANDA DE RODA–POSSIBILIDADES DE INTERLOCUÇÃO</p><p>ENTRE POEMAS E CANTIGAS EM AULAS DE LP DO EFII” ....45</p><p>Ananda Elisabeth Fernandes</p><p>Carolina Alves Fonseca</p><p>CRÔNICAS DE HUMOR: POSSIBILIDADES DE LETRAMENTO</p><p>LITERÁRIO NO ENSINO FUNDAMENTAL ...................................61</p><p>Vanuza Batista da Costa Duarte</p><p>Maria Suely da Costa</p><p>ESCOLA, MEMÓRIAS E IDENTIDADES: PRODUÇÃO TEXTUAL</p><p>A PARTIR DO TEXTO LITERÁRIO ...................................................73</p><p>Maria José Paulino de Assis Silva</p><p>Marineuma de Oliveira da Costa Cavalcanti</p><p>LEITURA E FORMAÇÃO DE LEITORES MEDIADA PELO</p><p>GÊNERO TEATRO E/OU DRAMÁTICO ..........................................86</p><p>Fabrícia Cristiane Guckert</p><p>Alaim Souza Neto</p><p>LEITURA SOCIAL-IDENTITÁRIA DE POEMAS DE TOBIAS</p><p>BARRETO ............................................................................................100</p><p>Noeme Leite do Nascimento Oliveira</p><p>Carlos Magno Gomes</p><p>LITERATURA DE CORDEL NA ESCOLA: UMA PROPOSTA DE</p><p>LETRAMENTO LITERÁRIO NO ENSINO FUNDAMENTAL ...116</p><p>José Clovis dos Santos</p><p>Sávio Roberto Fonseca de Freitas</p><p>MICROCONTOS: PROPOSTA DE LEITURA LITERÁRIA</p><p>EM UMA ESCOLA DE BATAGUASSU, MS ........................132</p><p>Talita Mendes da Silva</p><p>Rauer Ribeiro Rodrigues</p><p>“NÃO SEREI ANÔNIMA”: UMA PROPOSTA DE OFICINA</p><p>TEMÁTICA COM A POESIA SLAM DE AUTORIA FEMININA .</p><p>...............................................................................................................144</p><p>Elaine Sant Antonio</p><p>Moama Lorena de Lacerda Marques</p><p>O CLÁSSICO EM SALA DE AULA: UMA PROPOSTA DE</p><p>LEITURA LITERÁRIA NA EJA COM O CONTO “NADA DE</p><p>NOVO NA FRENTE OCIDENTAL”, DE LYGIA FAGUNDES</p><p>TELLES .......................................................................................156</p><p>Simone de Almeida Fernandes</p><p>Ana Paula Franco Nobile Brandileone</p><p>O ENSINO DA LITERATURA POPULAR: RELAÇÃO DE</p><p>PERTENCIMENTO AFETIVO ATRAVÉS DAS HISTÓRIAS E</p><p>HERANÇAS PRESENTES NO CORDEL .......................................173</p><p>Jailse Maria Lopes da Silva</p><p>Luciane Alves Santos</p><p>SOBRE OS AUTORES ..................................................................189</p><p>7</p><p>PREFÁCIO</p><p>Humberto Hermenegildo de Araújo1</p><p>Do ponto de vista docente, o ensino de literatura implica, nos doze</p><p>capítulos deste livro, uma tomada de consciência profissional, o</p><p>que pressupõe uma formação continuada, uma reflexão perma-</p><p>nente. A exposição de aspectos da experiência adquirida, apresentados</p><p>a partir do conhecimento acumulado na área, é realizada a partir de um</p><p>posicionamento social sobre o papel da licenciatura e sobre as condições</p><p>de ensino, bem como sobre a necessidade de superação dos problemas</p><p>existentes.</p><p>Para o leitor interessado no ensino de literatura na Educação</p><p>Básica, eis alguns relatos sobre as possibilidades de alcance da auto-</p><p>nomia docente, diante do planejamento e da execução de projetos de</p><p>leitura.</p><p>Michelle Bianca Santos Dantas e Robsandra Cardoso Abin-</p><p>tes trazem a mitologia grega para, com ela, ressignificar o valor</p><p>das narrativas míticas, como patrimônio cultural da humanidade,</p><p>junto aos jovens leitores em formação, por meio de interlocuções</p><p>histórico-sociais, intertextuais e interartes.</p><p>Outros projetos, contudo, trazem para o leitor a experiência com</p><p>textos considerados no seu aspecto mais popular de recepção, qual</p><p>seja, a chamada literatura de cordel. Neste âmbito, dois capítulos se</p><p>aproximam: um deles é de autoria de Sávio Roberto de Freitas e José</p><p>Clovis dos Santos; o outro foi escrito por Jailse Maria Lopes da Silva e</p><p>Luciane Alves Santos.</p><p>1 Possui graduação em Letras (UFRN, 1980), mestrado em Teoria e História Literá-</p><p>ria (UNICAMP,1991), doutorado em Letras (UFPB, 1996) e estágio de pós-doutorado</p><p>(Teoria Literária e Literatura Comparada, FFLCH/USP, 2010-2012). É professor titular</p><p>da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, aposentado. Tem experiência na</p><p>área de Letras, com ênfase em Literatura Comparada, Literatura Brasileira, Crítica</p><p>Literária e História Literária, atuando principalmente nos seguintes temas: moderna</p><p>literatura brasileira, regionalismo, correspondência, literatura e ensino, com ênfase</p><p>no estudo da literatura local e regional.</p><p>8</p><p>A pesquisa sobre a aproximação de jovens leitores com o uni-</p><p>verso literário, ainda na esfera da oralidade e da escrita, é apresentada</p><p>no capítulo de autoria de Ananda Elisabeth Fernandes e Carolina Alves</p><p>Fonseca, sobre as tradicionais cantigas de roda e as possibilidades in-</p><p>tertextuais com outros textos literários.</p><p>Antes de se deparar com resultados de estudos sobre a leitu-</p><p>ra de gêneros canônicos, predominantes na literatura escrita, o leitor</p><p>poderia, talvez como exercício preliminar, prosseguir na leitura de al-</p><p>guns capítulos de cunho mais teórico, como aqueles escritos por: Le-</p><p>tícia Queiroz de Carvalho e Lohaynne Gomes Mello, sobre a literatura</p><p>de testemunho na sala de aula; Maria José Paulino de Assis Silva e Ma-</p><p>rineuma de Oliveira da Costa Cavalcanti, sobre o registro de memórias</p><p>escolares e suas identidades.</p><p>Os resultados de experiências pedagógicas com gêneros oriun-</p><p>dos mais exclusivamente da escrita criativa, digamos, pertencentes a</p><p>uma tradição da forma escrita como expressão literária, estão presen-</p><p>tes em quatro capítulos, em torno da crônica, do poema, do texto dra-</p><p>mático e do conto.</p><p>No primeiro caso, as autoras Vanuza Batista da Costa Duarte e</p><p>Maria Suely da Costa discutem o uso pedagógico da crônica literária</p><p>de humor na formação do leitor, sob a perspectiva do letramento lite-</p><p>rário, nos anos finais do Ensino Fundamental. Já no que diz respeito à</p><p>experiência com a leitura do poema, Noeme Leite do Nascimento Oli-</p><p>veira e Carlos Magno Gomes promovem atividades cujo objetivo final</p><p>é reconhecer a participação do leitor como um coautor na atualização</p><p>dos sentidos do texto literário.</p><p>Quanto ao uso do texto dramático no processo de formação de</p><p>leitores, com enfoque mais teórico do que prático, Fabrícia Cristiane</p><p>Guckert e Alaim Souza Neto delineiam uma problemática em torno da</p><p>temática no âmbito de estudos concluídos no PROFLETRAS e fornecem</p><p>dados úteis a discussões sobre as contribuições do teatro no proces-</p><p>so referido. Já no que diz respeito à leitura de narrativas em forma de</p><p>contos, Simone de Almeida Fernandes e Ana Paula Franco Nobile Bran-</p><p>dileone apresentam uma proposta metodológica de intervenção didá-</p><p>9</p><p>tica com um conto de Lygia Fagundes Telles, em contexto de ensino da</p><p>Educação de Jovens e Adultos.</p><p>Além da experiência com várias formas literárias tidas como</p><p>mais tradicionais, dois</p><p>O diário de Zlata.</p><p>Todo o material selecionado é de uma riqueza imensa para</p><p>a temática trabalhada.</p><p>2–Sim, principalmente por propor diálogo do livro com ou-</p><p>tros textos, inclusive os de caráter multimodal: filmes, fo-</p><p>tos, música, trailers, book trailers e contos. Ofertando aos</p><p>estudantes diversos gêneros textuais, ampliando assim o</p><p>repertório deles, sem falar na proposta de escrita que dá</p><p>voz e vez às realidades de nossos estudantes.</p><p>3–Todos os textos são chamativos e com uma linguagem</p><p>muito atual para os /as alunos (as) que terão contato com</p><p>eles.</p><p>2 Optamos por preservar a identidade dos participantes e não os nomear. Utilizamos</p><p>as respostas mais relevantes e as numeramos de 1 (um) a 4 (quatro), não focando</p><p>nos participantes individualmente ou selecionando respostas de participantes es-</p><p>pecíficos.</p><p>40</p><p>A Literatura de Testemunho na Sala de Aula: entre memórias, experiências e narrativas</p><p>De alguma forma, os textos literários</p><p>com os quais dialogamos são relevan-</p><p>tes para trabalhar em sala de aula?</p><p>1–A literatura de testemunho, além de proporcionar o pra-</p><p>zer estético, nos ajuda a contemplar de forma mais humana</p><p>as diversas situações difíceis pelas quais várias pessoas</p><p>passaram por estarem presentes em guerras ou conflitos.</p><p>2–Todos os textos são relevantes, uma vez que eles ora</p><p>se chocarão com a realidade do(a) aluno(a), ora os(as)</p><p>estudantes se sentirão representados pela narrativa apre-</p><p>sentada.</p><p>3–Acredito que todos os textos selecionados são relevan-</p><p>tes para serem trabalhados em sala de aula devido a sua</p><p>função social. Além disso, os textos são propícios para o</p><p>momento político em que vivemos.</p><p>Você utilizaria esse Produto Educacio-</p><p>nal em sua sala de aula? Justifique.</p><p>1–Sim, pois potencializa o diálogo entre literatura e reali-</p><p>dade–realidade essa muitas vezes contada apenas a partir</p><p>da voz dos “vencedores”, ignorando a voz dos “vencidos”.</p><p>Além de promover um trabalho reflexivo acerca da história</p><p>ou de um contexto político, às vezes desconhecido pela</p><p>massa e instigar atitudes responsivas dos estudantes, dan-</p><p>do a eles o direito à palavra a partir do momento em que</p><p>eles podem dividir suas experiências.</p><p>2–Utilizaria com certeza, pois possibilita ampliar os conhe-</p><p>cimentos dos alunos acerca de fatos históricos, políticos</p><p>que deixaram tristes marcas individuais e coletivas, e pro-</p><p>move um espaço para refletir sobre tais fatos, suas causas,</p><p>consequências.</p><p>3–Com certeza usarei esse Produto Educacional para tra-</p><p>balhar com meus alunos, em parceria com os professores</p><p>de História, porque não podemos permitir que todo esse</p><p>contexto de guerra e de ditadura aconteça novamente ou</p><p>caia no esquecimento.</p><p>Você acredita que esse Produto Edu-</p><p>cacional vá contribuir com a leitura e a</p><p>escrita na sala de aula?</p><p>1–Sim. Acredito que os alunos, ao final da aplicação das</p><p>atividades, vão sentir vontade de buscar e dialogar com ou-</p><p>tros textos que se referem à temática apresentada, contri-</p><p>buindo assim para outras leituras que se façam possíveis.</p><p>Quanto à escrita, as atividades desenvolvidas vão aguçar</p><p>o interesse pelo registro de memórias que contemplem o</p><p>contexto atual.</p><p>2–Sim, gostei da proposta de escrita para que os estudan-</p><p>tes entendam seus traumas como traumas, pois poucos</p><p>reconhecem dessa forma, e seu contexto com um olhar</p><p>mais crítico e político–ainda reconhecendo e resgatando</p><p>memórias que, geralmente, a maioria esquece, ignora e</p><p>correm o risco de reviver novamente contextos adversos.</p><p>3–Sim. O Produto é uma excelente ferramenta para o pro-</p><p>fessor que deseja inovar em sua prática nas aulas de litera-</p><p>tura. Com certeza vai contribuir para a formação de leitores</p><p>críticos, além de estimular a escrita dos alunos, uma vez</p><p>que eles se identificam muito com o gênero diário.</p><p>41</p><p>A Literatura de Testemunho na Sala de Aula: entre memórias, experiências e narrativas</p><p>Em uma escala de 0 (zero) a 10 (dez),</p><p>qual nota você atribuiria ao Produto</p><p>Educacional que nós desenvolve-</p><p>mos? Justifique. 13</p><p>1–10, por causa das muitas possibilidades de trabalho com</p><p>outros gêneros discursivos que evidenciam a memória e</p><p>o testemunho, além de sua flexibilidade para o uso em</p><p>diversos ambientes/ séries/ etapas de ensino e o fato de</p><p>potencializar um trabalho consistente em diálogo com o en-</p><p>sino de leitura literária e práticas de escrita que envolvem</p><p>a realidade.</p><p>2–Eu avalio o Produto Educacional como 10, pela seleção</p><p>dos textos literários e pela metodologia utilizada, que é</p><p>de fácil entendimento. A diagramação também ficou mui-</p><p>to aprazível. Parabenizo a professora Lohaynne por seu</p><p>empenho e dedicação na elaboração deste trabalho ma-</p><p>ravilhoso que enriquecerá a prática de muitos professores.</p><p>3–Nota dez. O trabalho é atual, inovador e colabora na</p><p>construção do sujeito enquanto ser histórico e social. Além</p><p>disso, percebo claramente um caminho, por meio das ativi-</p><p>dades, com amplo diálogo entre passado e presente para a</p><p>construção do novo e o não apagamento da história.</p><p>Fonte: Elaborado pela autora.</p><p>A partir da fala desses professores, podemos notar que a escola</p><p>é bastante carente em relação a atividades dialógicas. Os professores</p><p>participantes contribuíram com dicas de outros textos de testemunho</p><p>também, que podem ser utilizados nos encontros. É importante res-</p><p>saltar mais uma vez que o caderno pedagógico não tem a intenção de</p><p>ser mais uma atividade pronta para uso em sala de aula, mas que ele é</p><p>adaptável a cada realidade.</p><p>Podemos perceber, através das respostas, que promover a leitu-</p><p>ra em sala de aula ainda é um desafio a ser superado. E que a elabora-</p><p>ção desse produto educacional vai contribuir e potencializar a leitura</p><p>na escola, dando ao professor mais um recurso para isso.</p><p>Assim, quando trabalhamos o testemunho na sala de aula, leva-</p><p>mos o aluno a reflexões sobre a história, sobre a sociedade, sobre a</p><p>vida. E quando isso tudo começa a fazer parte da vida do aluno, a es-</p><p>crita passa a ser caracterizada como uma reflexão sobre as situações</p><p>narradas na literatura.</p><p>1 3 Todas as notas atribuídas pelos participantes foram 10 (dez), por isso, mais uma</p><p>vez, optamos por utilizar as respostas mais relevantes.</p><p>42</p><p>A Literatura de Testemunho na Sala de Aula: entre memórias, experiências e narrativas</p><p>4 Considerações finais</p><p>Nossa pesquisa buscou, como objetivo geral, analisar a expe-</p><p>riência de leitura de alunos do Ensino Fundamental II a partir da lite-</p><p>ratura de testemunho, formando leitores críticos e que entendem sua</p><p>agentividade em sua própria formação, na história e na sociedade.</p><p>A sala de aula sempre nos apresenta desafios e problemas con-</p><p>cretos que nos fazem pensar em objetos de pesquisa relacionados à</p><p>leitura e à escrita. E isso não se perdeu em meio à pandemia. Ler lite-</p><p>ratura de testemunho é adentrar as experiências e os traumas do outro.</p><p>As leituras feitas nos mostraram o quanto estamos suscetíveis a repetir</p><p>a história quando não a conhecemos. As pessoas que passaram pelas</p><p>mais diversas situações traumáticas – como guerras, ditaduras etc. –</p><p>são pessoas comuns.</p><p>Acreditamos que a leitura é parte importante da formação hu-</p><p>mana. Propor um caderno pedagógico para professores que trabalhas-</p><p>se a leitura e o olhar crítico do aluno, dando a oportunidade de refletir</p><p>sobre os problemas sociais, rever a história e adaptar às diversas ida-</p><p>des, foi um desafio.</p><p>A leitura e a escrita do testemunho transformam leitores. Fazem</p><p>com que a leitura se torne cada vez mais crítica e responsiva. Através</p><p>dela, os alunos têm a oportunidade de fazer um paralelo com suas pró-</p><p>prias vidas. De refletir sobre os sujeitos sociais que eles são; sobre o</p><p>contexto histórico e político no qual estão inseridos. Têm a oportunida-</p><p>de de olhar para o outro como gostariam de ser vistos.</p><p>Nosso foco foi, desde o início, narrar para não esquecer. Narrar</p><p>para não ser silenciado. Narrar, para que não deixemos que os abusos</p><p>sociais e políticos se repitam. Para não permitir que os traumas se per-</p><p>petuem através das gerações. E seguimos com esse objetivo. Nas aulas</p><p>e na vida.</p><p>43</p><p>A</p><p>Literatura de Testemunho na Sala de Aula: entre memórias, experiências e narrativas</p><p>Referências</p><p>BENJAMIN, Walter. Experiência e pobreza (1933). Obras escolhidas,</p><p>ensaios sobre literatura e história da cultura, v. 1, p. 123-129, 1994.</p><p>BENJAMIN, Walter. História da literatura e ciência da literatura.</p><p>Trad. Helano Ribeiro. Rio de Janeiro: Editora Sete Letras, 2016.</p><p>CANDIDO, Antonio et al. O direito à literatura. In: CANDIDO, Antonio</p><p>et al.. Vários Escritos. Rio de Janeiro: Duas Cidades, 1995.</p><p>CARVALHO, Letícia Queiroz de; MELLO, Lohayne Gomes de. Narrar</p><p>para não esquecer: a literatura de testemunho sob a ótica polifônica</p><p>na escola básica. Revista Diálogos (RevDia), v. 8 n. 3, 2020.</p><p>CASTRILLÓN, Silvia. O direito de ler e de escrever. São Paulo: Pulo do</p><p>Gato, 2011.</p><p>DE LIMA, Manoel Ricardo. Três anotações para você ler com Benjamin:</p><p>algumas possibilidades para o leitor compreender todo o prazer do</p><p>texto benjaminiano. Disponível em: . Acesso em: 10 nov. 2019.</p><p>DE MORAIS, Guilherme Augusto Louzada Ferreira. O conceito de ex-</p><p>periência, de Walter Benjamin, análogo às narrativas heróicas clássi-</p><p>cas. Letras Escreve, v. 7, n. 3, p. 385-402, 2017.</p><p>FREIRE, Paulo. Educação e mudança. vol.1. 9a ed. Rio de Janeiro, Paz e</p><p>Terra, 1983. (Coleção Educação e mudança).</p><p>GHIGGI, Gomercindo; CHAVES, Priscila Monteiro; DA CRUZ SCHNEI-</p><p>DER, Daniela. A literatura infantil entre a experiência estética e a edu-</p><p>cação moral. Educação, v. 41, n. 3, p. 437-445, 2018.</p><p>GINZBURG, Jaime. Cânone e valor estético em uma teoria autoritária da</p><p>literatura. Revista de Letras. São Paulo, v.44, n.1, p.13-15, abr/mai 2008.</p><p>HONDA, Sandra Delmonte Gallego. Aluno, um leitor em potencial.</p><p>Dissertação. Universidade Nove de Julho, 2016. Disponível em: . Acesso em: 16 nov. 2017.</p><p>PETIT, Michèle. A arte de ler ou como resistir à adversidade. São Pau- lo:</p><p>Editora 34, 2009.</p><p>44</p><p>A Literatura de Testemunho na Sala de Aula: entre memórias, experiências e narrativas</p><p>SALGUEIRO, Wilberth. O que é literatura de testemunho (e conside-</p><p>rações em torno de Graciliano Ramos, Alex Polari e André du Rap).</p><p>Matraga-Revista do Programa de Pós-Graduação em Letras da UERJ,</p><p>v. 19, n. 31, 2012.</p><p>SELIGMANN-SILVA, Márcio. A atualidade de Walter Benjamin e de</p><p>Theodor W. Adorno. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009.</p><p>SERODIO, Liana Arrais; PRADO, Guilherme do Val Toledo. Metodologia</p><p>narrativa de pesquisa em Educação na perspectiva do gênero discur-</p><p>so bakhtiniano. IN PRADO et al (Orgs.). Metodologia Narrativa de</p><p>Pesquisa em Educação: uma perspectiva bakhtiniana. São Carlos:</p><p>Pedro & João Editores, 2015.</p><p>TODOROV, Tzvetan. O que pode a literatura. Trad. Caio Meira. In: TO-</p><p>DOROV, Tzvetan. A literatura em perigo. Rio de Janeiro: DIFEL, 2009,</p><p>p. 73-94.</p><p>45</p><p>“Ciranda de roda–possibilidades de interlocução</p><p>Entre poemas e cantigas em aulas de LP do EFII”</p><p>“CIRANDA DE RODA–POSSIBILIDADES DE</p><p>INTERLOCUÇÃO ENTRE POEMAS E CANTIGAS EM</p><p>AULAS DE LP DO EFII”</p><p>Ananda Elisabeth Fernandes</p><p>Carolina Alves Fonseca</p><p>1 Considerações iniciais</p><p>As próprias ideias nem sempre conservam o nome do pai, mui-</p><p>tas vezes aparecem órfãs, nascidas do nada e de ninguém, cada</p><p>um pega delas, verte-as como pode e vai levá-las a feira onde</p><p>todos a tem por suas.</p><p>Machado de Assis.</p><p>A presente proposta nasceu a partir de dois momentos distintos,</p><p>porém interligados: a curiosidade dos alunos acerca das ativi-</p><p>dades lúdicas desenvolvidas pela Educação Infantil e o olhar</p><p>do professor para esses momentos curiosos. Posto isso, a oportunidade</p><p>de atrelar esse entusiasmo a uma ampliação do repertório literário não</p><p>foi desperdiçada.</p><p>A observação das diversas vozes presentes nos discursos dos</p><p>discentes, enquanto relembravam suas experiências escolares, trouxe</p><p>à tona as análises de Bakhtin (1997) no que tange ao caráter dialógi-</p><p>co da língua. “Na perspectiva bakhtiniana, a verdade não se encontra</p><p>no interior de uma única pessoa, mas está na interação dialógica en-</p><p>tre pessoas que a procuram coletivamente” (JOBIM E SOUZA, 1997, p.</p><p>340). Enquanto os alunos relembravam suas brincadeiras de criança,</p><p>a saudade de “brincar de roda” era a memória afetiva mais presente</p><p>nas rodas de conversa. Alguns tentavam relembrar as cantigas da in-</p><p>fância, enquanto outros as cantavam, dizendo que ainda eram crianças</p><p>As falas faziam analogias aos momentos atuais, às suas aulas do 8º ano</p><p>e, por vezes, os discursos dos “antigos” professores se cruzavam com</p><p>as experiências propostas pelos “novos” docentes. A partir de toda</p><p>46</p><p>“Ciranda de roda–possibilidades de interlocução</p><p>Entre poemas e cantigas em aulas de LP do EFII”</p><p>essa riqueza encontrada em um momento tão descontraído na escola,</p><p>a oportunidade de focar o letramento literário na intertextualidade não</p><p>poderia deixar de acontecer.</p><p>As inquietações que borbulhavam no espaço escolar objetiva-</p><p>ram criar uma proposta de intervenção que partisse de considerações</p><p>dos estudantes e de suas memórias infantis tão latentes, passando por</p><p>produções diversas dentro da mesma temática até chegar na própria</p><p>produção intertextual dos alunos, retornando, assim, ao ponto de par-</p><p>tida. Devido à circularidade dos objetivos e à retomada à infância, os</p><p>títulos da sequência foram pensados de modo a trazer à tona toda afe-</p><p>tividade das memórias dos alunos e aludir ao ciclo da vida.</p><p>O objetivo da proposta foi a ampliação do letramento literário</p><p>com ênfase na identificação da intertextualidade presente nos diver-</p><p>sos tipos de textos–orais e escritos – apresentados. Para tanto, partiu-se</p><p>da cantiga de roda “Se essa rua fosse minha” e de várias possibilida-</p><p>des de melodias já compostas para tal letra. Em seguida, procedeu-se</p><p>com a apresentação de projetos de grafite e Hip Hop em diálogo com a</p><p>cantiga, bem como o poema “Paraíso”, de José Paulo Paes, culminando</p><p>com a produção de poesias–cuja intertextualidade com a poesia de</p><p>Paes foi o foco–a fim de serem incluídas no projeto interdisciplinar de</p><p>Hip Hop da escola.</p><p>Para fundamentar a presente intervenção, resultado de uma pes-</p><p>quisa-ação (TIOLLENT, 1986), o aporte teórico utilizado foram os estu-</p><p>dos dialógicos de Bakhtin (1997), à luz de Souza (1997) e Alós (2006), e</p><p>as análises sobre intertextualidade às vistas de Carvalhal (2006), Alós</p><p>(2006) e Mazzi (2011).</p><p>2 Discussões teóricas</p><p>Falar sobre intertextualidade nos permite entender, inicialmen-</p><p>te, que vozes diferentes dialogaram entre si e com o outro nas tessituras</p><p>textuais, ou seja, não será possível separar as influências e as origina-</p><p>lidades dentro de um texto pronto, uma vez que, mesmo indiretamente,</p><p>diversos discursos foram deglutidos para que um novo surgisse. Para</p><p>Mazzi (2011),</p><p>47</p><p>“Ciranda de roda–possibilidades de interlocução</p><p>Entre poemas e cantigas em aulas de LP do EFII”</p><p>toda leitura é um processo de produção de sentido, necessaria-</p><p>mente intertextual, uma vez que, ao ler, são estabelecidas asso-</p><p>ciações do texto presente com outros já lidos. As associações</p><p>ocorrem livremente e independem da vontade do leitor, e podem</p><p>independer da intenção do autor. Cada texto traz consigo uma</p><p>proposta de significação incompleta que se efetua na relação en-</p><p>tre ele e seu destinatário, um interlocutor ativo do processo de</p><p>leitura. (MAZZI,2011, p. 23)</p><p>Esse pressuposto permitiu entender o letramento literário como</p><p>uma construção de saberes a partir dos diversos discursos tecidos e</p><p>entrelaçados no espaço escolar.</p><p>Em suas análises dialógicas e, consequentemente, intertextuais,</p><p>Bakhtin ([1997], apud Alós, 2006) também chama a atenção para a pre-</p><p>sença de uma terceira pessoa no discurso:</p><p>“o narrador, pensado enquanto instância que organiza enunciados</p><p>citados, o faz levando em conta uma terceira pessoa que não o pró-</p><p>prio enunciador do discurso citado, nem o enunciador que cita: é</p><p>o receptor do enunciado no qual foi incluso o fragmento citado”</p><p>(ALÓS, 2006, p. 4).</p><p>Consoante a Bakhtin ([1997], apud Alós, 2006),</p><p>naturalmente,</p><p>há diferenças essenciais entre a recepção ativa da</p><p>enunciação de outrem e sua transmissão no interior de um con-</p><p>texto [discursivo]. (...)Além disso, a transmissão leva em conta</p><p>uma terceira pessoa–a pessoa a quem estão sendo transmitidas</p><p>as enunciações citadas. Essa orientação para uma terceira pessoa</p><p>é de primordial importância: ela reforça a influência das forças</p><p>sociais organizadas sobre o modo de apreensão do discurso (BA-</p><p>KHTIN [1997] apud ALÓS, 2006, p. 4).</p><p>A partir das falas recebidas, o receptor tecerá seu próprio dis-</p><p>curso, de forma independente e, ao mesmo tempo, atrelada às vozes</p><p>anteriores.</p><p>É, portanto, na trama do que se perde e do que se recupera, na</p><p>alternância de esquecimento e memória do que se lê que se or-</p><p>ganiza a continuidade literária, tal como ela se manifesta em cada</p><p>texto. A intertextualidade, ao operacionalizar-se, possibilita que</p><p>se recomponham os fios internos dessa vasta continuidade em</p><p>seus prolongamentos e rupturas. (CARVALHAL, 2006, p. 128)</p><p>48</p><p>“Ciranda de roda–possibilidades de interlocução</p><p>Entre poemas e cantigas em aulas de LP do EFII”</p><p>No que tange ao viés estético da literatura, objeto de análise da</p><p>presente proposta, Souza (1997), ao pesquisar a dialogicidade estética,</p><p>aponta que</p><p>Bakhtin afirma que a interação com uma obra de arte, além de ser</p><p>um processo ativo, é também um processo criativo. O sujeito que</p><p>compreende, participa do diálogo continuando a criação da obra,</p><p>multiplicando a riqueza do já-dito. (...) Sem um terceiro olhar, nem</p><p>a obra nem o autor permanecem na história. (SOUZA, 1997, p. 339)</p><p>Desse modo, ao se lançar a criar – de forma intertextual – sua</p><p>poesia, o aluno estará contribuindo para a imortalidade das obras es-</p><p>tudadas.</p><p>A partir de todos esses estudos, a metodologia de Tiollent</p><p>(1986) – pesquisa-ação – foi a mais adequada para o desenvolvimento</p><p>da intervenção. Observações, definições do tema, problematizações,</p><p>hipóteses, planos de ação, enfim, todos os passos indicados pelo pes-</p><p>quisador foram seguidos para que a proposta alcançasse seu objetivo:</p><p>o aprendizado.</p><p>3 Proposta de mediação</p><p>Etapa Escolar: 8º ano do Ensino Fundamental</p><p>Tema: Poema</p><p>Subtema: Intertextualidade na poesia</p><p>Objetivos Gerais: • Letramento literário com ênfase no gêne-</p><p>ro poema</p><p>• Identificar a intertextualidade presente em di-</p><p>versos tipos de textos.</p><p>Objetivos Específi-</p><p>cos:</p><p>• Identificar os elementos constitutivos do</p><p>gênero poema;</p><p>• Compreender o que é intertextualidade;</p><p>• Identificar a intertextualidade nos textos;</p><p>Conteúdos propos-</p><p>tos:</p><p>• Cantigas de Roda</p><p>• Poema</p><p>• Intertextualidade</p><p>49</p><p>“Ciranda de roda–possibilidades de interlocução</p><p>Entre poemas e cantigas em aulas de LP do EFII”</p><p>3.1 Minha voz, sua voz, nossas vozes–A intertextualidade no texto literário</p><p>A motivação inicial da sessão intitulada “Ciranda de roda” será</p><p>voltada para a oralidade, onde memórias afetivas servirão de base</p><p>para o início dos trabalhos. Neste momento, os alunos deverão ser esti-</p><p>mulados a reviverem suas brincadeiras de infância e a conversa deverá</p><p>ser dirigida para o viés das cantigas de rodas, objeto de nossa aula ini-</p><p>cial. Uma roda de conversa e uma ciranda de roda com os alunos serão</p><p>nosso ponto de partida.</p><p>3.1.1 Ciranda de Roda</p><p>Dica para o professor: Seria enriquecedor uma conversa inicial</p><p>com algum profissional da escola sobre a importância do resgate de</p><p>brincadeiras antigas, bem como do processo de aprendizagem que</p><p>existe no lúdico.</p><p>Seguem abaixo algumas questões que poderão nortear a con-</p><p>versa inicial do professor com a turma, com perguntas cujo objetivo</p><p>será despertar memórias sobre a infância dos alunos.</p><p>“Vocês já ouviram falar em Cantigas de roda? Quais vocês co-</p><p>nhecem? Vamos brincar? Vamos relembrar os velhos tempos? Em um pri-</p><p>meiro momento, você fará um levantamento das cantigas de roda de sua</p><p>infância, relembre como aprendeu, com quem brincava.... Vamos relem-</p><p>brá-las na prática?!?!?!”</p><p>Nesta aula, falar sobre a tradição oral das cantigas de roda e</p><p>levantar hipóteses sobre o porquê de elas serem de fácil transmissão</p><p>oral e fácil de serem guardadas na memória. Conduzir os apontamen-</p><p>tos para que falem sobre rimas e repetições. Em seguida, apresentar</p><p>para a turma a letra da Cantiga “Se essa rua fosse minha”.</p><p>Texto 1</p><p>Se essa rua fosse minha</p><p>Se essa rua, se essa rua fosse minha</p><p>Eu mandava, eu mandava ladrilhar</p><p>Com pedrinhas, com pedrinhas de brilhantes</p><p>Para o meu, para o meu amor passar</p><p>Nessa rua, nessa rua tem um bosque</p><p>Que se chama, que se chama solidão</p><p>50</p><p>“Ciranda de roda–possibilidades de interlocução</p><p>Entre poemas e cantigas em aulas de LP do EFII”</p><p>Dentro dele, dentro dele mora um anjo</p><p>Que roubou, que roubou meu coração</p><p>Se eu roubei, se eu roubei teu coração</p><p>É porque, é porque te quero bem</p><p>Se eu roubei, se eu roubei teu coração</p><p>É porque tu roubaste o meu também</p><p>Nota para o professor: Há fontes que consideram esta canti-</p><p>ga como uma canção criada por um autor desconhecido em home-</p><p>nagem à Princesa Isabel no século XIX. Porém, há outras fontes que</p><p>dedicam a autoria a Mário Lago e Roberto Martins, sendo de meados</p><p>dos anos 1930; impossível, portanto, de se precisar a autoria do texto.</p><p>Nesse momento, apresentar para os alunos os vídeos abaixo,</p><p>com diversas manifestações da cantiga de roda “Se essa rua fosse mi-</p><p>nha” e, após a exibição dos mesmos, discutir com os alunos o que acha-</p><p>ram. Não há a necessidade de registro escrito, é um momento voltado</p><p>para a exploração da oralidade.</p><p>https://www.youtube.com/watch?v=IuZf_xTt_JU</p><p>https://www.ouvirmusica.com.br/cantigas-popula-</p><p>res/134098/</p><p>https://www.youtube.com/watch?v=oOmQruWQ4_I</p><p>https://www.youtube.com/watch?v=oCGJgHl-2vM</p><p>https://www.youtube.com/watch?v=x5oH7IxI7hw</p><p>https://www.youtube.com/watch?v=YG5_u5qYuII</p><p>https://www.youtube.com/watch?v=QKDJB_gkqH8</p><p>A orientação do professor é fundamental. As reflexões abaixo</p><p>são exemplos de como as discussões podem ser conduzidas.</p><p>“Observem as diferentes melodias que existem para uma Cantiga</p><p>de Roda tão popular em nosso país.</p><p>Qual cantiga é a sua preferida?</p><p>Você imaginava que uma brincadeira de infância era objeto de</p><p>trabalho de artistas?</p><p>Quais desses compositores você conhece? E quais não sabe quem</p><p>é?</p><p>Você já tinha assistido algum vídeo semelhante no YouTube?”</p><p>3.1.2 II–Ciranda da Vida</p><p>51</p><p>“Ciranda de roda–possibilidades de interlocução</p><p>Entre poemas e cantigas em aulas de LP do EFII”</p><p>Dica para o professor: Trabalhar com os alunos assentados</p><p>em círculo, com o professor assentado junto, é muito valioso. Lembre-</p><p>-se de que no círculo todos são iguais, ideia na qual cunharam-se os</p><p>nomes de nossos momentos. Nossos ancestrais dispunham-se assim</p><p>quando havia necessidade de reunir a comunidade, e todas as vozes</p><p>ali presentes tinham igual importância.</p><p>Neste momento da proposta, nomeado de “Ciranda da Vida”, o</p><p>objetivo será reconhecer os aspectos intertextuais da canção apresen-</p><p>tada, com a cantiga anteriormente estudada. Apresentar o vídeo de Hip</p><p>Hop, Texto 2, do Mc Nicolas, em que há uma intertextualidade de sua</p><p>música com a cantiga de roda estudada.</p><p>Texto 2</p><p>Esta canção movimentará toda a turma, e caberá ao professor</p><p>fomentar as discussões trazidas pelos alunos neste momento. Seguem</p><p>algumas possibilidades para essa conversa.</p><p>“O vídeo traz um Hip Hop com estrutura equivalente ao texto an-</p><p>terior, porém com outra temática.</p><p>52</p><p>“Ciranda de roda–possibilidades de interlocução</p><p>Entre poemas e cantigas em aulas de LP do EFII”</p><p>Qual o tema da música?</p><p>O que vocês conseguem perceber de semelhante entre as duas</p><p>canções?</p><p>Vocês observaram os dançarinos no fundo? Saberiam dizer por</p><p>que estão ali?</p><p>Alguém conhece algum cantor de Hip Hop ou algum dançarino?</p><p>Relatem suas experiências.</p><p>Vocês gostam de grafite?</p><p>Conhecem alguém que faz esse tipo de arte?</p><p>Gostaram do grafite exibido, ao fundo, na apresentação?</p><p>Levantem hipóteses: Por que estão atrelados música, dança e</p><p>grafite?</p><p>Levantar hipóteses com os alunos sobre os objetivos do Hip</p><p>Hop, sobre as expressões corporais mescladas com as expressões</p><p>orais na apresentação</p><p>e, claro, explorar o efeito do grafite como ex-</p><p>pressão social e como arte. Se na escola tiver algum projeto de dança</p><p>e/ou música, será muito enriquecedor pedir ao profissional que tenha</p><p>um momento com a turma para que sejam exploradas com mais afinco</p><p>as características do Hip Hop. Se não houver, tente, professor, buscar</p><p>algum profissional da área para conversar com os alunos. Lembre-se</p><p>de que momentos como esse, onde trocas de experiências são viven-</p><p>ciadas pelos educandos, são muito ricos. Levantar a possibilidade de</p><p>algum aluno cantar ou dançar, o protagonismo deve ser enfatizado e</p><p>estimulado em sala de aula.</p><p>Após a exibição do vídeo anterior, sugerimos uma apresentação</p><p>sobre o projeto “Se essa rua fosse minha, eu mandava grafitar”.</p><p>53</p><p>“Ciranda de roda–possibilidades de interlocução</p><p>Entre poemas e cantigas em aulas de LP do EFII”</p><p>Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=h-jwq5kKZbI</p><p>3.1.3 III – Ciranda do mundo</p><p>O momento seguinte da proposta, intitulado Ciranda do Mundo,</p><p>tem por objetivo apresentar a poesia Paraíso, de José Paulo Paes, e dei-</p><p>xar que os alunos percebam a intertextualidade com a cantiga de roda</p><p>e com o Hip Hop trabalhados anteriormente. Neste momento, reforçar</p><p>o emprego de repetições e rimas e levá-los a refletir sobre tais esco-</p><p>lhas na construção do texto; relembrar que no Hip Hop, a repetição é</p><p>bem marcada. Levantar hipóteses com os alunos sobre o porquê das</p><p>escolhas do autor.</p><p>Uma leitura bem articulada poderá ser feita pelo professor, em</p><p>um primeiro momento, com o objetivo de se enfatizar as rimas e o rit-</p><p>mo do texto.</p><p>54</p><p>“Ciranda de roda–possibilidades de interlocução</p><p>Entre poemas e cantigas em aulas de LP do EFII”</p><p>Texto 3</p><p>Paraíso</p><p>José Paulo Paes</p><p>I-</p><p>Se esta rua fosse minha,</p><p>eu mandava ladrilhar,</p><p>não para automóveis matar gente,</p><p>mas para criança brincar.</p><p>II-</p><p>Se esta mata fosse minha,</p><p>eu não deixava derrubar.</p><p>Se cortarem todas as árvores, onde é que os pássaros vão mo-</p><p>rar?</p><p>III-</p><p>Se este rio fosse meu,</p><p>eu não deixava poluir.</p><p>Joguem esgotos noutra parte, que os peixes moram aqui.</p><p>IV-</p><p>Se este mundo fosse meu,</p><p>Eu fazia tantas mudanças</p><p>Que ele seria um paraíso</p><p>De bichos, plantas e crianças.</p><p>Neste momento, é oportuno, professor, que sejam sistematiza-</p><p>das as características do gênero Poema com os alunos, visto que essas</p><p>habilidades já foram introduzidas no 6º ano do Ensino Fundamental.</p><p>3.1.4 IV- Girando</p><p>O quarto momento da proposta é intitulado Girando, uma metá-</p><p>fora para esta etapa cujo objetivo é consolidar as habilidades já intro-</p><p>duzidas e sistematizadas. Este momento é dedicado a algumas refle-</p><p>xões sobre a poesia “Paraíso”, bem como sobre as cantigas já vistas.</p><p>Lembre-se, professor, de que todas as atividades de oralidade ante-</p><p>riormente realizadas também são formas de consolidação de habilida-</p><p>des e que não podem ser tratadas com menor valor. As atividades aqui</p><p>55</p><p>“Ciranda de roda–possibilidades de interlocução</p><p>Entre poemas e cantigas em aulas de LP do EFII”</p><p>apresentadas são sugestões e devem ser adequadas à realidade de sua</p><p>turma e complementadas, quando se fizer necessário.</p><p>1- O texto Paraíso, de José Paulo Paes, pertence ao gênero Poe-</p><p>ma. Com base em quais elementos podemos fazer essa afirmação?</p><p>SUGESTÃO DE RESPOSTA1 2</p><p>A poesia Paraíso pertence ao gênero Poema. Pode-se fazer tal</p><p>afirmação pois o texto é estruturado em versos, estrofes, possui rimas,</p><p>ritmo, apresenta um jogo de palavras para criar o sentido comunicativo</p><p>do texto, o que nos permite “visualizar” os elementos descritos. Além</p><p>disso, a poesia nos traz a expressão de sentimentos do eu-lírico, é sub-</p><p>jetiva e desperta emoções no leitor.</p><p>2- Qual a temática presente nos textos 1, 2 e 3?</p><p>SUGESTÃO DE RESPOSTA</p><p>A temática do texto 1 é a expressão do amor idealizado, român-</p><p>tico. Texto 2 nos traz a temática da expressão de arte através do grafite,</p><p>cujo objetivo é levar cor para a vida das pessoas, e o texto 3 possui</p><p>como tema a relação do homem com o ambiente que o cerca.</p><p>3- Você se recorda quem é o eu-lírico nos poemas?</p><p>Eu lírico é o nome que se dá à voz poética, ou seja, a voz que</p><p>expressa emoções, sentimentos, pensamentos e/ou opiniões em uma</p><p>poesia. Dessa maneira, o eu lírico, presente em todo texto poético, é</p><p>uma criação do poeta.</p><p>De acordo com o eu-lírico, como seriam as ruas da música “Se</p><p>essa rua fosse minha, eu mandava grafitar” e a rua Da poesia “Paraíso”?</p><p>SUGESTÃO DE RESPOSTA</p><p>A rua da música “Se essa rua fosse minha, eu mandava grafi-</p><p>tar” seria uma rua colorida, toda desenhada, despertando alegria em</p><p>quem passasse por ela. A “rua” de José Paulo Paes não seria uma única</p><p>rua, e sim um mundo mais humano e mais digno para se viver.</p><p>4- Os textos 2 e 3 foram construídos baseados na cantiga de</p><p>roda “Se essa rua fosse minha”. Quais elementos aproximam os três</p><p>textos?</p><p>2 As sugestões de respostas podem servir de guia ao professor. Cabe ressaltar que</p><p>elas podem ser ampliadas de acordo com a mediação com a turma.</p><p>56</p><p>“Ciranda de roda–possibilidades de interlocução</p><p>Entre poemas e cantigas em aulas de LP do EFII”</p><p>SUGESTÃO DE RESPOSTA</p><p>Os elementos que aproximam os textos 2 e 3 do texto 1 seriam</p><p>a construção do texto baseada em uma hipótese de posse de um espa-</p><p>ço e a transformação do mesmo de acordo com os sonhos do eu-lírico.</p><p>5- O emprego das palavras permite que você seja capaz de “vi-</p><p>sualizar’ os desejos dos autores nos textos. Que elementos do texto nos</p><p>permite fazer essa afirmativa? Eles contribuem para a construção do</p><p>sentido dos textos?</p><p>SUGESTÃO DE RESPOSTA</p><p>Professor, sugerimos apenas um elemento por texto, o impor-</p><p>tante é verificar se ocorreu o entendimento da questão e não a quanti-</p><p>dade de respostas elencadas.</p><p>No texto 1, podemos visualizar uma rua brilhante, toda com</p><p>pedras preciosas, envolta em uma atmosfera bem romântica. No texto</p><p>2, as ruas coloridas são facilmente visualizadas à medida que a canção</p><p>é projetada e, por fim, no texto 3, crianças brincando na rua, pássaros</p><p>em árvores, peixes no rio, um ambiente saudável é construído ao longo</p><p>da poesia.</p><p>6-O autor José Paulo Paes faz, de forma lírica, críticas à socieda-</p><p>de atual.</p><p>a- Quais são essas críticas?</p><p>SUGESTÃO DE RESPOSTA</p><p>Críticas sobre violência nas ruas, degradação do meio ambien-</p><p>te e de um mundo inóspito para nossas futuras gerações.</p><p>b- Você concorda com ele? Por quê?</p><p>SUGESTÃO DE RESPOSTA</p><p>Resposta pessoal.</p><p>7-Responda:</p><p>a- Os textos são construídos com base em fatos concretos, reais,</p><p>ou em desejos?</p><p>SUGESTÃO DE RESPOSTA</p><p>Inicialmente, em desejos.</p><p>Com base na resposta anterior, que estrutura linguística sugere isso?</p><p>57</p><p>“Ciranda de roda–possibilidades de interlocução</p><p>Entre poemas e cantigas em aulas de LP do EFII”</p><p>SUGESTÃO DE RESPOSTA</p><p>“Se essa rua fosse minha”</p><p>3.1.5 V – Vozeando</p><p>Professor, este quinto e último módulo encerra nossa Unidade.</p><p>Aqui é sugerida uma proposta de produção textual com o objetivo de</p><p>dar voz aos nossos alunos e sistematizar a intertextualidade que per-</p><p>meou todas as nossas atividades. É solicitado que, baseado na produ-</p><p>ção de José Paulo Paes, os educandos produzam suas poesias dizendo</p><p>como gostariam que fosse a rua deles. É interessante que aspectos for-</p><p>mais de intertextualidade sejam discutidos nesta aula.</p><p>Para conduzir as orientações, seguem sugestões para o trabalho</p><p>em sala.</p><p>“Agora é a sua vez!</p><p>Que tal ser o autor de um poema? Você já pensou nisso?</p><p>Depois de todas as nossas discussões, só nos falta soltar a voz–ou</p><p>melhor, as letras – em um texto bem expressivo!</p><p>Vamos relembrar tudo o que foi discutido em sala nas últimas e</p><p>fazer as últimas considerações sobre intertextualidade.”</p><p>É muito importante ter a consciência de que os textos passarão</p><p>por processos de reescrita e que esta atividade tem por objetivo todo</p><p>o processo de construção, não somente o texto final. Para que tudo se</p><p>inicie, será necessária a reprodução do documentário do “Projeto Se</p><p>essa rua fosse minha, eu mandava grafitar!”, pois ele será um dos pila-</p><p>res das produções dos alunos.</p><p>“Assistamos novamente ao vídeo abaixo,</p><p>https://www.youtube.com/watch?v=h-jwq5kKZbI</p><p>“Projeto Se essa rua fosse minha, eu mandava grafitar!”</p><p>Após a exibição do documentário, levar os alunos a pensarem</p><p>no espaço em que vivem.</p><p>O vídeo nos traz uma mostra sobre o Projeto de Grafite dentro da</p><p>Cultura Hip Hop, cujo objetivo é “dar cor e vida” para os muros das ruas.</p><p>E se a sua rua fosse sua? O que você faria?</p><p>Vamos pensar nessa possibilidade e anotar tudo o que vier à cabe-</p><p>ça!!</p><p>58</p><p>“Ciranda de roda–possibilidades de interlocução</p><p>Entre poemas e cantigas em aulas de LP do EFII”</p><p>Neste momento, professor, pedir que os alunos façam um levan-</p><p>tamento do que gostariam de fazer se acaso eles fossem donos dos</p><p>espaços em que vivem. Essas anotações serão o esqueleto de suas</p><p>poesias.</p><p>Em seguida, explicar a proposta de produção e seu contexto.23</p><p>Apresente para os alunos, professor, esses documentários que</p><p>trazem os projetos desenvolvidos na referida escola. Se acaso seu con-</p><p>texto permitir a apresentação de outro projeto, vale investir em sua</p><p>realidade. O objetivo dessa apresentação é levar aos alunos o conheci-</p><p>mento das diversas possibilidades de se veicular os textos.</p><p>Agora é a hora!!! Seu poema integrará o documentário AnDan-</p><p>ças, da Oficina de Hip Hop, do Prof. Walmor Calado, de Juiz de Fora, Mi-</p><p>nas Gerais. Deixe sua imaginação voar!!!! Produza seu poema, tomando</p><p>como modelo o poema “Paraíso” e “construa a sua rua”!!!</p><p>https://www.youtube.com/watch?v=gJdbXrlVCSw</p><p>https://www.youtube.com/watch?v=49H8puyQzvQ</p><p>https://www.youtube.com/watch?v=wHNky-3bF2g&t=30s</p><p>https://www.youtube.com/watch?v=_ceFilsKANY</p><p>Apresentar aos alunos dicas para fazer uma poesia, de acordo</p><p>com a sua realidade. Com essas orientações em mãos, os alunos, junta-</p><p>mente com o professor, poderão fazer a conferência dos aspectos mais</p><p>relevantes em suas poesias após as primeiras versões.</p><p>Após a escrita inicial dos textos e a orientações do professor, é o</p><p>momento de reescrita. Os alunos deverão comparar seus textos com o</p><p>de José Paulo Paes para verificarem se a proposta foi atingida. Caberá</p><p>ao professor orientar todo esse processo e determinar o tempo que</p><p>sua turma levará para realizá-lo até atingir o objetivo final.</p><p>Seguindo a proposta da Unidade, os textos deverão ser entre-</p><p>gues ao professor do Projeto, para que possam ser incluídos em seu</p><p>documentário. Essa inclusão propõe-se que seja feita de duas manei-</p><p>ras: os textos escritos podem ser exibidos com alguma música de fun-</p><p>do que o responsável do Projeto AnDanças achar conveniente, ou a voz</p><p>dos alunos fazendo a leitura pode ser incluída no documentário. Há</p><p>3 Essa proposta foi elaborada dentro da realidade de uma escola municipal de Juiz de</p><p>Fora–MG, pois o colégio desenvolve projetos de dança, música e grafite.</p><p>about:blank</p><p>59</p><p>“Ciranda de roda–possibilidades de interlocução</p><p>Entre poemas e cantigas em aulas de LP do EFII”</p><p>também a possibilidade de os alunos serem filmados enquanto decla-</p><p>mam seus textos, a fim de que sejam incluídos no vídeo. Essas possibi-</p><p>lidades são sugestões e deverão respeitar a realidade de cada ambien-</p><p>te em que for desenvolvida.</p><p>Em seguida, solicitar à direção/coordenação que o documentá-</p><p>rio final seja exibido na escola; esse momento pode ser em uma Feira</p><p>Literária, em uma Reunião de Pais ou em qualquer momento que for</p><p>oportuno, de modo que toda a comunidade escolar possa conhecer o</p><p>projeto desenvolvido. Lembre-se de que essa troca de experiências</p><p>entre a comunidade e a escola é um momento importante e rico dentro</p><p>do espaço escolar.</p><p>Agora chegamos ao fim de mais uma etapa!!!!! Sabemos que</p><p>não há fórmula miraculosa para o ensino, nossa Unidade traz algumas</p><p>sugestões de atividades para as aulas de Língua Portuguesa e espe-</p><p>ramos ter contribuído para o enriquecimento de sua prática docente,</p><p>caro professor.</p><p>4 Considerações finais</p><p>Ao analisar todas as questões para além do objetivo inicial do</p><p>projeto, é nítida a necessidade de se atrelar, ligar, interpor, entrelaçar e</p><p>todos os demais vocábulos com a mesma carga semântica ao se traba-</p><p>lhar linguagem em sala de aula. Uma observação feita em um momento</p><p>despreocupado na escola fomentou uma série de possibilidades de se</p><p>abordar a literatura e suas facetas dentro do espaço escolar, além das</p><p>diversas possibilidades de se ir além.</p><p>O gosto pela leitura, o entendimento de que literatura faz parte</p><p>de seu cotidiano desde a mais tenra idade e o protagonismo de suas</p><p>ações permitem que o educando perceba que o seu aprendizado é</p><p>uma costura de vários retalhos vestidos ao longo de suas experiências</p><p>escolares e que dependerá de seu alinhavo a confecção de suas rou-</p><p>pagens ao longo da vida.</p><p>As prováveis dificuldades enfrentadas no início do projeto, cer-</p><p>tamente não mais encontrarão espaços após o reconhecimento do en-</p><p>trelaçamento entre suas recordações e seus atuais saberes. A possibili-</p><p>dade de trazer para o “novo espaço” algo aprendido no “antigo lugar”</p><p>permitirá, ao aluno, o entendimento de que serão suas ações que o nor-</p><p>60</p><p>“Ciranda de roda–possibilidades de interlocução</p><p>Entre poemas e cantigas em aulas de LP do EFII”</p><p>tearão na tessitura das novas vestes que o aquecerão ao longo de sua</p><p>trajetória.</p><p>Trazer para o ambiente escolar a oralidade, as manifestações</p><p>culturais presentes em outros ambientes e a possibilidade de criar algo</p><p>novo, mantendo o olhar no antigo, é uma das diversas formas de apren-</p><p>dizado que nos apresenta o espaço escolar. Façamos valer a pena.</p><p>Referências</p><p>ALÓS, Anselmo Peres. Texto literário, texto cultural, intertextualidade.</p><p>Revista Virtual de Estudos da Linguagem – ReVEL. V. 4, n. 6, março de</p><p>2006.</p><p>CARVALHAL, Tania Franco. Intertextualidade: a migração de um con-</p><p>ceito. Via Atlântica, nº 9, junho de 2006</p><p>MAZZI, Maria Gloria Cusumano. Intertextualidade e paródia. Revista</p><p>Araticum, v.3, n.1, 2011.</p><p>SOUZA, Solange Jobim. Mikhail Bakhtin e Walter Benjamin: polifonia,</p><p>alegoria e o conceito de verdade no discurso da ciência contemporâ-</p><p>nea. In BRAIT, Beth. Bakhtin, dialogismo e construção de sentido.</p><p>Campinas, SP: Ed. Da Unicamp, 1997.</p><p>THIOLLENT, Michel. Metodologia da pesquisa-ação. São Paulo: Cor-</p><p>tez Editora, 1947.</p><p>61</p><p>Crônicas de Humor: possibilidades de letramento literário no ensino fundamental</p><p>CRÔNICAS DE HUMOR: POSSIBILIDADES DE</p><p>LETRAMENTO LITERÁRIO NO ENSINO FUNDAMENTAL</p><p>Vanuza Batista da Costa Duarte</p><p>Maria Suely da Costa</p><p>1 Considerações iniciais</p><p>A leitura é um instrumento que acompanha o aluno durante to-</p><p>das as fases do processo escolar, portanto, um fator de relevân-</p><p>cia para todas as disciplinas. Dentre as possibilidades de efe-</p><p>tivação da leitura em sala de aula, chamou-nos a atenção o letramento</p><p>literário, o qual tem se apresentado em segundo plano na escola, seja</p><p>pela falta do uso do texto, seja pelo uso deste apenas como pretex-</p><p>to linguístico, ou ainda, devido a uma visão equivocada da literatura</p><p>como “assunto” somente para o Ensino Médio. Mas, como é possível</p><p>termos, no Ensino Médio, alunos proficientes em leitura que já tenham</p><p>um contato com a literatura quando, durante o Ensino Fundamental, os</p><p>gêneros literários não estiveram dentre as prioridades de ensino? E,</p><p>mesmo tendo contato com o texto, se o aluno nunca soube, a partir de</p><p>uma ação pedagógica orientada, que se tratava de um gênero literário</p><p>específico, como considerá-lo letrado em literatura?</p><p>Vale salientar que “o letramento literário não começa nem ter-</p><p>mina na escola, mas é uma aprendizagem que nos acompanha por toda</p><p>a vida e que se renova a cada leitura de uma obra significativa.” (PAU-</p><p>LINO e COSSON, 2009, p.67). Assim, é na escola que este letramento</p><p>melhor pode se efetivar, uma vez que tende a ser a porta de entrada</p><p>para um mergulho mais profundo na literatura e, por via desta, no aces-</p><p>so a experiências humanas diversas. Por sua vez, o letramento literário</p><p>é mais uma possibilidade de acesso a prática social da leitura.</p><p>Com a ausência de práticas consistentes para o trabalho com</p><p>o texto literário, uma vez que se prioriza outros gêneros textuais, tais</p><p>como, notícias, entre outros, e, a partir da introdução dos PCN como</p><p>parâmetros para o ensino de Língua Portuguesa (documento norteador</p><p>na época da pesquisa–2013 à 2015), estreitou-se o caminho da literatu-</p><p>62</p><p>Crônicas de Humor: possibilidades de letramento literário no ensino fundamental</p><p>ra no Ensino Fundamental, pois os manuais tendiam a adequar-se aos</p><p>PCN, fazendo com que a literatura tivesse espaço reduzido dentro da</p><p>sala de aula durante os anos finais do Ensino Fundamental.</p><p>Tendo em vista a necessidade de práticas efetivas para o de-</p><p>senvolvimento do gosto pela literatura, o presente trabalho versará a</p><p>respeito de contribuições pedagógicas para a formação leitora de alu-</p><p>nos do Ensino Fundamental por meio da leitura de crônicas literárias</p><p>humorísticas, sob a perspectiva do letramento literário. A discussão foi</p><p>fundamentada pelos estudos a respeito da leitura, da literatura, além de</p><p>documentos oficiais, PCN (2001), Lajolo (2009), Colomer (2014), Soares</p><p>(2001), Cosson (2011, 2014), Bordini e Aguiar (1988), entre outros.</p><p>Propor uma pesquisa na perspectiva do letramento literário di-</p><p>recionada a alunos de anos finais do Ensino Fundamental tem sua re-</p><p>levância ao considerarmos a carência de práticas de leitura voltadas</p><p>para o texto literário nesta fase do processo escolar. Isso porque muitas</p><p>escolas não possuem biblioteca, e, quando há livros de literatura, ten-</p><p>dem a estar guardados dentro dos armários na sala da direção ou em-</p><p>pilhados em lugar inadequado na escola. Tal realidade, tão persistente,</p><p>atesta a ineficiência escolar em relação ao acesso à literatura, necessi-</p><p>tando, pois, de uma efetiva prática pedagógica com a leitura literária.</p><p>2 Leitura e Literatura: aspectos teóricos e metodológicos</p><p>2.1 Leitura do texto literário: implicações para a formação do leitor</p><p>De acordo com Colomer (2014), o principal objetivo de se tra-</p><p>balhar com o texto literário é contribuir para a formação da pessoa;</p><p>esta formação permite ao leitor fazer comparações entre o mundo real</p><p>e o mundo ficcional, bem como, comparar visões contemporâneas às</p><p>anteriores a sua geração através da ficcionalidade dos textos com os</p><p>quais tem contato.</p><p>Para que o letramento literário propicie um efeito desejado na</p><p>formação do leitor, é preciso que a escola tenha condições de oferecer</p><p>aos alunos um embasamento em relação ao trabalho com o texto, a fim</p><p>de a leitura não se tornar um faz-de-conta.</p><p>63</p><p>Crônicas de Humor: possibilidades de letramento literário no ensino fundamental</p><p>Segundo Zilberman (2012), este letramento se efetiva a partir</p><p>do relacionamento estabelecido entre um objeto material, podendo</p><p>ser o livro ou o texto literário, e o universo da ficção expresso pelos</p><p>gêneros, a exemplo da narrativa, da poesia, da crônica etc., com que</p><p>cada indivíduo tem contato através da leitura.</p><p>Pode até ser que, fora da escola, o aluno venha a ter contato com</p><p>o texto literário, mas sendo a escola a maior das agências de letramen-</p><p>to, cabe a ela não só desenvolver estratégias as quais priorizem o texto</p><p>literário, como também assegurar, em todas as etapas de ensino, esse</p><p>relacionamento.</p><p>É fato que a escola, na atualidade, ainda utiliza a leitura de lite-</p><p>ratura associada a outros saberes em Língua Portuguesa. Como bem</p><p>aponta Lajolo (2009), o texto é utilizado como pretexto para o ensino de</p><p>qualquer outro conhecimento que não o de literatura”. Contudo, cabe</p><p>à escola, de forma bastante planejada e orientada, manter o propósito</p><p>de “formar um leitor capaz de compreender e apreciar a literatura.”</p><p>(ZAPPONE, 2008, p.60). A leitura literária deve proporcionar no aluno a</p><p>interação com o texto de maneira a produzir sentidos pertinentes.</p><p>Quando em contato com o texto literário, o leitor “encontra o</p><p>que não pode ou não sabe experimentar na realidade.” (BORDINI;</p><p>AGUIAR, 1988, p.15). Sendo assim, o cuidado que a escola deve ter é o</p><p>de não tornar o contato com o texto literário uma prática restrita à es-</p><p>cola, uma vez que o conceito de letramento literário se aproxima mui-</p><p>to mais do modelo ideológico de letramento, embora, na realidade, as</p><p>práticas vivenciadas pelas escolas se apresentem moldadas na pers-</p><p>pectiva autônoma.</p><p>2.2 Crônicas de humor: possibilidades para o universo de interesse dos</p><p>alunos</p><p>É certo que a seleção do texto literário deve ser adequada à</p><p>faixa etária dos alunos, bem como sua temática deve estar interliga-</p><p>da ao universo de interesse destes. Segundo Oliveira (2010, p.41), “no</p><p>texto literário, o fictício mobiliza o imaginário.” Sendo assim, o profes-</p><p>sor exerce papel fundamental durante a seleção de textos, pois estes</p><p>devem proporcionar leituras de uma maneira tal que permita ao aluno</p><p>64</p><p>Crônicas de Humor: possibilidades de letramento literário no ensino fundamental</p><p>mobilizar seu imaginário, refletir e transpor os sentidos construídos, a</p><p>partir do texto lido, para sua vida fora da escola.</p><p>Em função disso, cabe ao professor “propor práticas de leitura</p><p>na escola em consonância com as práticas desenvolvidas na vida social,</p><p>de modo a torná-las mais significativas.” (SILVA; MARTINS, 2010, p.27).</p><p>Dessa forma, a escolha por crônicas literárias humorísticas se justifica</p><p>tendo em vista a maneira peculiar de tratar do cotidiano, dado o fato do</p><p>humor ser um fenômeno universal, mas também ser uma característica</p><p>muito peculiar à realidade brasileira, possibilitando que nossos temas</p><p>se assemelham ao de outras culturas, bem como as técnicas utilizadas.</p><p>(POSSENTI, 2013).</p><p>Embora haja infinitas críticas formuladas à utilização deste gê-</p><p>nero, como tecem Cosson (2013) e Dalvi (2013), adotamos a proposi-</p><p>ção de Alves (2013, p.36), ao dizer que “devemos ler e levar ao espaço</p><p>escolar toda manifestação artística”. Isso porque, se o intuito é formar</p><p>leitores literários, não podemos simplesmente eleger um gênero como</p><p>superior a outro. Certamente não comungamos da suposta ideia de ser</p><p>a crônica um gênero menor, portanto, mais fácil ou menos importante.</p><p>Partimos do pressuposto de que alunos com pouca vivência com o tex-</p><p>to literário não terão, possivelmente, paciência para leituras de textos</p><p>mais longos em sala de aula. Assim, a crônica pode ser vista como um</p><p>primeiro passo para adentrar ao mundo literário.</p><p>Do ponto de vista da comicidade, “O Brasil se caracterizou (...)</p><p>pelas posturas sociais risíveis ao extremo.” (SÁ, 2007, p.36). Fazer pia-</p><p>da de tudo parece ser uma marca nossa. Contudo não é pelo fato de o</p><p>texto ser cômico que não possa trazer uma reflexão mais profunda e</p><p>capaz de refletir-se na realidade do aluno, pois as crônicas, assim como</p><p>outros gêneros literários, “apresentam potencial de levar o sujeito a</p><p>produzir uma forma qualitativamente diferenciada de penetrar na rea-</p><p>lidade” (SILVA; MARTINS, 2010, p.32).</p><p>Bordini e Aguiar (1998) apontam para o fato de que alunos que</p><p>estão na sétima série (atual oitavo ano), não levam em conta o gêne-</p><p>ro, mas se interessam por assuntos relacionados às aventuras, ao amor</p><p>e ao humor. Muitos cronistas, a exemplo de Luís Fernando Veríssimo,</p><p>65</p><p>Crônicas de Humor: possibilidades de letramento literário no ensino fundamental</p><p>abordam assuntos do interesse do público adolescente, como sexo,</p><p>amor, dificuldades de relacionamento com pais, de maneira cômica.</p><p>Segundo Possenti (2013, p.27), “textos humorísticos, embora</p><p>evidentemente, não sejam sempre ‘referenciais’, guardam algum tipo</p><p>de relação [...] com diversos tipos de acontecimentos”, ou seja, tem</p><p>ligação direta com a realidade. Para o autor, estes acontecimentos po-</p><p>dem ser de natureza instantânea, ligadas ao cotidiano, como no caso</p><p>das charges; piadas ou charges, caracterizadas por humor irônico, de-</p><p>têm-se também nos acontecimentos breves, em sua maioria, relaciona-</p><p>dos ao rol das “desgraças”, a exemplo da queda de um avião, morte de</p><p>uma personalidade etc.; há outros textos relativos a espaços de média</p><p>duração, a exemplo de um mandato governamental; e, por fim, há os</p><p>“imemoriais, quase naturais, isto é, aparentemente não são relaciona-</p><p>dos a acontecimentos.” (POSSENTI, 2013, p.28).</p><p>Dentre os casos imemoriais, podemos inserir</p><p>as crônicas de hu-</p><p>mor, uma vez que a sua natureza temática está relacionada diretamente</p><p>a fatos do cotidiano. Portanto, acontecimentos naturais, a exemplo de</p><p>uma conversa, um acidente de trânsito, um reencontro entre amigos,</p><p>uma conversa entre um casal ou as palavras de uma criança, qualquer</p><p>um desses acontecimentos podem ser produto para o cronista encarar</p><p>a realidade de maneira humorada.</p><p>Sendo assim, as crônicas se apresentam como um gênero pri-</p><p>vilegiado para o trabalho em sala de aula, pois são geralmente cur-</p><p>tos, apresentando marcas da oralidade, o que faz com que se chegue o</p><p>mais próximo possível do universo de interesse dos alunos desta faixa</p><p>etária, além de manter vivo o trabalho com o texto literário.</p><p>3 A Crônica de humor no despertar de leituras</p><p>A proposta de leitura desenvolvida na sala de aula buscou uma</p><p>experiência com a literatura que não se esgota no texto, mas se com-</p><p>pleta no ato da leitura, conforme propõe Bordini e Aguiar (1988) uma</p><p>vez que “o método recepcional de ensino funda-se na atitude partici-</p><p>pativa do aluno em contato com diferentes textos” (BORDINI; AGUIAR,</p><p>1988, p. 85).</p><p>Para tanto, os princípios do letramento literário proposto por</p><p>Cosson (2009, 2011, 2014) e os preceitos do método receptivo por Bor-</p><p>66</p><p>Crônicas de Humor: possibilidades de letramento literário no ensino fundamental</p><p>dini e Aguiar (1988) nortearam as ações didáticas para o estudo da</p><p>crônica literária.</p><p>Na perspectiva do letramento literário, a sequência básica</p><p>(COSSON, 2009) esteve fundamentada dentro de três perspectivas me-</p><p>todológicas: técnica da oficina, caracterizada pelo lúdico e pela ideia</p><p>de aprender fazendo; técnica do andaime, que consiste na troca de</p><p>conhecimentos entre professor e aluno, e a técnica do portfólio, que</p><p>possibilita o registro das atividades desenvolvidas e permite a compa-</p><p>ração dos resultados ao longo do processo.</p><p>Atrelada a esta perspectiva metodológica, incluiu-se alguns</p><p>preceitos do método recepcional, considerando ser importante</p><p>efetuar leituras compreensivas e críticas; ser receptivo a novos</p><p>textos e a leituras de outrem; questionar as leituras efetuadas em</p><p>relação ao seu próprio horizonte cultural e transformar os pró-</p><p>prios horizontes de expectativas bem como os do professor, da</p><p>escola, da comunidade familiar e social (BORDINI; AGUIAR, 1988,</p><p>p.86).</p><p>O método recepcional possibilitou percorrer cinco passos: 1)</p><p>Sondagem dos horizontes de expectativas; 2) Atendimento aos hori-</p><p>zontes de expectativas; 3) Ruptura dos horizontes de expectativas; 4)</p><p>Questionamento dos horizontes de expectativas; e 5) Ampliação dos</p><p>horizontes de expectativas.</p><p>A junção destes dois princípios metodológicos possibilitou,</p><p>nesta pesquisa, uma proposta didática que priorizou a formação do lei-</p><p>tor literário, com ênfase na leitura de crônicas literárias humorísticas,</p><p>aplicada em uma turma de 8º ano, na cidade de Remígio/PB, formada</p><p>por 20 (vinte) alunos entre 12 e 15 anos. O objetivo esteve em ampliar</p><p>a vivência do aluno com o texto literário dentro e fora da escola, por</p><p>meio da leitura de crônicas humorísticas, tornando-se conhecedores</p><p>do gênero, da biografia de autores e do potencial temático de cada</p><p>texto lido.</p><p>Para execução da proposta de leitura, foi produzida a sequência</p><p>básica baseada nos quatro textos selecionados: “O homem trocado”,</p><p>de Luís Fernando Veríssimo; “A barba do falecido”, de Stanislaw Ponte</p><p>Preta; “A cobrança”, de Moacyr Scliar, e “O homem nu”, de Fernando</p><p>67</p><p>Crônicas de Humor: possibilidades de letramento literário no ensino fundamental</p><p>Sabino. Neste artigo, faremos um recorte dentre as atividades aplica-</p><p>das referentes à crônica “A cobrança” de Moacyr Scliar.</p><p>Para aplicação desta atividade, unificamos a etapa da Motiva-</p><p>ção (COSSON, 2014a) à determinação dos horizontes de expectativas</p><p>proposta pelo método recepcional, apresentando aos alunos um car-</p><p>taz com alguns anúncios publicitários e gravuras de objetos e bens de</p><p>consumo. O interesse estava em detectar algumas das preferências dos</p><p>alunos dentre os produtos apresentados, uma vez que, segundo Bordi-</p><p>ni; Aguiar (1988), nesta etapa do processo de leitura os valores, precon-</p><p>ceitos e crenças serão evidenciados nos horizontes de expectativas.</p><p>Inicialmente, pediu-se para que os estudantes observassem as</p><p>gravuras: o anúncio de uma televisão com acesso à internet, o anúncio</p><p>de um carro de luxo, uma casa com piscina, anúncio de smartphones e</p><p>roupas. Lançou-se três questionamentos a respeito do cartaz: 1) O que</p><p>você gostaria de comprar dentre os anúncios e/ou fotografias do cartaz?</p><p>2)Você tem dinheiro suficiente para adquirir este (s) produto (s) que de-</p><p>seja? 3) E se você comprasse e não pudesse pagar, o que faria?</p><p>Por se tratar de adolescentes, era presumível que as escolhas</p><p>fossem pelos smartphones ou pelas roupas. No entanto, seus desejos</p><p>se assemelhavam aos bens desejados pelos adultos, como a casa</p><p>com piscina e o carro. Os desejos dos alunos tinham por base o que</p><p>a sociedade consumista prega como sendo importante ter para se</p><p>destacar em meio aos outros, além de externarem os sonhos dos pais.</p><p>Em todas as respostas os desejos refletiam a classe econômica a qual</p><p>pertenciam os alunos e, por se tratar de uma comunidade carente, ficou</p><p>evidente o anseio de comprar uma casa, um carro ou uma televisão, uma</p><p>vez que a maioria dos alunos eram filhos de agricultores, assalariados</p><p>ou autônomos, refletindo, assim, uma vida simples.</p><p>Para além de uma interpretação do cartaz, os alunos fizeram</p><p>uma leitura e interpretação para a vida, estabelecendo associações di-</p><p>retas com o mundo em sua volta, pois a leitura das imagens transcende</p><p>a sala de aula no momento da discussão.</p><p>A segunda etapa da sequência se deu em dois momentos, o pri-</p><p>meiro, com a leitura e a discussão do texto literário; o segundo, com</p><p>atividades em grupo a partir do texto para posterior socialização das</p><p>68</p><p>Crônicas de Humor: possibilidades de letramento literário no ensino fundamental</p><p>tarefas executadas. Esta foi uma das leituras mais atrativas, pois gerou</p><p>na turma um proveitoso debate sobre consumo, momento em que se</p><p>abordou a temática a partir do ponto de vista dos alunos. Na ocasião,</p><p>comentaram sobre as lojas que fazem cobranças na cidade, seja por es-</p><p>crito ou como apresentada no texto, por meio de um cobrador; também</p><p>relataram já terem recebido as visitas de cobradores em suas casas.</p><p>A discussão revelou uma compreensão sobre o texto que ultra-</p><p>passou o contexto da sala de aula, possibilitando que os alunos refle-</p><p>tissem sua realidade a partir da literatura. Do ponto de vista de Cosson</p><p>(2014), atividades de discussão, como debates, exposições orais ou ou-</p><p>tras formas de exploração do oral, em sala de aula são tão importantes</p><p>e fundamentais quanto as propostas de leitura e escrita.</p><p>Muitas vezes os professores não abrem espaço para este tipo de</p><p>atividade por considerá-las desperdício de tempo. Contudo, são suges-</p><p>tões queque trazem um resultado mais significativo para a apropriação</p><p>do letramento literário, muitas vezes, para além das tarefas escritas,</p><p>pois, como bem aborda Colomer (2007, p.149), “a discussão em grupo</p><p>favorece a compreensão”.</p><p>Na sequência, a turma foi dividida em três grupos com fins de</p><p>realizar três atividades de releitura do texto. O primeiro grupo deveria</p><p>criar um novo final para a história; o segundo, transformar a história em</p><p>teatro de dedoches, construídos por eles mesmos, e o terceiro grupo,</p><p>transformara história em quadrinhos. Para cada atividade, foi proposta</p><p>uma oficina de fundamentação teórica e prática.</p><p>Quanto aos resultados, o grupo 01 decidiu por um final amigá-</p><p>vel para as personagens, talvez movido pelos finais felizes da maioria</p><p>dos textos literários a que estão acostumados. Produziu um final curto,</p><p>sem muita criatividade em relação ao texto original, mas que satisfez o</p><p>grupo no momento da produção e atendeu as expectativas criadas por</p><p>eles, pois frisaram nas discussões a importância de se fazer o possível</p><p>para pagar a quem se deve.</p><p>O final feliz proposto pelo grupo reflete uma necessidade so-</p><p>cial, advinda dos discursos absorvidos dentro e fora da escola relativos</p><p>aos comportamentos. Primeiro, por uma ideologia capitalista: quem</p><p>compra tem que pagar custe o que custar. Segundo, reflete a preocupa-</p><p>69</p><p>Crônicas de Humor: possibilidades de letramento literário no ensino fundamental</p><p>ção em não abalar a relação matrimonial das personagens por causa</p><p>de uma dívida, o que, segundo Bordini e Aguiar (1988, p. 84), evidencia</p><p>o “grau de identificação ou de distanciamento do leitor com relação a</p><p>ela, no que tange às convenções sociais e culturais a que está vinculado</p><p>e à consciência que possui.”</p><p>Por outro lado, o fato de os alunos não desenvolverem um desfe-</p><p>cho do texto mais elaborado é sinal evidente da pouca vivência com a</p><p>literatura, além de sugerir uma necessidade de contato com atividades</p><p>em sala de aula que objetivem a criatividade e o exercício da escrita</p><p>para fins de formar alunos capazes de lerem e se posicionarem critica-</p><p>mente em relação às leituras.</p><p>O grupo 02, responsável por fazer um “teatro de dedoches”</p><p>com os personagens, produzidos por eles mesmos, e a transformação</p><p>do texto lido em uma dramatização para apresentação ao restante dos</p><p>grupos, utilizou-se de trechos originais do Texto 3 para formular as fa-</p><p>las das personagens. À medida que produziam as falas, o grupo ainda</p><p>confeccionou os bonequinhos em cartolina e material emborrachado,</p><p>disponibilizados pela escola.</p><p>A tarefa do grupo 03 era transformar a crônica em uma história</p><p>em quadrinhos. O grupo capturou a essência do texto e traduziu a sua</p><p>percepção em apenas dois quadrinhos em linguagem não verbal. No</p><p>primeiro quadro, os alunos representaram os momentos iniciais do tex-</p><p>to quando se dá o encontro entre o cobrador e sua esposa, que, ao abrir</p><p>a janela, dá de cara com o marido segurando o cartaz de cobrança,</p><p>bem como a parte final do texto, o momento em que começa a chover</p><p>e o homem permanece debaixo da chuva mesmo com a esposa lhe</p><p>oferecendo um guarda-chuva para que não fique doente.</p><p>As três atividades aplicadas atingiram os objetivos, pois o tra-</p><p>balho em sala de aula transcendeu o conteúdo e cumpriu seu papel</p><p>diante do letramento literário, no que diz respeito às práticas de leitura,</p><p>registradas na escrita.</p><p>De acordo com Cosson (2014), a experiência do literário é o</p><p>centro do ensino de literatura, dessa maneira, atividades simples, como</p><p>as ilustradas aqui, são capazes de contribuir para que os alunos cons-</p><p>truam coletivamente o sentido do texto e ampliem seu conhecimento</p><p>70</p><p>Crônicas de Humor: possibilidades de letramento literário no ensino fundamental</p><p>em relação ao mundo. Pinheiro (2011, p.305) aponta para o fato de “To-</p><p>das as vezes que um leitor é convidado a discutir um texto literário e</p><p>a ressignificá-lo, o processo de conhecimento de si e do mundo que o</p><p>cerca se amplia”.</p><p>As atividades demonstraram que a escola desperta o interesse</p><p>pela leitura a partir da oferta de textos que possuam temáticas comuns</p><p>ao seu cotidiano, a exemplo das crônicas estudadas, construindo, as-</p><p>sim, uma vivência com o texto literário na sala de aula.</p><p>4 Considerações finais</p><p>A busca por possibilitar, no contexto escolar, práticas pedagó-</p><p>gicas de leitura do texto literário na perspectiva do letramento foi o</p><p>que motivou a a pesquisa em torno do ensino com o gênero crônica</p><p>humorísticas no Ensino Fundamental. O interesse esteve em construir</p><p>o entendimento de que o texto literário pode levar o leitor a fazer pon-</p><p>tes entre o seu mundo real e o apresentado no texto literário, a fim de</p><p>ampliar o seu horizonte de expectativa.</p><p>Em função de uma ação pedagógica interessada na formação</p><p>do leitor contemporâneo, faz-se necessário repensar a prática de sala</p><p>de aula, com um olhar voltado para o desenvolvimento do aluno como</p><p>protagonista, focando a socialização do indivíduo para agir sobre o</p><p>mundo e sobre si.</p><p>Portanto, a seleção de crônicas literárias humorísticas para alu-</p><p>nos do 8º ano do Ensino Fundamental apresentou-se adequada à faixa</p><p>etária do grupo, visto que a crônica narrativa é um gênero capaz de</p><p>despertar o gosto pela leitura em virtude de sua brevidade, linguagem</p><p>coloquial e subjetividade; bem como desenvolver o olhar crítico dos</p><p>alunos para o mundo, uma vez que suas temáticas versam sobre o co-</p><p>tidiano.</p><p>As contribuições desta pesquisa, certamente, não estiveram em</p><p>apresentar solução pronta e acabada, capaz de sanar todos os proble-</p><p>mas de leitura em sala de aula, mas em pontuar contribuições para o</p><p>ensino com o texto crônica de humor na perspectiva do letramento,</p><p>cujos passos metodológicos são possíveis de serem aplicados em rea-</p><p>lidades múltiplas.</p><p>71</p><p>Crônicas de Humor: possibilidades de letramento literário no ensino fundamental</p><p>O enfoque da escola deve, pois, se voltar não somente para uma</p><p>educação focada no conteúdo, mas também com a formação de um ser</p><p>que se humaniza e cresce através das experiências de leitura que a</p><p>escola põe a sua disposição. Nesse campo, a literatura é solo fértil, pois</p><p>agrega uma diversidade de conhecimentos que possibilitam ao aluno</p><p>experimentar outros tempos paralelamente ao seu, bem como, enten-</p><p>der e refletir sobre si mesmo, o outro e o mundo.</p><p>A escola faz parte da vida do aluno. Assim, esta deve contribuir</p><p>para sua formação cidadã. Neste contexto, a literatura se revela como</p><p>um caminho para que o desenvolvimento humano e o crítico tornem-se</p><p>possíveis e capazes de modificar a realidade do aluno..</p><p>Referências</p><p>ALVES, José Hélder Pinheiro. O que ler? Por quê? A literatura e seu</p><p>ensino. In: DALVI, M.A.; REZENDE, N.L.; JOVER-FALEIROS, R.(orgs.).</p><p>Leitura de literatura na escola. São Paulo; Parábola. 2013.p.35-49]</p><p>BORDINI, M.G; AGUIAR, V.T. Literatura: a formação do leitor – alterna-</p><p>tivas metodológicas. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1988.</p><p>BRASIL, Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ci-</p><p>clos do ensino fundamental- língua portuguesa. Brasília: MEC/SEF,</p><p>2001.</p><p>CANDIDO, Antonio. Do direito à Literatura. In: CANDIDO, Antonio. Vá-</p><p>rios escritos. Rio de Janeiro: Ouro sobre azul, 2004. P.169-191</p><p>COLOMER, Teresa. Andar entre livros: a leitura literária na escola.</p><p>São Paulo: Global. 2014</p><p>COSSON, Rildo. Letramento Literário: teoria e prática. 2ed. São Pau-</p><p>lo: Contexto, 2014a.</p><p>COSSON. Círculos de Leitura e Letramento Literário. São Paulo:</p><p>Contexto, 2014b.</p><p>COSSON, Rildo. A prática do letramento literário na escola. In: GON-</p><p>ÇALVES, A.V; PINHEIRO,A.S (orgs.) Nas trilhas do letramento: entre</p><p>teoria, prática e formação docente. Campinas: Mercado das Letras,</p><p>2011, p.281-298.</p><p>72</p><p>Crônicas de Humor: possibilidades de letramento literário no ensino fundamental</p><p>DALVI, Maria Amélia. Literatura na escola: propostas didático-meto-</p><p>dológicas. In: DALVI, M.A.; REZENDE, N.L.; JOVER-FALEIROS, R. (org.).</p><p>Leitura de literatura na escola. São Paulo; Parábola. 2013.p.67-98</p><p>POSSENTI, Sírio. Humor e acontecimento. In: POSSENTI, Sírio. Humor,</p><p>língua e discurso. São Paulo: Contexto, 2013.p.27-38.</p><p>POSSENTI,Sírio. O humor é universal. In: POSSENTI, Sírio. Humor, lín-</p><p>gua e discurso. São Paulo: Contexto, 2013.p. 139-154.</p><p>OLIVEIRA, Ana Arlinda de. O professor como mediador de leituras</p><p>literárias. In: BRASIL, Literatura: ensino fundamental. Brasília: Ministé-</p><p>rio da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2010. P.41-54.</p><p>PAULINO, Graça; COSSON, Rildo. Letramento literário: para viver a</p><p>literatura dentro e fora da escola. In: ZILBERMAN, R.; RÖSING (orgs).</p><p>Escola e Leitura: Velha crise, novas alternativas. São Paulo: Global.</p><p>2009. p.61-79</p><p>SILVA, M.C; MARTINS, M.R. Experiências de leitura no contexto esco-</p><p>lar. In: BRASIL, Literatura: ensino fundamental. Brasília: Ministério da</p><p>Educação, Secretaria de Educação Básica, 2010. P.41-54</p><p>ZAPPONE, Mirian H.Yaegashi. Modelos de letramento literário e ensi-</p><p>no de literatura: problemas e perspectivas. In: Revista Teoria e Práti-</p><p>ca da Educação, v.11, n1, p.49-60, jan./abr.2008</p><p>ZILBERMAN, Regina. A escola e a leitura da literatura. In: ZILBER-</p><p>MAN, R.; RÖSING (orgs). Escola e Leitura: Velha crise, novas alternati-</p><p>vas. São Paulo: Global. 2009. p.17-39.</p><p>73</p><p>Escola, Memórias e Identidades: produção textual a partir do texto literário</p><p>ESCOLA, MEMÓRIAS E IDENTIDADES:</p><p>PRODUÇÃO TEXTUAL A PARTIR DO TEXTO LITERÁRIO</p><p>Maria José Paulino de Assis Silva</p><p>Marineuma de Oliveira da Costa Cavalcanti</p><p>1 Para começo de conversa</p><p>A sociedade pós-moderna vivencia o aceleramento de mudan-</p><p>ças e é tomada pela velocidade com que tudo ao seu redor se</p><p>transforma, aparece e desaparece, muda de roupagem e de</p><p>forma. O novo deixa de ser novidade num incrível e veloz curto espaço</p><p>de tempo. O que é considerado obsoleto, passando a ser desacreditado</p><p>e, tomado pelo descrédito, torna-se inútil aos olhos de grupos sociais.</p><p>Nesse acelerado tempo de mudanças, há a intrínseca necessida-</p><p>de no ser humano de se encontrar e se situar como parte desse conjun-</p><p>to de acontecimentos. Então, o apelo deve ser atendido pela sociedade</p><p>organizada, pois a escola é o canal que precisa atuar no processo de</p><p>construção identitária e, consequentemente, no registro das memórias.</p><p>Essa efemeridade do tempo, na pós-modernidade, está mar-</p><p>cada pelo uso de recursos midiáticos cada vez mais inovadores, por-</p><p>tanto, os usuários do espaço cibernético vivem em tempos virtuais tão</p><p>velozes que, muitas vezes, não encontram a si mesmos no tempo real,</p><p>desperdiçando o registro de memórias e identidades que fazem do ser</p><p>social um agente da sua própria história.</p><p>Nesse contexto, é inegável a contribuição da escola em garantir</p><p>a busca e a formação da identidade e o registro das memórias como</p><p>elemento da cidadania. Pois, através dos registros, possibilitamos que</p><p>se perpetuem nossas memórias.</p><p>A partir do pressuposto da necessidade desses registros me-</p><p>moráveis, a propositura de produção textual aqui apresentada desen-</p><p>volve-se com o objetivo de registrar dados sobre a vivência escolar de</p><p>educandos de uma escola pública do estado da Paraíba, em que cada</p><p>um deles é instigado a rememorar as experiências escolares, desde os</p><p>74</p><p>Escola, Memórias e Identidades: produção textual a partir do texto literário</p><p>primeiros dias de convívio escolar até os dias atuais, criando, assim,</p><p>um relato de memórias.</p><p>O suporte teórico deste trabalho apresenta-se fundamentado</p><p>em Bergamaschi (2002), Candido (1995), Cosson (2012), Hall (2011),</p><p>Le Goff (2013) Schnneuwly; Dolz (2011) e apresenta textos de apoio li-</p><p>terário a partir da obra de José Lins do Rego (2008), Machado de Assis</p><p>(2014), entre outros.</p><p>É imprescindível, ainda, ressaltar que a base norteadora dessa</p><p>intervenção docente foram os estudos proporcionados pelo Mestrado</p><p>Profissional em Letras (PROFLETRAS), programa instituído em rede na-</p><p>cional, adotado pela UFPB, com o gerenciamento da UFRN e custeado</p><p>pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior–</p><p>CAPES. O Profletras foi uma porta que se abriu a docentes de escolas</p><p>públicas de todo Brasil, a fim de expandir a qualidade do ensino dos</p><p>educandos do nível fundamental, com a intenção de promover a ascen-</p><p>dência quanto à capacidade desses alunos no que se refere às habi-</p><p>lidades de leitura e de escrita, à luz de aportes teóricos consistentes,</p><p>possíveis de aliarem-se à prática cotidiana em sala de aula. Além do</p><p>mais, o programa ofertou disciplinas de Literatura que vieram estreitar</p><p>os laços entre o ensino da língua materna e da literatura na educação</p><p>básica, tornando o estudo mais cativante e deleitoso fundamentado</p><p>nas discussões advindas das propostas e das disciplinas dessa pós-</p><p>-graduação.</p><p>No Mestrado Profissional em Letras, as discussões fluíam com</p><p>ostensiva distinção para a leitura, compreensão e produção de texto,</p><p>dentro e fora da escola, e, na disciplina de Leitura do texto literário,</p><p>o direcionamento era o diálogo acerca do letramento literário. Nesse</p><p>sentido, afirmam Melo e Santos:</p><p>[...]faz-se necessário refletir sobre as práticas e estratégicas que</p><p>norteiam o ensino do texto literário e, também, reconhecer que</p><p>a literatura deve ocupar lugar privilegiado na hierarquia das</p><p>aprendizagens (MELO, SANTOS, 2015, p. 6).</p><p>Para os autores, o ensino do texto literário é prioridade na edu-</p><p>cação básica, muitas vezes não introduzido na prática cotidiana do do-</p><p>cente.</p><p>75</p><p>Escola, Memórias e Identidades: produção textual a partir do texto literário</p><p>Em vista do exposto, é incontestada a condução resultante da</p><p>formação do Profletras na prática docente que se evidencia neste tra-</p><p>balho, incluindo toda a grade curricular do programa, com destaque</p><p>para as disciplinas de Leitura do texto literário e Literatura infanto-ju-</p><p>venil.</p><p>2 Visões conceituais e metodológicas</p><p>É impossível falar de memórias e de identidades sem que lan-</p><p>cemos o pensamento aos familiares, aos amigos, aos professores, àque-</p><p>les com quem compartilhamos a vida, as aventuras, as peripécias, os</p><p>sonhos, até mesmo as atribulações que a nossa existência nos propicia.</p><p>À medida que buscamos registrar o que foi vivido no período</p><p>escolar, o que, de fato, construímos, impreterivelmente, observamos</p><p>que as experiências vivenciadas podem, parte delas, ficar perdidas no</p><p>tempo ou nas lembranças dos grupos sociais ou familiar a que estamos</p><p>agregados.</p><p>E, a partir desse resgate da coletividade, viabiliza-se também o</p><p>registro da memória social, que também contribui, efetivamente, com</p><p>as memórias escolares. Segundo Le Goff (2013, p. 390), estudar a me-</p><p>mória social é fundamental para “abordar os problemas do tempo e</p><p>da história, relativamente aos quais a memória está ora atrasada, ora</p><p>adiantada”. Restaurar a memória social, evidentemente, auxilia na rein-</p><p>terpretação de problemas já passados, o que pode favorecer tomadas</p><p>de decisão sem prejuízo de rompimentos sociais.</p><p>Quanto ao célere avanço das tecnologias modernas, Bergamas-</p><p>chi (2002, p. 137) afirma que esta ocorrência evidenciou “a ‘memória</p><p>curta’, que desde então passou a predominar, desatualizando e trans-</p><p>formando em obsoleto o recém criado”. Nesse aceleramento em que</p><p>vivemos, no processo da “memória curta”, muito se perde e pouco se</p><p>registra. Por esse motivo, vale questionar: Quem sou eu no mundo em</p><p>que vivo? Posso contribuir para transformá-lo ou devo me submeter</p><p>aos modelos vigentes? Sem memória de si e de sua comunidade, o su-</p><p>jeito é desenraizado, desalojado de histórias e tradições específicas e</p><p>fica mais vulnerável às influências de uma sociedade mercantilizada,</p><p>marcada pelo consumismo que, na visão de Stuart Hall, promove um</p><p>verdadeiro “supermercado cultural” (2011, p.75).</p><p>76</p><p>Escola, Memórias e Identidades: produção textual a partir do texto literário</p><p>Com a finalidade de promover o registro das memórias, em sala</p><p>de aula, estudantes são estimulados a resgatar os relatos do tempo de</p><p>escola e passarão a narrá-los com deleite, registrando-os através de</p><p>smartphones, tablets, notebooks e por escrito. O estímulo para o res-</p><p>gate das lembranças e identidades dos anos de escola teve respaldo</p><p>em leituras deleites de textos literários, tendo em vista a contribuição</p><p>da literatura para a formação humana, de sensibilização e socialização,</p><p>conforme a assertiva de Candido (1995), ao afirmar que a literatura</p><p>possui uma função humanizadora, com intenções de socialização e sen-</p><p>sibilização social.</p><p>Ademais, é necessário incluir a política de letramento, visto que</p><p>o educando deve compreender a importância de instituir por escrito</p><p>os seus relatos estudantis. Nesse caso, vale ressaltar que o letramento</p><p>literário difere dos demais letramentos, posto que a literatura apresen-</p><p>ta uma visão ímpar no tocante à linguagem. Sendo assim, compete à</p><p>literatura, dentro e fora da escola, converter o mundo, para sensibilizá-</p><p>-lo e humanizá-lo, que, segundo afirma Cosson (2006, p. 17), deve “[...]</p><p>tornar o mundo compreensível transformando a sua materialidade em</p><p>palavras de cores, odores, sabores e formas intensamente humanas”.</p><p>O letramento a partir dos textos literários oportuniza uma visibilidade</p><p>privilegiada de inserção no mundo da escrita. É certo</p><p>também que é</p><p>na escola que o letramento literário se materializa a partir de um pla-</p><p>nejamento que inclui textos literários previamente selecionados pelo</p><p>professor.</p><p>Enfim, os estudantes são instigados à leitura de textos literários,</p><p>passando a conhecer autores e obras a exemplo do escritor modernis-</p><p>ta José Lins do Rego, na narrativa de Menino de Engenho, na voz do</p><p>narrador-personagem Carlos de Melo, encantado pela vida no Enge-</p><p>nho Corredor, de seu avô José Paulino, onde passa parte de sua infân-</p><p>cia e vive inúmeras aventuras, entre a inocência pueril e as primeiras</p><p>experiências de adolescente, sua chegada à escola informal, onde teve</p><p>contato com as “primeiras letras”, em um ambiente de confronto das</p><p>relações sociais, de novas descobertas, experimentações de leitura e</p><p>afetividade. E ainda, o texto machadiano em Conto de escola, em que</p><p>Machado de Assis nos apresenta Pilar, o narrador protagonista da his-</p><p>77</p><p>Escola, Memórias e Identidades: produção textual a partir do texto literário</p><p>tória que narra o primeiro contato de um menino com a corrupção e a</p><p>delação, fato que ocorre na escola.</p><p>Assim, a proposta de intervenção didática seguirá à luz dos</p><p>aportes teóricos expostos e dos textos literários selecionados. A leitura</p><p>dos textos é um convite para que o estudante possa entrelaçar-se com</p><p>as múltiplas possibilidades expostas pelos autores de distintas locali-</p><p>zações temporais e estéticas, a contar desse momento, as lembranças e</p><p>motivos para escrever fluirão gradativamente.</p><p>3 Do texto literário ao registro das memórias escolares</p><p>À escola cabe a atribuição relevante quanto ao registro das</p><p>memórias e é outorgada à instituição a função de desenvolver o gosto</p><p>pela leitura em seus educandos, apresentando-lhes textos literários e</p><p>propiciando a compreensão destes. Dessa forma, a literatura contribui,</p><p>decisivamente, com a descoberta das identidades e a produção dos</p><p>relatos de memórias.</p><p>3. 1 A Literatura e a representação da vida</p><p>Ao formularmos a proposta de trabalho, refletimos sobre as difi-</p><p>culdades que historicamente vêm acompanhando professores e alunos,</p><p>especialmente da rede pública deste país. Entendemos que atividades</p><p>que promovam e fortaleçam a interação entre leitores e o texto literário</p><p>demandam planejamento e envolvimento da comunidade escolar.</p><p>Nesse sentido, a proposta de intervenção pedagógica foi pen-</p><p>sada a fim de proporcionar o relato das memórias escolares dos sujei-</p><p>tos à medida que percebem suas identidades, despertados pela leitura</p><p>de textos literários, pesquisa com parentes e roda de conversas. Esse</p><p>processo de contato e conhecimento do texto literário tem um caráter</p><p>humanizador apontado por Candido, no texto “O direito à literatura”:</p><p>A produção literária tira as palavras do nada e as dispõe como</p><p>todo articulado. Este é o primeiro nível humanizador, ao contrá-</p><p>rio do que geralmente se pensa. A organização da palavra co-</p><p>munica-se ao nosso espírito e o leva, primeiro a se organizar; em</p><p>seguida, a organizar o mundo. Isto ocorre desde as formas mais</p><p>simples, como a quadrinha, o provérbio, a história de bichos, que</p><p>sintetizam a experiência e a reduzem a sugestão, norma, conselho</p><p>ou simples espetáculo mental (CANDIDO, 1995, p. 177).</p><p>78</p><p>Escola, Memórias e Identidades: produção textual a partir do texto literário</p><p>O texto literário eleva a sensibilidade e a autoestima do leitor,</p><p>numa proposta de ampliação do conhecimento da literatura e, até mes-</p><p>mo, da produção textual a partir de seu envolvimento com a arte. Esse</p><p>trabalho precisa ser cuidadosamente planejado pelo professor, e não</p><p>apenas o professor de Língua Portuguesa, numa interação com a esco-</p><p>la, que deve favorecer um ambiente propício a fim de que docentes e</p><p>discentes sintam-se acolhidos, convidados à leitura.</p><p>Quanto à seleção dos textos a serem trabalhados na escola, em</p><p>Letramento literário, Rildo Cosson (2012) conclui que ao professor</p><p>cabe a responsabilidade de selecionar os textos a partir dos conhe-</p><p>cimentos prévios dos alunos, progredindo para outras leituras que os</p><p>conduzam à ampliação do universo leitor. Dando ênfase a essa questão,</p><p>o autor sugere que:</p><p>Ao selecionar um texto, o professor não deve desprezar o cânone,</p><p>pois é nele que encontrará a herança cultural de sua comunidade.</p><p>Também não pode se apoiar apenas na contemporaneidade dos</p><p>textos, mas sim em sua atualidade. Do mesmo modo, precisa apli-</p><p>car o princípio da diversidade, para além da simples diferença</p><p>entre os textos, como a busca da discrepância entre o conhecido</p><p>e o desconhecido, o simples e o complexo, em um processo de</p><p>leitura que se faz por meio da verticalização de textos e procedi-</p><p>mentos. É assim que tem lugar na escola o novo e o velho, o trivial</p><p>e o estético, o simples e o complexo e toda a miríade de textos</p><p>que faz da leitura literária uma atividade de prazer e conheci-</p><p>mentos singulares (COSSON, 2012, p. 35).</p><p>Há uma expressiva contribuição de Cosson para a nossa inter-</p><p>venção quanto à modesta antologia apresentada aos nossos estudantes.</p><p>Quanto ao gênero textual, foram escolhidos romance, conto e poema;</p><p>todos os textos são motivadores do tema escola, memórias e identida-</p><p>des, de épocas diversas da literatura brasileira.</p><p>Ressalta-se, portanto, a relevância do estudo do texto literário</p><p>evidenciado durante o curso do Mestrado Profissional em Letras, com</p><p>destaque para a asserção do professor João Carlos Biella, que acentua</p><p>a conjuntura da disciplina Leitura do texto literário e outras optativas</p><p>no curso de pós-graduação, ao frisar o objetivo da disciplina:</p><p>79</p><p>Escola, Memórias e Identidades: produção textual a partir do texto literário</p><p>Uma experiência desejada pelas disciplinas de Literatura, na for-</p><p>mação do aluno-mestrando do mestrado profissional (PROFLE-</p><p>TRAS), é a de aproximar o professor do ensino básico de uma</p><p>potencial bibliografia sobre o letramento literário (BIELLA apud</p><p>MELO, SANTOS, 2015, p. 9)</p><p>É notória a sustentação de Biella a respeito da tese de que o</p><p>professor de Língua Portuguesa deve conhecer uma vasta e possante</p><p>lista de livros literários para potencializar o trabalho pedagógico a fa-</p><p>vor da leitura, da compreensão de texto, do deleite e do despertar da</p><p>sensibilidade humana no educando.</p><p>Logo, designa-se como prioridade o estudo do texto literário</p><p>em sala de aula, desde os anos iniciais, com o intuito de desenvolver</p><p>a aptidão de leitura, compreensão e produção de texto, sob a ótica da</p><p>empatia e humanização.</p><p>3.2 Relatos de memórias escolares</p><p>A ação pedagógica desenvolve-se a partir da leitura do roman-</p><p>ce modernista Menino de Engenho, de José Lins do Rego, com desta-</p><p>que para o capítulo 14, em que o narrador protagonista rememora seus</p><p>primeiros contatos com a escola, com a figura do mestre, dos ensina-</p><p>mentos da escrita, da matemática e de outras experiências em outro</p><p>espaço, fora do engenho do avô. Após a leitura, seguem-se os debates,</p><p>discussões, questionamentos, relatos orais e orientação para pesquisa</p><p>com familiares sobre os anos iniciais de escola, professores, lugares,</p><p>fatos marcantes. Para exposição das informações colhidas em casa, or-</p><p>ganizam-se as rodas de conversas sobre as memórias resgatadas, com-</p><p>paração de fatos vividos nos anos iniciais e nos dias atuais.</p><p>Nas aulas seguintes, os estudantes têm contato com a obra rea-</p><p>lista de Machado de Assis, Conto de escola, narrativa que também</p><p>apresenta um narrador em primeira pessoa que recorda um momento</p><p>específico de seu tempo de escola, expondo, paralelamente, um pouco</p><p>de História com o fim de contextualizar o regime adotado por seu mes-</p><p>tre. O relato exposto pelo narrador-protagonista Pilar contribui com as</p><p>discussões das lembranças do tempo de estudante de cada um, consi-</p><p>derando as peripécias vividas e rememoradas.</p><p>80</p><p>Escola, Memórias e Identidades: produção textual a partir do texto literário</p><p>Outro texto apresentado aos educandos foi o cordel Sauda-</p><p>de da Escola, de João Vitor, estudante de escola pública de Jucati</p><p>(PE),14escrito no ano de 2020, para expressar a falta que se sente da</p><p>capítulos apresentam propostas de leituras de</p><p>formas atuais que emergem de situações não restritamente vinculadas</p><p>à escrita.</p><p>A primeira, de autoria de Talita Mendes da Silva e Rauer Ribeiro</p><p>Rodrigues,diz respeito ao texto veiculado em suporte digital, em torno</p><p>de microcontos, em contexto de uso das TIC’s. A segunda, de autoria de</p><p>Elaine Sant Antonio e Moama Lorena de Lacerda Marques, apresenta</p><p>uma proposta sobre a mediação, em oficinas temáticas, de textos da</p><p>Poesia Slam de autoria feminina, em situação performática.</p><p>A concepção deste livro se deve, em grande parte, ao movimen-</p><p>to nacional de formação continuada desencadeado pelo Programa de</p><p>Mestrado Profissional em Letras, em um momento feliz da nossa histó-</p><p>ria. O surgimento de tal movimento permitiu e incentivou a leitura e a</p><p>análise permanente de textos literários, verificando possibilidades de</p><p>aplicação no ensino de literatura.</p><p>Com tal prática, tem-se uma atualização do pensamento de</p><p>Friedrich Schiller, em A educação estética do homem. Desde um remoto</p><p>final do século XVIII, ele nos ensinava sobre a formação da sensibili-</p><p>dade como “[...] a necessidade mais premente da época, não apenas</p><p>porque ela vem a ser um meio de tornar o conhecimento melhorado</p><p>eficaz para a vida, mas também porque desperta a própria melhora do</p><p>conhecimento” (Tradução Roberto Schwarz e Márcio Suzuki. São Paulo:</p><p>Iluminuras, 1989).</p><p>Antes de se deparar com resultados de estudos sobre a leitu-</p><p>ra de gêneros canônicos, predominantes na literatura escrita, o leitor</p><p>poderia, talvez como exercício preliminar, prosseguir na leitura de al-</p><p>guns capítulos de cunho mais teórico, como aqueles escritos por: Letí-</p><p>cia Queiroz de Carvalho e Lohaynne Gomes Mello, sobre a literatura de teste-</p><p>munho na sala de aula; Maria José Paulino de Assis Silva e Marineuma de</p><p>Oliveira da Costa Cavalcanti, sobre o registro de memórias escolares</p><p>e suas identidades.</p><p>10</p><p>Os resultados de experiências pedagógicas com gêneros oriun-</p><p>dos mais exclusivamente da escrita criativa, digamos, pertencentes a</p><p>uma tradição da forma escrita como expressão literária, estão presen-</p><p>tes em quatro capítulos, em torno da crônica, do poema, do texto dra-</p><p>mático e do conto.</p><p>No primeiro caso, as autoras Vanuza Batista da Costa Duarte e</p><p>Maria Suely da Costa discutem o uso pedagógico da crônica literária</p><p>de humor na formação do leitor, sob a perspectiva do letramento lite-</p><p>rário, nos anos finais do Ensino Fundamental. Já no que diz respeito à</p><p>experiência com a leitura do poema, Noeme Leite do Nascimento Oli-</p><p>veira e Carlos Magno Gomes promovem atividades cujo objetivo final</p><p>é reconhecer a participação do leitor como um coautor na atualização</p><p>dos sentidos do texto literário.</p><p>Quanto ao uso do texto dramático no processo de formação de</p><p>leitores, com enfoque mais teórico do que prático, Fabrícia Cristiane</p><p>Guckert e Alaim Souza Neto delineiam uma problemática em torno da</p><p>temática no âmbito de estudos concluídos no PROFLETRAS e fornecem</p><p>dados úteis a discussões sobre as contribuições do teatro no proces-</p><p>so referido. Já no que diz respeito à leitura de narrativas em forma de</p><p>contos, Simone de Almeida Fernandes e Ana Paula Franco Nobile Bran-</p><p>dileone apresentam uma proposta metodológica de intervenção didá-</p><p>tica com um conto de Lygia Fagundes Telles, em contexto de ensino da</p><p>Educação de Jovens e Adultos.</p><p>Além da experiência com várias formas literárias tidas como</p><p>mais tradicionais, dois capítulos apresentam propostas de leituras de</p><p>formas atuais que emergem de situações não restritamente vincula-</p><p>das à escrita. A primeira, de autoria de Talita Mendes da Silva e Rauer</p><p>Ribeiro Rodrigues, diz respeito ao texto veiculado em suporte digital,</p><p>em torno de microcontos, em contexto de uso das TIC’s. A segunda, de</p><p>autoria de Elaine Sant Antonio e Moama Lorena de Lacerda Marques,</p><p>apresenta uma proposta sobre a mediação, em oficinas temáticas, de</p><p>textos da Poesia Slam de autoria feminina, em situação performática.</p><p>A concepção deste livro se deve, em grande parte, ao movimen-</p><p>to nacional de formação continuada desencadeado pelo Programa de</p><p>Mestrado Profissional em Letras, em um momento feliz da nossa histó-</p><p>A Leitura Literária Entre Deuses, Heróis e Mortais: a mitologia grega na escola</p><p>11</p><p>ria. O surgimento de tal movimento permitiu e incentivou a leitura e a</p><p>análise permanente de textos literários, verificando possibilidades de</p><p>aplicação no ensino de literatura.</p><p>Com tal prática, tem-se uma atualização do pensamento de</p><p>Friedrich Schiller, em A educação estética do homem. Desde um remo-</p><p>to final do século XVIII, ele nos ensinava sobre a formação da sensibi-</p><p>lidade como “[...] a necessidade mais premente da época, não apenas</p><p>porque ela vem a ser um meio de tornar o conhecimento melhorado</p><p>eficaz para a vida, mas também porque desperta a própria melhora do</p><p>conhecimento” (Tradução Roberto Schwarz e Márcio Suzuki. São Paulo:</p><p>Iluminuras, 1989).</p><p>A Leitura Literária Entre Deuses, Heróis e Mortais: a mitologia grega na escola</p><p>12</p><p>A LEITURA LITERÁRIA ENTRE DEUSES, HERÓIS E</p><p>MORTAIS: A MITOLOGIA GREGA NA ESCOLA</p><p>Robsandra Cardoso Abintes</p><p>Michelle Bianca Santos Dantas</p><p>1 Considerações iniciais</p><p>Sabemos que a leitura proporciona ao leitor um vasto universo de</p><p>possibilidades miméticas, que vão, desde a representação da ori-</p><p>gem das coisas, até ao ato mais cotidiano da existência humana.</p><p>Assim, as diversificadas faces das condutas sociais podem ser retra-</p><p>tas esteticamente, como o poder, o amor, a vaidade, o heroísmo, a ga-</p><p>nância entre tantos outros perfis. Além do mais, como diz-nos Antonio</p><p>Candido (1995), a arte poética pode ser considerada também um bem</p><p>incompressível que garante o direito humanitário de acesso à cultura,</p><p>logo, ela é um direito do nosso aluno.</p><p>E, mediante tanta diversidade temática representada na arte</p><p>poética, observamos que, quase sempre, cabe ao professor, no con-</p><p>texto da sala de aula, selecionar, sugerir e/ou conduzir o aluno nessa</p><p>jornada literária. Mais ainda, vemos que é preciso realizar um “des-</p><p>pertar”, uma “sedução”, a fim de que possamos enfrentar o quadro de</p><p>“não-encantamento” com a leitura.</p><p>Para tanto, é preciso que o espaço escolar seja bem explorado e</p><p>que, sobretudo, represente, não somente lugar de alfabetização, como</p><p>também de promoção e ampliação das competências e habilidades de</p><p>linguagem em seus mais diferentes contextos e modos de expressão.</p><p>Na BNCC (2018), a área de linguagens (Ensino Fundamental/anos fi-</p><p>nais) é descrita da seguinte forma, vejamos:</p><p>Por sua vez, no Ensino Fundamental – Anos Finais, as aprendiza-</p><p>gens, nos componentes curriculares dessa área, ampliam as prá-</p><p>ticas de linguagem conquistadas no Ensino Fundamental – Anos</p><p>Iniciais, incluindo a aprendizagem de Língua Inglesa. Nesse seg-</p><p>mento, a diversificação dos contextos permite o aprofundamento</p><p>de práticas de linguagem artísticas, corporais e linguísticas que</p><p>A Leitura Literária Entre Deuses, Heróis e Mortais: a mitologia grega na escola</p><p>13</p><p>se constituem e constituem a vida social (BNCC, 2018, p.63-64,</p><p>grifos nossos).</p><p>Reconhecemos que essa proposição é notadamente mais com-</p><p>plexa na prática, do que na teoria, visto que a realização de toda e qual-</p><p>quer ação didática, que envolva a leitura, ainda mais especificamente</p><p>a literária, é quase sempre um grande desafio. Razões para isso não</p><p>faltam e vão desde a desmotivação dos alunos à escassez de material</p><p>e espaço físico adequado para desenvolver o trabalho com a literatura</p><p>em sala de aula. Sabemos que, na prática escolar, a leitura literária está</p><p>quase sempre vinculada à cobrança de um trabalho escrito ou para</p><p>uma avaliação. Essas são algumas estratégias utilizadas, para que os</p><p>alunos possam encontrar alguma objetividade nesse processo.</p><p>É nesse momento que a mediação da leitura vem contribuir de</p><p>forma significativa para a prática leitora desse indivíduo. Ao media-</p><p>dor cabe a difícil tarefa de desvendar quais leituras são mais propí-</p><p>cias àquele leitor-estudante e ao contexto de ensino-aprendizagem em</p><p>questão.</p><p>es-</p><p>cola em tempos de pandemia da covid-19. Logo, as produções escritas</p><p>despontam e são compartilhadas através de leituras, inseridas em um</p><p>processo de revisão e reescrita constantes do gênero textual relato de</p><p>memórias, focando em episódios memoráveis vivenciados na escola,</p><p>dos anos iniciais até agora.</p><p>Toda essa metodologia adotada para a produção textual dos re-</p><p>latos de memórias a partir do texto literário segue a orientação das</p><p>sequências didáticas propostas por Dolz, Noverraz e Schneuwly (2011).</p><p>Segundo os autores, “uma ‘sequência didática’ é um conjunto de ati-</p><p>vidades escolares organizadas, de maneira sistemática, em torno de</p><p>um gênero textual oral ou escrito” (DOLZ; NOVERRAZ; SCHNEUWLY,</p><p>2011, p. 82). Portanto, é primordial que se tenha a clareza de que uma</p><p>intervenção didática deve ser planejada à luz de um aporte teórico que</p><p>oriente a materialização de um produto, nesse caso, a produção dos</p><p>relatos de memórias escolares.</p><p>Nesse encadeamento de ações interventivas, no deleite da lei-</p><p>tura do texto literário, na interação das lembranças dos anos iniciais da</p><p>escola ainda no frescor da infância, no convívio com as primeiras pro-</p><p>fessoras, no deslumbramento da aprendizagem sistemática e formal,</p><p>na descoberta das identidades através da escola, torna-se evidente a</p><p>percepção de que a instituição escolar tem uma relação estreita com</p><p>a formação identitária dos indivíduos. Dessa forma, vale lembrar que</p><p>Hall (2011) afirma não haver, no sujeito, uma identidade plena e única,</p><p>que ela se constitui e se modifica com nossas experiências culturais.</p><p>Compreende-se, assim, que a formação identitária não é es-</p><p>tática, construída em forma, podendo, inclusive, modificar-se com o</p><p>tempo. Segundo Hall (2011, p. 13), “a identidade plenamente unifica-</p><p>da, completa, segura e coerente é uma fantasia”. A velocidade com</p><p>que as transformações ocorrem no mundo moderno impõe ao homem</p><p>a necessidade de caminhar no mesmo ritmo. Nessa corrida alucinante,</p><p>4 Texto disponível em vídeo em: https://obseducovid19.wordpress.com/2020/04/30/</p><p>um-cordel-sobre-a-saudade-da-escola-em-tempos-de-pandemia/</p><p>81</p><p>Escola, Memórias e Identidades: produção textual a partir do texto literário</p><p>para manter-se em sintonia, o passado vai ficando cada vez mais dis-</p><p>tante e valores fundamentais são esquecidos.</p><p>Quanto mais a vida social se torna mediada pelo mercado global</p><p>de estilo, lugares e imagens, pelas viagens internacionais, pelas</p><p>imagens da mídia e pelos sistemas de comunicação globalmente</p><p>interligados, mais as identidades se tornam desvinculadas – de-</p><p>salojadas – de tempos, lugares, histórias e tradições específicos e</p><p>parecem “flutuar livremente”. Somos confrontados por uma gama</p><p>de diferentes identidades (cada qual nos fazendo apelos, ou me-</p><p>lhor, fazendo apelos a diferentes partes de nós), dentre as quais</p><p>parece possível fazer uma escolha (HALL, 2011, p. 75).</p><p>Percebemos, então, a mutação da identidade social–com gran-</p><p>des contribuições da escola–na linha do tempo da humanidade. O es-</p><p>tilo de vida e os meios de que as pessoas dispõem acabam por moldar</p><p>um novo perfil identitário para os sujeitos da história. Estes, por sua</p><p>vez, precisam despertar-se enquanto agentes, para que não sejam tra-</p><p>gados pelo aceleramento desordenado do progresso e da multiplici-</p><p>dade de opções que lhes são postas.</p><p>A escola, então, deve atuar como mediadora na formação de</p><p>identidades, uma vez que – como instituição social e formadora de ci-</p><p>dadania – é seu papel agir de maneira contundente no desenvolvimen-</p><p>to do senso crítico, que contribui com a descoberta das identidades.</p><p>Além da responsabilidade de protagonizar como interventora entre a</p><p>identidade coletiva da humanidade, numa ampla referência, e da iden-</p><p>tidade nacional. De acordo com a assertiva de Hall (2011, p. 47), “no</p><p>mundo moderno, as culturas nacionais em que nascemos se constituem</p><p>em uma das principais fontes de identidade cultural”.</p><p>É incontestável, por conseguinte, que a escola deve atuar de</p><p>maneira decisiva na construção das identidades, tanto individual quan-</p><p>to coletiva, proporcionando ao sujeito a concepção de agente de sua</p><p>própria história e da História do seu povo, de sua gente:</p><p>as pesquisas em torno da memória, de modos variados, têm atin-</p><p>gido alguns setores educacionais que buscam discuti-la e com-</p><p>preendê-la em diversos contextos, relacionando-a com práticas</p><p>educativas da sociedade, mais especificamente com práticas es-</p><p>colares (BERGAMASCHI, 2002, p. 132).</p><p>82</p><p>Escola, Memórias e Identidades: produção textual a partir do texto literário</p><p>A partir do exposto por Bergamaschi, constatamos que já exis-</p><p>tem trabalhos nesse campo, o que é significativo, pois as atividades</p><p>escolares devem contemplar o registro das memórias, de forma que o</p><p>indivíduo se sinta parte da História. Inclusive, esse é um direito do qual</p><p>não se deve abrir mão, pois, ao longo da História, muito se sonhou com</p><p>a aquisição e o uso da leitura e da escrita como forma de libertação</p><p>e de conhecimento do mundo. Assim sendo, remetemos ao texto de</p><p>Guido (2013):</p><p>O uso das letras foi descoberto e inventado para conservar a me-</p><p>mória das coisas. Aquilo que queremos reter e aprender de cor</p><p>fazemos redigir por escrito, a fim de que o que se possa reter</p><p>perpetuamente na memória frágil e falível seja conservado por</p><p>escrito e por meio de letras que duram sempre (GUIDO, apud LE</p><p>GOFF, 2013, p. 411).</p><p>Considerada a importância da escrita, conforme assegura o au-</p><p>tor, reafirmamos o encargo da escola quanto à formação identitária e o</p><p>registro das memórias. Portanto, o estudo teórico conduziu à prática, ou</p><p>seja, à proposta de mediação em sala de aula. Com o propósito de con-</p><p>tribuir com a descoberta das identidades e no registro das memórias</p><p>de estudantes do ensino fundamental, expomos a proposta de interpo-</p><p>sição, acompanhada de sequências didáticas, que conduziu o trabalho</p><p>pedagógico de maneira lúdica e cognitiva.</p><p>4 Um epílogo da intervenção didática</p><p>Decisivamente, o registro das memórias revela a questão identi-</p><p>tária, como forma de situar o sujeito (aquele que vai relatar suas vivên-</p><p>cias) enquanto agente de sua própria história e da história de seu povo.</p><p>Esse registro depende de vários fatores e situações nas quais o sujeito</p><p>deve localizar-se, rememorando o convívio dos primeiros anos na es-</p><p>cola, sua educação formal, as oportunidades de expressar-se oralmen-</p><p>te e por escrito, compreendendo a si mesmo e o mundo que o cerca.</p><p>No tocante a esse assunto, é possível expor considerações re-</p><p>sultantes da investigação teórica que norteou o projeto de intervenção</p><p>ora exposto, inclusive, retomando brevemente alguns pontos já eviden-</p><p>83</p><p>Escola, Memórias e Identidades: produção textual a partir do texto literário</p><p>ciados anteriormente, com a finalidade de traçar um diálogo entre a</p><p>teoria estudada e as práticas experimentadas em sala de aula.</p><p>O aporte teórico direciona as ações pedagógicas a fim de</p><p>orientar o sujeito na descoberta de suas identidades, ressaltando que</p><p>as identidades não são estáticas, completas, mas formam-se ao longo</p><p>do tempo, considerando as experiências vividas e rememoradas, en-</p><p>fatizando a concepção de Hall (2011). Além disso, resguardar a memó-</p><p>ria de um povo é proporcionar a análise crítica e as identificações de</p><p>descendências futuras, garantindo-lhes a perpetuação do patrimônio</p><p>histórico social e até mesmo familiar, segundo Le Goff (2013). Nesse</p><p>sentido, definimos como objetivo geral da mediação o registro das me-</p><p>mórias escolares para revelar aspectos identitários, nas modalidades</p><p>oral e escrita. Com o propósito de certificar as reminiscências do sujei-</p><p>to e da sociedade, a escola tem o compromisso de oportunizar aos seus</p><p>educandos o escrito de seus relatos para que estes indivíduos tenham</p><p>a consciência de que fazem parte da história.</p><p>Com base nesses argumentos, essa intervenção passa pelo pla-</p><p>nejamento de oficinas a serem desenvolvidas em sala de aula através</p><p>da proposta de atividades com textos literários – base leitora deste tra-</p><p>balho. A seleção</p><p>dos textos de apoio obedece ao tema da intervenção,</p><p>numa antologia de romance, conto e poema.</p><p>Uma consequência evidente do contato com a literatura é a</p><p>expressão da sensibilidade dos estudantes envolvidos na mediação,</p><p>evento constatado nas produções orais e produções escritas, o que nos</p><p>remete claramente à assertiva de Candido (1995) quanto ao processo</p><p>humanizador efetivado pela literatura.</p><p>Reiteramos que esta investigação, em sentido amplo, tem como</p><p>objetivo registrar as memórias a partir das descobertas identitárias,</p><p>considerando o contexto socioeconômico e cultural de cada sujeito en-</p><p>volvido na mediação. Para esse fim, foca-se em atividades respaldadas</p><p>em textos literários–prosa e versos–frisando em temas de valorização</p><p>da infância, da busca da identidade, da fugacidade para um lugar idea-</p><p>lizado, assim como da narrativa da meninice em um espaço propício às</p><p>aventuras libertinas e relações de afetividade familiar.</p><p>84</p><p>Escola, Memórias e Identidades: produção textual a partir do texto literário</p><p>Vale ressaltar também que o registro de memórias do tempo de</p><p>escola contribui para a emergência da autoestima dos estudantes, uma</p><p>vez que passam a prezar suas histórias de vida, comparando épocas de</p><p>acontecimentos significativos vividos com fatos nacionalmente e inter-</p><p>nacionalmente conhecidos, acrescentando ao seu ego que eles não são</p><p>apenas indivíduos que passam pela vida, mas são agentes da própria</p><p>história e da história de seu grupo social.</p><p>Por fim, constatamos que uma intervenção em sala de aula volta-</p><p>da para a leitura de textos literários e a produção textual de relatos de</p><p>memórias escolares remete-nos para uma incessante reflexão e prática</p><p>de ações pedagógicas que presidem o trabalho docente em prol da</p><p>ascensão da aprendizagem, da formação cidadã a partir do reconhe-</p><p>cimento da relevância da existência de cada pessoa como aquele que</p><p>faz história, respaldando o papel da escola na sociedade. Asseguramos</p><p>ainda que intervenções futuras são necessárias e outras contribuições</p><p>deverão ser acrescidas com a perspectiva de propiciar os melhores</p><p>resultados possíveis aos educandos.</p><p>Referências</p><p>ASSIS, Machado de. Conto de escola. In Obra Completa. Rio de Janei-</p><p>ro: Nova Aguilar, 2014.</p><p>BERGAMASCHI, Maria Aparecida. Memória: entre o oral e o escrito.</p><p>Revista História da Educação. Pelotas: UFRGS, 2002. Disponível em</p><p>http://seer.ufrgs.br/index.php/asphe/article/view/30603/pdf. Acesso</p><p>em 29 jul. 2022.</p><p>CANDIDO, Antônio. O direito à literatura. In: CANDIDO, Antônio. Vá-</p><p>rios escritos – edição revista e ampliada. São Paulo: Duas cidades,</p><p>1995.</p><p>DOLZ, Joaquim; NOVERRAZ, Michele; SCHNEUWLY, Bernard. Sequên-</p><p>cias didáticas para o oral e a escrita: apresentação de um procedi-</p><p>mento. In: Gêneros orais e escritos na escola. Tradução e organiza-</p><p>ção Roxane Rojo e Glaís Sales Cordeiro. 3. ed. Campinas, SP: Mercado</p><p>107 de Letras, 2011.</p><p>85</p><p>Escola, Memórias e Identidades: produção textual a partir do texto literário</p><p>HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Trad.</p><p>Tomaz Tadeu da Silva e Guacira Lopes Louro. 11. ed. Rio de Janeiro:</p><p>DP&A, 2011.</p><p>LE GOFF, Jacques. História e Memória. Campinas, SP: Editora da Uni-</p><p>camp, 1990.</p><p>MELO, Carlos Augusto de; SANTOS, Luciane Alves (Org). Letramento</p><p>literário e formação do leitor: desafios e perspectivas do PROFLE-</p><p>TRAS. João Pessoa/PB: 2015.</p><p>REGO, José Lins do. Menino de Engenho. 94. ed. Rio de Janeiro: José</p><p>Olympio, 2008.</p><p>86</p><p>Leitura e Formação e Leitores Mediada pelo Gênero Teatro e/ou Dramático</p><p>LEITURA E FORMAÇÃO DE LEITORES MEDIADA PELO</p><p>GÊNERO TEATRO E/OU DRAMÁTICO</p><p>Fabrícia Cristiane Guckert</p><p>Alaim Souza Neto</p><p>1 Introdução</p><p>A leitura é uma possibilidade relevante para a formação dos alu-</p><p>nos.</p><p>Segundo Failla (2021),</p><p>A leitura é libertadora e promove o protagonismo no acesso ao</p><p>conhecimento e à cultura. Ela transforma, informa, emociona e</p><p>humaniza. Traduz e nos aproxima do que é humano em diferentes</p><p>tempos, lugares, sentidos, culturas e sentimentos (FAILLA, 2021,</p><p>p. 22).</p><p>Para Proust (2003, p. 35), “[...] na medida em que a leitura é para</p><p>nós a iniciadora cujas chaves mágicas abrem no fundo de nós mesmos</p><p>a porta das moradas onde não saberíamos penetrar, seu papel na vida</p><p>é salutar”.</p><p>Ao se abordar o desenvolvimento da leitura no contexto escolar,</p><p>os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) – Língua Portuguesa asse-</p><p>guram que a leitura é, fundamentalmente, um objeto de ensino e tem</p><p>como finalidade a formação de leitores competentes. Além disso, tam-</p><p>bém é um objeto de aprendizagem, dado que, durante o processo de</p><p>leitura, os alunos/leitores/espectadores podem realizar um trabalho</p><p>ativo de construção de significado do texto a partir dos seus próprios</p><p>objetivos, dos seus conhecimentos sobre o assunto, sobre o autor e de</p><p>tudo o que sabem sobre a língua, tais como: características do gênero,</p><p>do veículo e do sistema de escrita, de forma que faça sentido para eles</p><p>(BRASIL, 1997).</p><p>Candido (2004) alega que a leitura, em especial a leitura lite-</p><p>rária, não é uma experiência inofensiva, mas uma aventura que pode</p><p>causar problemas psíquicos e morais, como acontece com a própria</p><p>87</p><p>Leitura e Formação e Leitores Mediada pelo Gênero Teatro e/ou Dramático</p><p>vida. Ela exerce um papel formador da personalidade, segundo a força</p><p>indiscriminada e poderosa da própria realidade. Assim, é um instru-</p><p>mento poderoso de instrução e educação e deve estar presente nos</p><p>currículos escolares, sendo proposta a cada aluno como equipamento</p><p>intelectual e afetivo.</p><p>Em relação ao desenvolvimento do teatro na escola, os PCN</p><p>(BRASIL, 1997) apontam que o teatro proporciona experiências que</p><p>contribuem para o crescimento integrado do aluno sob vários aspec-</p><p>tos, tanto no plano individual quanto no coletivo. Eles balizam que cabe</p><p>à escola viabilizar o acesso do aluno à literatura, aos vídeos, às ativida-</p><p>des de teatro de sua comunidade.</p><p>Outros documentos oficiais, como a Base Nacional Comum Cur-</p><p>ricular (BNCC) (BRASIL, 2017), reconhecem o teatro como um instru-</p><p>mento pedagógico que pode auxiliar não só o processo de formação</p><p>de leitores nas aulas de Língua Portuguesa, como ajudar na formação</p><p>humana integral dos estudantes. Dado que este gênero, desde a anti-</p><p>guidade clássica, permeia a vida social e comunitária do ser humano,</p><p>“[...] sempre foi responsável pelo registro da trajetória humana: seus</p><p>questionamentos existenciais, suas reivindicações sociais e políticas”</p><p>(GRANERO, 2020, p. 15) e “[...] é polivalente por excelência” (GRANE-</p><p>RO, 2020, p. 21).Visto que</p><p>O teatro instaura uma experiência artística multissensorial de en-</p><p>contro com o outro em performance. Nessa experiência, o corpo</p><p>é lócus de criação ficcional de tempos, espaços e sujeitos distin-</p><p>tos de si próprios, por meio do verbal, não verbal e da ação física.</p><p>(BRASIL, 2017, p. 196).</p><p>Além disso, a BNCC (BRASIL, 2017) ressalta que o processo de</p><p>criação teatral passa por momentos de inspiração coletiva e colabora-</p><p>tiva, improvisações, atuações e encenações, caracterizados pela inte-</p><p>ração entre atuantes e espectadores. Dessa forma, as práticas teatrais</p><p>possibilitam a intensa troca de experiências e aprimora a percepção</p><p>estética, a imaginação, a consciência corporal, a intuição, a memória, a</p><p>reflexão e a emoção.</p><p>O desenvolvimento da leitura literária e a formação de leitores</p><p>potencializada pela experiência teatral são procedimentos que podem</p><p>88</p><p>Leitura e Formação e Leitores Mediada pelo Gênero Teatro e/ou Dramático</p><p>elucidar a compreensão profunda e significativa da obra escrita por</p><p>meio dos processos de identificação e estranhamento, dado que</p><p>O teatro consiste numa arte que envolve o indivíduo na sua to-</p><p>talidade, por isso sua utilização como ferramenta didática pode</p><p>trazer inúmeros benefícios, tais como: despertar a criatividade,</p><p>ampliar a imaginação, aperfeiçoar a concentração, trabalhar a ti-</p><p>midez, exercitar a voz e suas entonações, valorizar o trabalho em</p><p>grupo e o respeito às regras, desenvolver a coordenação motora.</p><p>Pode-se citar ainda o trabalho</p><p>com raciocínio lógico, oralidade,</p><p>vocabulário, improvisação e solução de problemas em situações</p><p>fictícias. (COSTA, 2013, p. 130).</p><p>Na visão de Granero (2020), o teatro deve ser usado no cenário</p><p>escolar, uma vez que ele é um meio de socialização que pode trabalhar</p><p>a linguagem verbal, não verbal e espacial e a atmosfera cênica. Para</p><p>a autora, ao trabalhar com o teatro, o professor pode identificar uma</p><p>infinidade de traços da personalidade dos alunos e descobrir talen-</p><p>tos, pois alguns estudantes podem-se interessar pela organização dos</p><p>materiais, pelo cronograma de ensaios ou pela confecção e/ou pelo</p><p>reparo de acessórios, do que subir ao palco. Além do mais, pode-se</p><p>identificar nos discentes liderança, carisma e criatividade.</p><p>Calzavara (2009) defende o resgate dos textos dramáticos e a</p><p>experiência teatral, pois pode se desenvolver não só a leitura subs-</p><p>tantiva, linear, horizontal do texto, mas também a leitura adjetiva que</p><p>verticaliza e aprofunda o conhecimento potencial do texto dramático.</p><p>A autora ressalta que o teatro não pode ser mais um gênero textual</p><p>na aula de Língua Portuguesa, visto que ele “[...] exerce uma função</p><p>social que visa levar o sujeito não apenas nas à emoção, mas à refle-</p><p>xão” (CALZAVARA, 2009, p. 153). Além disso, a pesquisadora argumen-</p><p>ta que o trabalho com o teatro na sala de aula Portuguesa, visto que</p><p>ele “[...] exerce uma função social que visa levar o sujeito não apenas</p><p>nas à emoção, mas à reflexão” (CALZAVARA, 2009, p. 153). Além disso,</p><p>a pesquisadora argumenta que o trabalho com o teatro na sala de aula</p><p>promove o resgate da cidadania e amplia o universo cultural e social</p><p>dos estudantes, ressaltando a “função lúdica do texto dramático que se</p><p>completa com a apresentação. (CALZAVARA, 2009, p. 153).</p><p>89</p><p>Leitura e Formação e Leitores Mediada pelo Gênero Teatro e/ou Dramático</p><p>Nesse contexto, o objetivo dessa pesquisa é delinear a proble-</p><p>mática em torno da leitura e da formação de leitores mediada pelo gê-</p><p>nero teatro e/ou dramático no contexto escolar e apresentar um breve</p><p>estado da arte acerca das publicações científico-acadêmicas que dis-</p><p>correram sobre a temática no Programa de Mestrado Profissional em</p><p>Letras (PROFLETRAS) – Rede Nacional, entre 2015 e 2021.</p><p>2 Problemática</p><p>De acordo com Carreira et al. (2021), formular o problema sem a</p><p>urgência de uma solução imediata concreta seria a ação que poria em</p><p>discussão os saberes que se têm consolidado como úteis e funcionais.</p><p>Para os autores, a “formulação do problema é mais importante que sua</p><p>solução porque é o que modifica o conhecimento e coloca em crise nos-</p><p>sas formas de fazer as coisas, [...]” (CARREIRA et al., 2021, p. 10).</p><p>Assim, a formulação da problemática parte de constatações ob-</p><p>servadas no contexto educacional brasileiro e da experiência docente,</p><p>uma vez que “[...] a identificação de questões sobre nossas práticas</p><p>é o ponto de partida fundamental para nossos processos de pesqui-</p><p>sa” (CARREIRA et al. 2021, p. 10). Para isso, o problema é apresenta-</p><p>do segundo duas conjunturas: primeiramente, em relação à leitura e</p><p>à formação de leitores a partir da constatação de pesquisadores e de</p><p>instâncias reguladoras e, em seguida, em relação ao desenvolvimento</p><p>do teatro, principalmente, nas aulas de Língua Portuguesa.</p><p>Em relação à primeira conjuntura, Candido (2004) afirma que li-</p><p>teratura é um direito, é fator indispensável de humanização, pois não há</p><p>equilíbrio social sem ela e pode ter importância equivalente às formas</p><p>conscientes de inculcamento intencional como a educação familiar,</p><p>grupal ou escolar. Porém, exercer esse direito, como aponta Candido</p><p>(2004), e desenvolver a leitura e a formação de leitores, em contexto</p><p>de escola pública, nem sempre foi e ainda não é uma das tarefas mais</p><p>fáceis. Reis (2007) afirma que essa empreitada tem-se tornado tão mais</p><p>difícil na atualidade devido à consolidação do que ele chama de crise</p><p>das Humanidades, causada pela:</p><p>Deslegitimação progressiva da palavra escrita (e lida), em bene-</p><p>fício de discursos dominados pela imagem, a gradual perda de</p><p>poder simbólico de poder simbólico de saberes com larga tra-</p><p>90</p><p>Leitura e Formação e Leitores Mediada pelo Gênero Teatro e/ou Dramático</p><p>dição na cultura ocidental (a Filosofia, a Literatura, a História), a</p><p>hegemonização televisiva e a brutal tabloidização da vida pública</p><p>e até da privada...), a afirmação de ciências sociais que às vezes</p><p>correm a margem daqueles saberes, a integração acadêmica de</p><p>formações antes entendidas como profissões: sustentadas por au-</p><p>toaprendizagens “práticas” (o jornalismo por, o crescente prestí-</p><p>gio de áreas e carreiras que correspondem a solicitações novas e</p><p>socialmente prementes (a psicologia, a linguística, a informática,</p><p>a publicidade, o marketing, a gestão), a confiança acrítica no cará-</p><p>ter “redentor” de certas ciências (como as chamadas ciências da</p><p>educação), tudo por junto levou a uma profunda redistribuição de</p><p>poderes e de espaço de atuação, obrigando a repensar o lugar, a</p><p>função e os modelos de formação por que se regem as Humani-</p><p>dades. (REIS, 2007, p. 71).</p><p>Maia (2007) alega que, desde o final da década de 1970, o tema</p><p>leitura tem sido objeto de reflexões em livros e revistas especializa-</p><p>das, em seminários e congressos, de modo que, no caso da educação</p><p>brasileira, convencionou-se chamar o problema de “a crise da leitura”</p><p>(MAIA, 2007, p. 15). Para a autora,</p><p>[...] justifica-se o uso do termo crise, uma vez que a questão da</p><p>leitura tem se tornado, com frequência, objeto de análise de vá-</p><p>rios autores, que refletindo acerca do processo de ensino apren-</p><p>dizagem da Língua Portuguesa, apontam para uma situação lin-</p><p>guístico-pedagógica que exige cuidados. (MAIA, 2007, p. 15).</p><p>Segundo o Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL) (BRASIL,</p><p>2006), diversas pesquisas realizadas nos últimos anos têm-se empe-</p><p>nhado em apresentar contornos mais nítidos do cenário em que se in-</p><p>sere a questão da leitura no Brasil, permitindo uma visualização mais</p><p>ampla da situação e oferecendo dados concretos para que se possa</p><p>buscar sua superação. Não se pretende, aqui, mostrar todos os resulta-</p><p>dos das investigações realizadas, mas apresenta-se a realidade leitora</p><p>segundo a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil (FAILLA, 2021) e os re-</p><p>sultados e metas alcançadas no Índice de Desenvolvimento da Educa-</p><p>ção Básica (IDEB), principalmente, nas dependências administrativas</p><p>públicas, para ampliar a discussão.</p><p>A pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, realizada pelo Institu-</p><p>to Pró-Livro (IPL) desde 2007, mostra retrocessos, dado que se pode</p><p>91</p><p>Leitura e Formação e Leitores Mediada pelo Gênero Teatro e/ou Dramático</p><p>afirmar que quase metade dos brasileiros não são leitores. Segundo</p><p>José Ângelo Xavier, presidente do Instituto Pró-Livro, “Infelizmente, a 5ª</p><p>edição nos revelou uma redução no percentual de leitores entre 2015 e</p><p>2019, [...]. Continuamos com um patamar de quase 50% de não leitores</p><p>[...]” (XAVIER apud FAILLA, 2021).</p><p>Ao se analisar os dados do IDEB1 do Brasil,1pode-se verificar</p><p>que os índices observados tanto na rede municipal quanto na rede es-</p><p>tadual e privada de ensino não alcançaram a meta projetada para os</p><p>anos finais do Ensino Fundamental, sendo que as dependências admi-</p><p>nistrativas públicas não têm alcançado a meta desde 2013. O resultado</p><p>se repete no Ensino Médio, visto que os índices observados nas redes</p><p>estadual e privada de ensino também não alcançaram a meta, fato que</p><p>também vem ocorrendo nas dependências públicas desde 2013. Ao se</p><p>notar os resultados e as metas do estado de Santa Catarina, o quadro se</p><p>repete tanto nos anos finais do Ensino Fundamental quanto no Ensino</p><p>Médio (BRASIL, 2020).</p><p>Os PCN (BRASIL, 1997) de Língua Portuguesa, de certa forma,</p><p>evidenciam como a leitura vem sendo trabalhada na prática e criticam</p><p>como o texto literário é usado como pretexto para alfabetizar, para res-</p><p>ponder longos exercícios mecânicos de interpretação explícita e para,</p><p>principalmente, ensinar a gramática conceitual e normativa.</p><p>Antunes (2021)</p><p>também elenca algumas constatações menos po-</p><p>sitivas acerca de como vem sendo realizado o trabalho com a leitura no</p><p>componente curricular Língua Portuguesa. A autora alega que ainda se</p><p>desenvolve, no que se refere ao ensino da leitura, uma atividade “[...]</p><p>centrada nas habilidades mecânicas de decodificação da escrita, sem</p><p>dirigir, contudo, a aquisição de tais habilidades para a dimensão da in-</p><p>teração verbal – quase sempre, nessas circunstâncias não há leitura, por-</p><p>que não há “encontro” com ninguém do outro lado do texto.” (ANTUNES,</p><p>2021, p. 27). Para a linguista, a atividade de leitura é realizada “[...] sem</p><p>interesse, sem função, pois parece inteiramente desvinculada dos dife-</p><p>rentes usos sociais que se faz da leitura atualmente.” (ANTUNES, 2021,</p><p>p. 27). Ou seja, na realidade, em sua maioria, o que se tem é uma escola</p><p>1 É um indicador criado pelo Governo Federal para medir a qualidade do ensino nas</p><p>escolas públicas e é calculado com base no aprendizado dos alunos em português</p><p>e matemática (Prova Brasil) e no fluxo escolar (taxa de aprovação).</p><p>92</p><p>Leitura e Formação e Leitores Mediada pelo Gênero Teatro e/ou Dramático</p><p>“[...] sem tempo para a leitura” (ANTUNES, 2021, p.28), que apresenta</p><p>atividades incapazes “de suscitar no aluno a compreensão das múltiplas</p><p>funções sociais da leitura (muitas vezes, o que se lê na escola não coinci-</p><p>de com o que se precisa ler fora dela).” (ANTUNES, 2021, p. 28).</p><p>Com relação à segunda conjuntura, o ensino de Língua Portuguesa</p><p>no Ensino Fundamental, em contexto de escola pública, se desenvolve,</p><p>em sua maioria, a partir da utilização do livro didático, conforme afirma</p><p>Schröder (2013, p. 206): “desde os anos 1970, o livro didático alcança pa-</p><p>pel decisivo no ensino em virtude das condições do professor e do aluna-</p><p>do, é notório que se que se fortaleça e amplie a concepção deste material</p><p>didático”. Pode ser retratado, predominantemente, pelo seu caráter nor-</p><p>mativo, cuja organização curricular dá pouco espaço para o gênero teatral,</p><p>a retextualização e a e a proposição de encenação de peças teatrais.</p><p>Miranda et al. (2009) expõem que há muitas maneiras de se</p><p>trabalhar o teatro na escola. Contudo, o que se tem presenciado, de</p><p>certa forma, é uma banalização do uso dessa forma artística em datas</p><p>comemorativas, sem objetivo pedagógico. Cosson (2021) argumenta</p><p>que “[...] não é preciso dizer muito sobre essa prática, felizmente ainda</p><p>viva em várias escolas, embora com maior emprego junto aos alunos</p><p>dos anos iniciais ou presa a eventos específicos” (COSSON, 2021, p.</p><p>110). Além disso, há certo “[...] preconceito coma atividade artística”</p><p>(MIRANDA et al., 2009, p. 177), que ainda é vista como “matação” de</p><p>aula.</p><p>Para Granero (2020), o que emperra o desenvolvimento do tea-</p><p>tro no ambiente escolar é a falta de estrutura física de muitas escolas,</p><p>principalmente das públicas, como, por exemplo, a inexistência de es-</p><p>paço multiuso com palco, cortina, equipamentos sonoros de qualidade,</p><p>como caixas de som e microfones com e sem fio, para realizar as ofici-</p><p>nas, os ensaios e as apresentações. Ademais, falta espaço para guardar</p><p>os cenários, os objetos e os figurinos.</p><p>Pode-se citar outros obstáculos, como o “número insuficiente</p><p>de aulas”(MIRANDA et al., 2009, p. 6) do componente curricular Lín-</p><p>gua Portuguesa; “classes inteiras e com grande quantidade de alunos”</p><p>(MIRANDA et al., p. 177) para realizar esse tipo de prática. Além disso,</p><p>pode-se fazer referência ao despreparo docente, “[...] a falta de co-</p><p>93</p><p>Leitura e Formação e Leitores Mediada pelo Gênero Teatro e/ou Dramático</p><p>nhecimento e orientação” (CALZAVARA, 2009, p. 153), pois, às vezes, o</p><p>professor não tem a devida formação, não se sente confortável e segu-</p><p>ro para trabalhar com o gênero teatro.</p><p>Às vezes, essas dificuldades nascem da formação tradicional</p><p>que o professor recebeu e, consequentemente, de sua concepção de</p><p>currículo, visto que “possuem uma concepção de currículo tradicional</p><p>(uma lista de conteúdos) que deve ser ensinada, pois é isso que os</p><p>alunos precisam saber” (PAVAN, 2008, p. 123). Além disso, há uma “[...]</p><p>estreita compreensão do que seja o papel do professor (limitado ao</p><p>ato de ensinar conteúdos)” (PAVAN, 2008, p. 118), e do “[...] excesso</p><p>de imposição de disciplina e privação de liberdade de ação do aluno”</p><p>(MIRANDA et al., 2009, p. 177).</p><p>Para Calzavara (2009), uma das maiores dificuldades de reali-</p><p>zação da leitura do texto dramático diz respeito à editoração de obras</p><p>com o gênero, pois é restrita e pouco divulgada. Além disso, a auto-</p><p>ra também cita que “[...] da mesma forma, os professores, pela falta</p><p>de conhecimento ou de orientação, deixam de abordar esta atividade</p><p>como parte de suas aulas.” (CALZAVARA, 2009, p. 153).</p><p>Ademais, é necessário ressaltar que a temática, de certa forma,</p><p>sofre com a falta de discussão e pesquisas no campo acadêmico. Para</p><p>Cavassin (2008), muitos fatores ainda limitam e dificultam a sedimenta-</p><p>ção de pesquisas teóricas, assim como o desenvolvimento de práticas</p><p>significativas.</p><p>Na história da produção científica, em função da predominância</p><p>do Paradigma Moderno, Cartesiano ou Racional, a relação arte e</p><p>ciência já é algo bastante inovador. A supremacia dessa forma de</p><p>conhecimento sobre aquela deixou, por séculos, a arte num status</p><p>inferior. (CAVASSIN, 2008, p. 40).</p><p>Assim, um dos problemas decorrentes é a carência de material</p><p>referente à metodologia de pesquisa e a identificação do objeto de</p><p>estudo em função do caráter processual e efêmero da arte (CARREIRA;</p><p>CABRAL, 2006 apud CAVASSIN, 2008). Ou seja, é necessário elaborar</p><p>“[...] propostas que tem seu maior interesse no próprio acontecimento,</p><p>no instante da experiência” (CARREIRA et al., 2021, p. 9), como é o caso</p><p>do teatro e do processo de formação de leitores.</p><p>94</p><p>Leitura e Formação e Leitores Mediada pelo Gênero Teatro e/ou Dramático</p><p>Dessa forma, conforme demonstrado, a formação de leitores,</p><p>principalmente, de leitores literários, e o desenvolvimento de práticas</p><p>teatrais nas aulas de Língua Portuguesa se configuram como um pro-</p><p>blema no contexto de sala de aula.</p><p>3 Revisão de literatura</p><p>O PROFLETRAS, ofertado em Rede Nacional, é um curso se-</p><p>mipresencial que conta com a participação de Instituições de Ensino</p><p>Superior (IES), no contexto da Universidade Aberta do Brasil (UAB), e</p><p>reúne 42 universidades públicas. O curso visa à capacitação de pro-</p><p>fessores de Língua Portuguesa para o exercício da docência no Ensino</p><p>Fundamental, com o intuito de contribuir para a melhoria da qualidade</p><p>do ensino no país, e concentra-se na área de linguagens e letramentos,</p><p>reunindo duas linhas de pesquisas: estudos das linguagens e práticas</p><p>sociais e estudos literários.</p><p>Os estudos literários se concentram nas discussões epistemoló-</p><p>gicas em torno do ensino da literatura, voltadas à formação do profes-</p><p>sor do ensino básico; na formação do leitor literário; na abordagem, na</p><p>escola, da variedade da produção literária, incluindo desde os textos</p><p>clássicos nacionais e mundiais às expressões de matriz africana e indí-</p><p>gena brasileira; e na mediação do professor para a experiência estéti-</p><p>ca do ler e do escrever do texto literário.</p><p>De acordo com as normativas do programa, o trabalho final</p><p>deve ser de natureza interpretativa e interventiva e ter como objeto de</p><p>investigação um problema da realidade escolar e/ou da sala de aula</p><p>no que concerne ao ensino e à aprendizagem de Língua Portuguesa</p><p>no Ensino Fundamental. Com isso, pode ter diferentes formatos, por</p><p>exemplo, ser constituído de uma parte teórica e uma prática.</p><p>Essa investigação se assenta dentro da linha de estudos literá-</p><p>rios do PROFLETRAS e tem como objeto de pesquisa a formação de lei-</p><p>tores mediada pelo teatro, uma vez que a leitura e a formação de leito-</p><p>res se constituem um dos principais problemas enfrentados na prática</p><p>docente diária. Assim, essa conjuntura provocou a necessidade de se</p><p>compreender o que vem sendo construído como pesquisa em termos</p><p>de práticas e direcionamento das produções sobre leitura</p><p>e formação</p><p>de leitores mediada pelo gênero teatro e/ou dramático, voltadas para</p><p>95</p><p>Leitura e Formação e Leitores Mediada pelo Gênero Teatro e/ou Dramático</p><p>as aulas de Língua Portuguesa do Ensino Fundamental, em contexto de</p><p>escola pública, a partir da seguinte questão: visto que “[...] a pergunta</p><p>é o que produz o movimento dos processos criativos” (CARREIRA et al.,</p><p>2021, p. 10), qual é o panorama de dissertações que abordam a leitura e</p><p>a formação de leitores mediada gênero teatro e/ou dramático no PRO-</p><p>FLETRAS – Rede Nacional?</p><p>Assim, para responder a pergunta que mobiliza essa reflexão,</p><p>fez-se uma pesquisa na base de dados do programa, que é veiculada</p><p>eletronicamente e disponibiliza o texto completo dos trabalhos segun-</p><p>do os seguintes critérios de inclusão.</p><p>Quadro 1: Critérios.</p><p>Critérios de inclusão</p><p>1 A dissertação foi produzida em uma das unidades do PROFLETRAS–</p><p>Rede Nacional.</p><p>2 2 A dissertação possui no título um dos strings de busca: “teatr”, drama,</p><p>câmera, clímax, antagonista, protagonista, peça, ato, ator, cênica, cenó-</p><p>grafo, pantomina, roteiro e sonoplastia.</p><p>3 A dissertação compreende o período de 2015, ano de identificação das</p><p>primeiras defesas que ocorreram no programa, a 2021.</p><p>Fonte: Elaborado pelos autores (2022).</p><p>Para realizar essa coleta, fez-se uma busca no site oficial do</p><p>PROFLETRAS – Rede Nacional, clicando-se na aba “Repositório”, em</p><p>seguida, digitou-se um dos strings de busca no campo “Título”. Na</p><p>sequência, de acordo com os critérios de inclusão, fez-se o download</p><p>das pesquisas. Para organizar os dados, elaborou-se um quadro</p><p>de referência, registrando-se, em ordem cronológica, o título da</p><p>investigação, o nome do(a) professor(a) pesquisador(a) e do IES e a</p><p>data da defesa.</p><p>A partir desse levantamento, atingiu-se o seguinte resultado:</p><p>um mapeamento das produções científico-acadêmicas produzidas pe-</p><p>los pesquisadores no PROFLETRAS sobre leitura e formação de leitores</p><p>mediada pelo gênero teatro e/ou dramático, ou seja, um breve estado</p><p>da arte.</p><p>Das 2.551 dissertações que compuseram a revisão, 13 conti-</p><p>nham no título o filtro de busca “teatr” e 4 o filtro “drama”, totalizando</p><p>96</p><p>Leitura e Formação e Leitores Mediada pelo Gênero Teatro e/ou Dramático</p><p>0,7% das pesquisas realizadas. Vale ressaltar que, em relação aos de-</p><p>mais strings de busca elencados, nada foi localizado.</p><p>Depois de se montar o primeiro quadro de referência, fez-se a</p><p>leitura dos resumos, das introduções e das referências bibliográficas,</p><p>destacando-se, no corpo do texto, o objetivo geral de cada uma das 17</p><p>investigações elencadas. A partir dessa identificação, um novo quadro</p><p>de referência foi elaborado, uma vez que 9 das 17 pesquisas almeja-</p><p>vam, em seu objetivo geral, a formação de leitores mediada pelo gêne-</p><p>ro teatro e/ou dramático.</p><p>Ao se observar o IES desse quadro de referência, pôde-se iden-</p><p>tificar que duas das nove investigações foram realizadas na Universida-</p><p>de do Estado do Mato Grosso, três na Universidade Estadual da Bahia</p><p>e quatro na Universidade Estadual da Paraíba. Contudo, não se iden-</p><p>tificou nenhuma pesquisa nas unidades da Região Sul do país. Ao se</p><p>considerar a data da defesa das nove dissertações, pode-se observar</p><p>que uma dissertação foi defendida em 2015, uma em 2016, quatro em</p><p>2018, duas em 2019 e uma em 2020.</p><p>Em uma releitura dos resumos, ao se ponderar as escolhas das</p><p>palavras-chave, identificou-se uma dissertação com palavra-chave</p><p>“leitura”, duas com “leitura literária”, uma com “leitura dramática”,</p><p>uma com “formação de leitores literários” e uma com “formação de</p><p>leitores”. Em relação ao gênero teatro e/ou dramático, identificou-se</p><p>duas investigações com a palavra-chave “teatro”, três com “texto tea-</p><p>tral” e uma com “peça teatral”.</p><p>4 Considerações</p><p>Com relação à delineação da problemática em torno da leitura</p><p>e da formação de leitores, pesquisadores afirmam que há uma “crise</p><p>da leitura” (MAIA, 2007, p. 15). Além disso, pesquisas revelam que o</p><p>brasileiro tem lido menos, dados produzidos por instâncias regulado-</p><p>ras demonstram sistematicamente que mais da metade dos alunos, ao</p><p>concluir o Ensino Fundamental, não dominam as competências básicas</p><p>de leitura.</p><p>Não se pode absolutizar os dados, uma vez que são relativos.</p><p>No entanto, são muitos os indicadores que confirmam o problema da</p><p>não-aprendizagem dos alunos em relação à leitura, principalmente</p><p>97</p><p>Leitura e Formação e Leitores Mediada pelo Gênero Teatro e/ou Dramático</p><p>na rede pública de ensino. Dadas as condições, pode-se afirmar que,</p><p>na sociedade brasileira, “a leitura ainda não é nem hábito e nem ato”</p><p>(PERROTTI, 1999, p. 35). Por outro lado, o desenvolvimento de práti-</p><p>cas teatrais na escola, principalmente nas aulas de Língua Portuguesa,</p><p>sofre com a ausência de estrutura física das unidades de ensino, com</p><p>um número insuficiente de aulas, com salas cheias, com despreparo</p><p>docente, com a falta de conhecimento, orientação, editoração e, até</p><p>mesmo, com a concepção tradicional de currículo e com a carência de</p><p>discussão e pesquisas.</p><p>Em relação ao panorama de dissertações que discorreram so-</p><p>bre leitura e formação de leitores mediada pelo gênero teatro e/ou</p><p>dramático no PROFLETRAS – Rede Nacional, pode-se afirmar que, a</p><p>partir dos dados coletados e das análises efetuadas, é possível obser-</p><p>var que há lacunas e carências, conforme sinalizou Cavassin (2008).</p><p>Assim, os resultados elucidados permitem que se faça uma síntese e</p><p>fornecem pistas teóricas e práticas para reflexões futuras, ratificando</p><p>a necessidade de se desenvolver mais propostas investigativas nessa</p><p>área no PROFLETRAS.</p><p>Referências</p><p>ANTUNES, Irandé. 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Floria-</p><p>nópolis: UFSC, 2008. cap. 5. p. 111-126.</p><p>PERROTTI, Edmir. Leitores, ledores e outros afins: (apontamentos so-</p><p>bre formação ao leitor). In: PRADO, Jason; CONDINI, Paulo(org.). A for-</p><p>mação do leitor: pontos de vista. Rio de Janeiro: Argus, 1999. p. 31-43.</p><p>Disponível em: https://visionvox.net/biblioteca/e/Edmir_Perrotti_Lei-</p><p>tores,_Ledores_E_Outros_Afins.pdf. Acesso em: 15 jul. 2022.</p><p>PROUST, Marcel. Sobre a leitura. 4. ed. Campinas, SP: Pontes, 2003..</p><p>REIS, Carlos. O day after de uma crise: novos horizontes da leitura. In:-</p><p>SILVA, Augusto Soares da et al. Novos horizontes das humanidades.</p><p>Braga: Universidade Católica Portuguesa, 2007.</p><p>SCHRÖDER, Mirian. O ensino de Língua Portuguesa nas páginas do</p><p>livro didático. Revista Trama, Marechal Cândido Rondon, v. 18, n. 9, p.</p><p>193-208, jun. 2013.</p><p>100</p><p>Leitura Social-Identitária de Poemas de Tobias Barreto</p><p>LEITURA SOCIAL-IDENTITÁRIA</p><p>DE POEMAS DE TOBIAS BARRETO</p><p>Noeme Leite do Nascimento Oliveira</p><p>Carlos Magno Gomes</p><p>1 Considerações iniciais</p><p>O potencial do texto lírico nos convida a testar mais experiências</p><p>em sala de aula para desenvolvermos o gosto pela especifici-</p><p>dade desse gênero literário. Uma saída para o ensino escolari-</p><p>zado da poesia é explorar novas rotas de leitura a partir do processo de</p><p>recepção do texto literário, atualizando sentidos e propondo revisões.</p><p>Nessas dinâmicas, textos que historicamente já fazem parte do cânone</p><p>podem ser relidos, tendo como mediação valores culturais atuais.</p><p>Com base nesse desafio, trazemos a público uma proposta de</p><p>intervenção literária para as séries finais do ensino fundamental com</p><p>o objetivo de desenvolver leituras sociais-identitárias dos poemas de</p><p>Tobias Barreto: “O beija-flor” e “O beijo”, publicados no clássico Noites</p><p>e dias (1881). Esses textos descrevem as conquistas de um eu lírico que</p><p>nos remetem ao tema do assédio masculino. Além dessa temática, a es-</p><p>colha desse escritor visa relermos sua poesia, que é pouco divulgada</p><p>pelo cânone escolar.</p><p>Esta experiência dialoga com pesquisas desenvolvidas ante-</p><p>riormente no Profletras, Unidade de Itabaiana, voltadas para reflexões</p><p>sobre ensino de literatura e igualdade de gênero. Partimos de proposi-</p><p>ções que ressaltam uma prática de leitura que tanto envolve questões</p><p>estéticas quanto ideológicas, “pois estamos pensando em desenvolver</p><p>o gosto pela leitura e pela formação crítica desse/a leitor/a para ques-</p><p>tionar valores da violência estrutural imposta às mulheres” (JESUS; GO-</p><p>MES, 2020, p. 85).</p><p>No campo metodológico, incorporamos algumas estratégias da</p><p>abordagem social-identitária que têm como meta propor reflexões so-</p><p>bre desigualdades sociais e estão voltadas para a emancipação identi-</p><p>tária conquistada com reflexões sobre empoderamento e lugar de fala</p><p>101</p><p>Leitura Social-Identitária de Poemas de Tobias Barreto</p><p>daqueles que questionam as identidades hegemônicas. Nessa aborda-</p><p>gem, “o papel do aluno consiste em assumir de maneira positiva a sua</p><p>identidade minoritária e discriminada socialmente” (COSSON, 2020,</p><p>p.111). Assim, nossa intenção é debater o assédio sexual por trás de</p><p>inocentes cenas de beijos roubados, que reforçam o culto da masculi-</p><p>nidade abusiva.</p><p>Quanto à questão do gênero lírico, incorporamos a prerrogativa</p><p>de que o poema é um jogo de palavras que também é lúdico e brin-</p><p>ca com nossa imaginação, como nos alerta Hélder Pinheiro: “Praticar</p><p>leitura de poesia é uma saída para o desenvolvimento do prazer da</p><p>leitura” (2018, p.18). Por essa perspectiva, o letramento lírico demanda</p><p>um pacto com o brincar com os sentidos do texto que tanto pode ser</p><p>divertido como crítico, quando praticado coletivamente.</p><p>A formação do leitor na educação básica contribui para o ama-</p><p>durecimento desse sujeito tanto para a vida acadêmica como profis-</p><p>sional. Acreditamos que a leitura no espaço escolar é também muito</p><p>importante para a formação do cidadão. O letramento literário é fun-</p><p>damental para o empoderamento do leitor, quando é voltado a inter-</p><p>pretar questões que dizem respeito à comunidade onde a escola está</p><p>inserida, uma vez que “a literatura produzida é marcada pelos horizon-</p><p>tes culturais de sua época, do mesmo modo a recepção estética o é”</p><p>(REZENDE, 2021, p.42).</p><p>Pensando na contribuição de práticas literárias voltadas para o</p><p>debate sobre o respeito ao direito de a mulher dizer não, a seguir, desta-</p><p>camos algumas reflexões sobre a abordagem social-identitária.</p><p>2 Do jogo lírico à abordagem social-identitária</p><p>A abordagem social-identitária tem a particularidade de trazer</p><p>temas atuais para as reflexões sociais da leitura escolarizada, uma vez</p><p>que essa prática motiva os jovens e amplia seu horizonte cultural dian-</p><p>te das várias possibilidades interpretativas dos textos. Nessa empreita-</p><p>da, precisamos ter equilíbrio e manter o foco no texto literário, abrindo</p><p>espaço para os aspectos estéticos e ideológicos.</p><p>Além disso, a perspectiva social-identitária possibilita a amplia-</p><p>ção dos “direitos do leitor” enquanto coautor no processo de interpre-</p><p>tação a partir de sua identificação com as questões sociais representa-</p><p>102</p><p>Leitura Social-Identitária de Poemas de Tobias Barreto</p><p>das na obra literária. Particularmente, essa abordagem é uma prática</p><p>de reconhecimento de lugares de fala dos oprimidos ou marginaliza-</p><p>dos e, estrategicamente, acontece na “recepção cultural que valoriza a</p><p>alteridade e as diferenças identitárias em suas diferentes interfaces de</p><p>classes, de raça, de gênero, ou de sexualidade”, entre outras (GOMES,</p><p>2012, p.168).</p><p>Assim, priorizamos um debate em torno do questionamento do</p><p>assédio masculino em casos de paquera, ao revisarmos o desconforto</p><p>feminino diante de “cantadas” indesejadas, uma vez que estamos inte-</p><p>ressados em promover o debate sobre igualdade de gênero, levando</p><p>em conta que precisamos entender que quando a mulher diz “Não é</p><p>não”. 11Esse tipo de reflexão tem alcançado bons resultados, ao motivar</p><p>os jovens</p><p>a ampliarem seu horizonte cultural de leitura tendo consciência</p><p>de que ocorreram várias transformações no trato com as meninas,</p><p>mulheres, pois possibilitaram a difusão das sementes para uma</p><p>melhoria considerável na valorização do lugar da fala da mulher</p><p>(JESUS; GOMES, 2020, p.101).</p><p>Para uma prática de leitura democrática e participativa, deve-</p><p>mos ficar atentos à escolha dos textos e definição dos critérios ideológi-</p><p>cos para evitarmos o didatismo e o moralismo que sobrepõem valores</p><p>preestabelecidos à qualidade estética. No caso do texto lírico, a pulsão</p><p>estética não pode ficar de fora. Para Christina Ramalho, a poesia é um</p><p>alimento essencial à alma, um elemento de apreensão da sensibilidade,</p><p>por isso devemos enfatizar uma metodologia que favoreça a descoberta</p><p>de sentidos do texto e que “não seja aplicada de forma mecânica” (RA-</p><p>MALHO, 2014, p 332). Essa reflexão reforça nossas preocupações com</p><p>uma prática pelo gosto de ler poemas que não se feche no tema, mas</p><p>que instigue o leitor a entender como as questões são resolvidas na ins-</p><p>tância literária.</p><p>1 A campanha do “Não é não”</p><p>vem sendo ampliada desde 2017 durante o carnaval</p><p>na luta contra o assédio sexual em diversos estados da federação. Além disso, os</p><p>órgãos oficiais têm feito várias campanhas contra a importunação feminina, como</p><p>a cartilha “Cantada não é elogio”. Disponível emhttps://www.gov.br/fundacentro/</p><p>pt-br/acesso-a-informacao/institucional/cissp-1/arquivos_cissp/cartilha-assedio.</p><p>pdf. Acesso em 09 out 2022.</p><p>about:blank</p><p>about:blank</p><p>about:blank</p><p>103</p><p>Leitura Social-Identitária de Poemas de Tobias Barreto</p><p>Para um momento lúdico, os poemas devem ser discutidos, apre-</p><p>ciados, aproximados à vida dos seus leitores. Esse letramento acontece</p><p>quando propomos leituras que respeitem a perspectiva estética “sem</p><p>transformá-la em um simulacro de si mesma que mais nega do que</p><p>confirma seu poder de humanização” (COSSON, 2014, p. 23). Esse ato</p><p>se concretiza quando o processo de leitura explora o texto lírico como</p><p>um jogo de imagens no qual pulsam múltiplos sentidos.</p><p>Portanto, mesmo retomando aspectos estéticos do passado do</p><p>texto, as questões sociais podem ser atualizadas no debate sobre as im-</p><p>pressões pessoais de cada leitor. Nessa etapa da leitura, a mediação do</p><p>professor é fundamental para a “formação do cidadão democrático”,</p><p>dando destaque para os direitos humanos, “pois, é por meio das obras</p><p>literárias que as questões sociais ganham visibilidade e legitimidade</p><p>para fazerem parte do diálogo formativo dos professores com os alu-</p><p>nos” (COSSON, 2020, p.105).</p><p>Hélder Pinheiro, em seu livro Poesia na sala de aula, discorre so-</p><p>bre a importância da mediação pedagógica no caso de leitura do texto</p><p>lírico em espaço escolar, passando pela importância de o professor</p><p>ter claras as funções sociais da poesia (2018, p. 24-25). Para práticas</p><p>envolventes, recomenda-se um professor empenhado e que goste de</p><p>trabalhar com o texto literário, mediando a expressão poética e o jeito</p><p>de ser/estar dos educandos no processo de aprendizagem.</p><p>No caso da abordagem social-identitária não é diferente, a me-</p><p>diação do professor é fundamental, pois valoriza o envolvimento do</p><p>educador para o sucesso da prática, necessitando que “o professor te-</p><p>nha para com a literatura que ensina um compromisso íntimo e pessoal,</p><p>ou seja, que deixe de lado o saber técnico e se declare seu amante”</p><p>(COSSON, 2020, p.141).</p><p>Sob esse prisma, Rezende destaca que o discurso esnobe de</p><p>mostrar o ato de ler autores canônicos, como uma técnica de domí-</p><p>nio de gosto estético, deve ser rechaçada, pois se trata de uma visão</p><p>enciclopédica, marcada por dados que passam “por adaptações, por</p><p>resumos e pela apresentação de particularidades estilísticas generali-</p><p>zantes, associadas à história da literatura – decerto incapazes por si só</p><p>de assumir papéis edificantes como o que se espera dessa concepção</p><p>104</p><p>Leitura Social-Identitária de Poemas de Tobias Barreto</p><p>de literatura” (2014, p.45). Seguindo essa orientação, o professor tem</p><p>um compromisso íntimo e pessoal com o texto literário, explorando as</p><p>subjetividades da recepção literária.</p><p>Para essa abordagem, o educando é convidado a participar de</p><p>forma ativa e colaborativa. Esse envolvimento só acontece se houver</p><p>uma identificação do leitor com aspectos sociais descritos “no texto</p><p>literário, ou seja, espera-se do aluno uma atitude empática frente à di-</p><p>versidade social” (COSSON, 2020, p.111). Nesse caso, priorizamos o</p><p>processo de interpretação a partir das relações entre leitor e contexto</p><p>social, reforçando uma prática “identitária, explorando os elementos</p><p>estéticos e culturais de forma politizada” (GOMES, 2012, p. 168).</p><p>Assim, acreditamos que, ao propormos a recepção a partir das</p><p>subjetividades do leitor, estamos propondo a atualização dos sentidos</p><p>do texto literário de forma concernente com valores atuais e sem re-</p><p>jeitar as interpretações anteriores. Neide Rezende ressalta que toda</p><p>obra traz pistas de seu horizonte sociocultural e “a recepção da obra</p><p>se encontra dentro dos contornos desse universo de época” (2021, p.</p><p>53). Nesse caso, a transgressão dos valores do contexto da obra é fun-</p><p>damental.</p><p>A seguir, passaremos a redesenhar de forma suscinta nossa pro-</p><p>posta de leitura pela abordagem social-identitária da cena do beijo</p><p>roubado na lírica de Tobias Barreto.</p><p>3 Do canto da conquista ao assédio sexual</p><p>Inicialmente, no primeiro poema selecionado, vamos acompa-</p><p>nhar os movimentos do olhar do eu lírico seguindo uma jovem no jar-</p><p>dim em “O beija-flor” (1960); no segundo, vamos seguir os passos do</p><p>eu lírico que insiste em seduzir a donzela até alcançar seu objetivo em</p><p>“O beijo” (1864). Os dois poemas abrem boas possibilidades de deba-</p><p>termos sobre qual o limite entre sedução e importunação.</p><p>Para isso, identificamos as particularidades da cena do beijo em</p><p>cada um dos poemas e como essa situação pode ser interpretada pela</p><p>mulher que diz “não é não” nos dias de hoje. Por isso está em jogo a</p><p>postura do eu lírico que se projeta como um conquistador, mas que não</p><p>registra, em nenhum momento, como a jovem se sente diante do assé-</p><p>105</p><p>Leitura Social-Identitária de Poemas de Tobias Barreto</p><p>dio sofrido até ser beijada. Alertamos para a reflexão de até que ponto</p><p>o pedido de um beijo pode se transformar em uma importunação.</p><p>Na prática de leitura, seguimos os caminhos abertos pelos deta-</p><p>lhes da poesia de Tobias Barreto, que, quando aborda a representação</p><p>da mulher, é marcada por cenas de sensualidade e sedução feminina.</p><p>Ao promovermos a identificação do leitor com esse jogo de sentidos,</p><p>sugerimos um roteiro de leitura, apontando as insinuações e ambigui-</p><p>dades que tanto expressam o desejo do conquistador como o incômo-</p><p>do da jovem.</p><p>No primeiro momento, convidamos o leitor a acompanhar os</p><p>movimentos do eu lírico em volta da mulher, como ele a observa e</p><p>como a descreve. No segundo, passamos a explorar a ambiguidade</p><p>das imagens da natureza e a sensualidade/erotismo que envolvem as</p><p>cenas até chegar ao momento do beijo. Por fim, analisamos como o eu</p><p>lírico passa do olhar para os atos de sedução. Em todos esses momen-</p><p>tos, valorizamos o jogo da linguagem usada por Tobias Barreto, pois</p><p>seguimos as insinuações da estética poética que, segundo Pinheiro,</p><p>“possibilita-nos uma convivência mais sensível com o outro e conosco,</p><p>que pode ser interpretada através da linguagem lírica” (2018, p.123).</p><p>Antes de passarmos para análise dos poemas, vale relembrar</p><p>que Tobias Barreto de Meneses nasceu em 07 de junho de 1839, na pro-</p><p>víncia de Sergipe, na Vila de Campos, dos sertões do Rio Real e faleceu</p><p>em 23 de junho de 1889. Ele é conhecido como escritor romântico con-</p><p>doreiro que tematizou de forma irônica os diversos problemas sociais</p><p>do Brasil, sobretudo a luta pela abolição da escravatura e fez duras crí-</p><p>ticas à Guerra do Paraguai (1864-70). Atuou como poeta, filósofo, jurista</p><p>e reconhecido como um dos principais integrantes da Escola do Recife</p><p>(1870), movimento cultural, que surgiu da Faculdade de Direito de Re-</p><p>cife, voltado para divulgar o pensamento evolucionista em oposição ao</p><p>conservadorismo da época. Sua poesia romântica abre espaço para a</p><p>beleza de mulheres reais, envolvidas por uma sensualidade sedutora.</p><p>Na atmosfera lírica de seus poemas amorosos, identificamos a</p><p>natureza como pano de fundo para as inúmeras metáforas e descrições</p><p>da figura feminina na sociedade de sua época. A estrutura dos versos é</p><p>baseada em redondilhas, repletas de simplicidade e de jogos de pala-</p><p>106</p><p>Leitura Social-Identitária de Poemas de Tobias Barreto</p><p>vras que parecem charadas líricas. Por não ser considerado um grande</p><p>trovador, visto que seus poemas, como afirma Armando Gens, “contêm</p><p>ritmos usuais que se caracterizam pela oralidade” (2009, p.33), a obra</p><p>de Tobias Barreto ficou à margem do cânone nacional, demandando</p><p>estudos de resgate que possam recolocá-la na história literária como</p><p>um poeta do povo e um crítico de seu tempo.</p><p>No poema “O beija-flor”, a pulsão lírica pode ser vista por dois</p><p>caminhos, tanto pelo olhar do eu lírico que acompanha uma bela jovem</p><p>que colhe uma rosa no jardim,</p><p>como também pelo próprio ímpeto do</p><p>beija-flor de querer roubar o beijo:</p><p>O Beija-flor</p><p>Era uma moça franzina,</p><p>Bela visão matutina</p><p>Daquelas que é raro ver,</p><p>Corpo esbelto, colo erguido,</p><p>Molhando o branco vestido</p><p>No orvalho do amanhecer.</p><p>Vede-a lá: tímida, esquiva...</p><p>Que boca! é a flor mais viva,</p><p>Que agora está no jardim;</p><p>Mordendo a polpa dos lábios</p><p>Como quem suga o ressábio</p><p>Dos beijos de um querubim!</p><p>Nem viu que as auras gemeram,</p><p>E os ramos estremeceram</p><p>Quando um pouco ali se ergueu...</p><p>Nos alvos dentes, viçosa,</p><p>Parte o talo de uma rosa,</p><p>Que docemente colheu.</p><p>E a fresca rosa orvalhada,</p><p>Que contrasta descorada,</p><p>Do seu rosto a nívea tez,</p><p>Beijando as mãozinhas suas,</p><p>Parece que diz: nós duas!...</p><p>107</p><p>Leitura Social-Identitária de Poemas de Tobias Barreto</p><p>E a brisa emenda: nós três! ...</p><p>Vai nesse andar descuidoso,</p><p>Quando um beija-flor teimoso</p><p>Brincar entre os galhos vem,</p><p>Sente o aroma da donzela,</p><p>Peneira na face dela,</p><p>E quer-lhe os lábios também</p><p>Treme a virgem de surpresa,</p><p>Leva do braço em defesa,</p><p>Vai com o braço a flor da mão;</p><p>Nas asas d’ave mimosa</p><p>Quebra-se a flor melindrosa,</p><p>Que rola esparsa no chão.</p><p>Não sei o que a virgem fala,</p><p>Que abre o peito e mais trescala</p><p>Do trescalar de uma flor:</p><p>Voa em cima o passarinho...</p><p>Vai já tocando o biquinho</p><p>Nos beiços de rubra cor.</p><p>A moça, que se envergonha</p><p>De correr, meio risonha</p><p>Procura se desviar;</p><p>Neste empenho os seios ambos</p><p>Deixa ver; inconhos jambos</p><p>De algum celeste pomar! ...</p><p>Forte luta, luta incrível</p><p>Por um beijo! É impossível</p><p>Dizer tudo o que se deu.</p><p>Tanta coisa, que se esquece</p><p>Na vida! Mas me parece</p><p>Que o passarinho venceu! ...</p><p>Conheço a moça franzina</p><p>Que a fronte cândida inclina</p><p>Ao sopro de casto amor:</p><p>108</p><p>Leitura Social-Identitária de Poemas de Tobias Barreto</p><p>Seu rosto fica mais lindo,</p><p>Quando ela conta sorrindo</p><p>A história do beija-flor.</p><p>(BARRETO, 1994)</p><p>A linguagem trabalhada pelo autor nesse poema explora uma</p><p>criteriosa plurissignificação semântica dos vocábulos empregados:</p><p>flor, beija-flor, orvalho, manhã, amanhecer, jardim, anjo, entre outras.</p><p>Essas palavras, no todo lírico, apresentam sentidos para além dos ver-</p><p>sos, pois dialogam com valores literários daquele contexto. Estrutural-</p><p>mente, o poema é dividido em dez estrofes compostas por sextetos em</p><p>redondilha maior com ritmo e rimas que seguem a tradição da poesia</p><p>oral.</p><p>Ao identificarmos as imagens relacionadas à jovem, observa-</p><p>mos o cuidado com que o eu lírico entrecorta e propõe um jogo ambí-</p><p>guo de sentidos que desnuda seu interesse pela donzela. Tal linguagem</p><p>ambígua está presente no olhar do eu lírico interessado em descrever</p><p>a pureza da jovem, insinuando querer ser o próprio beija-flor a roubar-</p><p>-lhe o beijo.</p><p>Nesse roteiro de leitura, podemos iniciar a interpretação pelo</p><p>levantamento de imagens da natureza relacionada à inocência da jo-</p><p>vem. Esse ar de candura está presente em diversas passagens como</p><p>sugerido no diálogo que o eu lírico imagina entre a jovem, a flor e a bri-</p><p>sa, na quarta estrofe: “Beijando as mãozinhas suas,/Parece que diz: nós</p><p>duas!.../E a brisa emenda: nós três! ...”. Esse tom de inocência circunda</p><p>a leve cena da colheita de uma rosa por uma casta jovem.</p><p>Mesmo com esse tom de pureza, observamos que o eu lírico se</p><p>descreve como vítima dessa beleza. Ele se mostra seduzido, sobretudo,</p><p>quando descreve a sensualidade do corpo dela coberto por um vestido</p><p>transparente pela umidade da manhã, na primeira estrofe: “Corpo es-</p><p>belto, colo erguido,/Molhando o branco vestido/No orvalho do amanhe-</p><p>cer”. Essa sensualidade presente no corpo da jovem e na transparência</p><p>do vestido denuncia o interesse desse eu lírico, que expõe a pureza da</p><p>jovem, tentando camuflar suas segundas intenções: o desejo pelo corpo</p><p>espionado.</p><p>109</p><p>Leitura Social-Identitária de Poemas de Tobias Barreto</p><p>Outro momento que nos ajuda em nossa interpretação é quando</p><p>desconfiamos que não se trata apenas de um pássaro querendo roubar</p><p>o beijo, mas do próprio eu lírico personificado no beija-flor. Essa so-</p><p>breposição do eu lírico reforça a contradição entre a pureza da jovem e</p><p>a ideia de beijo roubado, no final da quinta estrofe e início da sexta: “E</p><p>quer-lhe os lábios também/Treme a virgem de surpresa,/Leva do bra-</p><p>ço em defesa,”. Todavia, a luta continua e o pássaro tenta mais uma vez</p><p>beijá-la: “A moça, que se envergonha/De correr, meio risonha/Procura</p><p>se desviar;”. Esse jogo de um pássaro que tenta beijá-la reforça esse</p><p>duplo lugar do eu lírico sedutor.</p><p>Nesse poema, o beijo roubado é construído por um eu lírico</p><p>que explora a imagem angelical da jovem em contraste com suas insi-</p><p>nuações sensuais. No final, ficamos surpresos com a informação de que</p><p>o eu lírico ouviu essa história pela própria jovem que sofreu assédio do</p><p>pássaro: “Ao sopro de casto amor:/Seu rosto fica mais lindo,/Quando</p><p>ela conta sorrindo/A história do beija-flor”. A surpresa da cena sendo</p><p>contada pela própria jovem confunde o leitor que precisa se perguntar</p><p>se quem narrou a cena foi o eu lírico ou a donzela.</p><p>Outro aspecto relevante para uma leitura social-identitária é o</p><p>quanto a mulher é descrita como um objeto de desejo. Além do voye-</p><p>rismo do eu lírico, a forma como o pássaro ataca a jovem traduz as in-</p><p>tenções daquele que deseja roubar um beijo. Metaforicamente, como</p><p>já dito, a possibilidade de o beija-flor descrever a verdadeira intenção</p><p>do eu lírico abre a perspectiva de debatermos sobre os limites do con-</p><p>quistador.</p><p>No segundo texto selecionado de Tobias Barreto: “O beijo”, va-</p><p>mos explorar a recepção crítica do poema do assédio masculino a par-</p><p>tir do duplo sentido de um beijo roubado, que é antecedido por uma</p><p>insistência do conquistador e pelo medo da jovem beijada. Diante da</p><p>polissemia das palavras, essa cena de conquista tanto se refere a um</p><p>simples beijo, como nos remete a um ambiente onde as moças eram</p><p>perseguidas e seduzidas.</p><p>Nesse poema, o eu lírico também utiliza os elementos da natu-</p><p>reza, que escondem as verdadeiras intenções do jovem galanteador e</p><p>promovem um jogo de associações entre o pedido de beijo e o medo</p><p>110</p><p>Leitura Social-Identitária de Poemas de Tobias Barreto</p><p>da punição à mulher beijada. Vamos ler o poema tanto por sua pulsão</p><p>lírica como contextualizá-lo a partir do debate em torno do ‘Não é não’,</p><p>quando uma mulher não quer ser assediada.</p><p>O beijo</p><p>Que silêncio, que calma</p><p>No teu olhar!</p><p>Querubim da minha alma,</p><p>Vamos voar?</p><p>Algum canto suave</p><p>No bosque ouvir?</p><p>Ou no ninho de uma ave</p><p>Juntos dormir?</p><p>Vamos longe do mundo,</p><p>Que é um paul, (charco)</p><p>Espelhar-nos no fundo</p><p>Do céu azul?</p><p>Sei dum ermo encantado,</p><p>Que existe além;</p><p>Já corremos o prado,</p><p>Caminha, vem!</p><p>Dentre deste arvoredo</p><p>Ninguém nos vê...</p><p>Vamos, tremes de medo?</p><p>Medo de quê?</p><p>Olha as frutas vermelhas</p><p>Do meu vergel... (pomar)</p><p>Quanto enxame de abelhas!</p><p>Tu queres mel?</p><p>Olha... que passarinho</p><p>Lindo a cantar!...</p><p>Vou pegá-lo no ninho,</p><p>Para t’o dar!...</p><p>Quanta sombra!... Repousa,</p><p>111</p><p>Leitura Social-Identitária de Poemas de Tobias Barreto</p><p>Descansa aqui:</p><p>Vou dize-te uma coisa,</p><p>Que eu sei de ti.</p><p>Mas só digo na boca,</p><p>No ouvido não...</p><p>Anda, espera; que louca!...</p><p>Retira a mão!...</p><p>Suspirar-te um segredo</p><p>Deixa, que tem?</p><p>Cuidas que no arvoredo</p><p>Buliu alguém?</p><p>Foi o vento; ora essa!...</p><p>Ninguém buliu.</p><p>Chega, dá-me depressa...</p><p>Está!... Quem viu?</p><p>(BARRETO, 1994)</p><p>Em “O beijo”, o eu lírico convida a amada para um passeio onde</p><p>os espaços descritos estão relacionados aos seus desejos. Para esta lei-</p><p>tura, não exploraremos os sentidos simbólicos de cada espaço, pois</p><p>estamos voltados para identificar as estratégias de assédio usadas pelo</p><p>eu lírico a fim de alcançar seu objetivo. Estruturalmente, o poema é di-</p><p>vidido em 11 estrofes compostas por quartetos em redondilha menor</p><p>com rimas provocadoras.</p><p>Mais que no primeiro poema, a linguagem usada para descre-</p><p>ver as atitudes do conquistador e os receios da jovem reforça uma at-</p><p>mosfera de sensualidade e erotismo em torno do beijo roubado. O jogo</p><p>de associações também possibilita a leitura de um assédio sexual e a</p><p>reflexão até que ponto essa paquera não desrespeita a mulher.</p><p>Na primeira estrofe, o convite é para voar pela natureza e a jo-</p><p>vem é chamada por “Querubim da minha alma”, as ações se intensi-</p><p>ficam e, nos quinto e sexto versos, observamos que a jovem não se</p><p>sente bem diante da insistência do eu lírico que lhe pergunta: “Vamos,</p><p>tremes de medo? Medo de quê?”. Se para o eu lírico, a jornada por um</p><p>beijo é simples, a jovem carrega o preconceito de ser aniquilada, caso</p><p>112</p><p>Leitura Social-Identitária de Poemas de Tobias Barreto</p><p>seja descoberta, por isso tem medo. Esse cuidado dela é uma forma de</p><p>resistência e atravessa o poema. Ela se mostra insegura e desprepa-</p><p>rada para aquele momento, mas o eu lírico não reconhece aquela afli-</p><p>ção, apenas vai tentando acalmá-la. Outro momento dessa insegurança</p><p>acontece quando ela pergunta se alguém mexeu atrás do arvoredo e</p><p>ele responde: “Foi o vento; ora essa!.../ Ninguém buliu”.</p><p>O uso de frases próprias da oralidade nos deixa pistas de como</p><p>o eu lírico agiu para conseguir o beijo, pois apenas na 11ª estrofe ele</p><p>alcança sua façanha. Assim, temos diversos momentos que deixam</p><p>transparecer sua insistência, sobretudo nos versos em que há verbos</p><p>no imperativo. No início ele vai perguntando e vai sendo correspondi-</p><p>do, todavia, a partir do momento que a jovem se mostra temerosa, ele</p><p>insiste, passando a ordenar como na nona estrofe, quando tenta beijá-</p><p>-la, pedindo para tirar a mão da boca: “Anda, espera; que louca!.../ Re-</p><p>tira a mão!...” Essa mesma imposição acontece na última estrofe: “Che-</p><p>ga, dá-me depressa.../ Está!... Quem viu?”. Portanto, somente depois</p><p>de muito rondar com ela, ele consegue o tão assediado beijo.</p><p>Pelo tom dos verbos no imperativo, observamos que a associa-</p><p>ção entre amor e liberdade só prevalece para o eu lírico. Contextuali-</p><p>zado em um século em que a conquista da mulher é um trunfo mascu-</p><p>lino, o poema reforça a visão do eu lírico, sem abrir espaço para a voz</p><p>da assediada, uma vez que, naquele contexto, era uma prática comum.</p><p>Portanto, no processo de revisão de valores, precisamos reler</p><p>esse poema pelos princípios éticos e pelas conquistas femininas da</p><p>contemporaneidade. Assim, explorando a abordagem social-identitá-</p><p>ria, questionamos se essa postura ainda é comum aos jovens de hoje e</p><p>quais valores dão sustentação para a manutenção dessa prática do bei-</p><p>jo roubado. Se para o contexto romântico, a mulher deveria ser real e</p><p>acessível aos beijos dos poetas apaixonados, como podemos debater</p><p>a questão do respeito à mulher quando ela diz ‘não’.</p><p>Por esse olhar, esse poema apresenta uma estrutura rica em in-</p><p>dagações e pode levar o leitor a refletir sobre o momento da paquera e</p><p>da sedução. Na prática social-identitária de leitura, vale a pena colocar</p><p>em jogo como as jovens se sentem quando são assediadas por garotos</p><p>que não respeitam o não. Esse debate pode suscitar boas reflexões so-</p><p>113</p><p>Leitura Social-Identitária de Poemas de Tobias Barreto</p><p>bre os direitos da mulher, que podem proporcionar o amadurecimento</p><p>dos participantes, ampliando o horizonte de expectativas, visto que a</p><p>importunação passou a ser um crime no Brasil.</p><p>Em nossa prática, entre as sugestões que exploram tanto a pul-</p><p>são estética como a social-identitária, sugerimos que os alunos anotem</p><p>quais os sentidos que o poema “O beijo” despertou, e relatem expe-</p><p>riências pessoais tanto do ponto de vista masculino como feminino. O</p><p>importante é debater sobre os limites do beijo roubado e quando ele</p><p>pode ser considerado uma importunação.</p><p>Com tais reflexões, espera-se que o leitor passe a interpretar</p><p>com um olhar crítico esses limites nos dias de hoje, levando em conta</p><p>a lei de importunação, visto que é crime assediar sexualmente uma</p><p>mulher sem seu consentimento. 2 2Portanto, a recepção de um poema</p><p>romântico a partir do contexto atual, além de explorar sua pulsão esté-</p><p>tica, é uma importante prática de revisão do lugar da mulher na tradi-</p><p>ção literária, questionando o olhar hegemônico que reforça a visão da</p><p>mulher como um objeto de desejo.</p><p>4 Considerações finais</p><p>Ao relermos as poesias de Tobias Barreto, quanto à</p><p>representação do beijo e da sedução feminina, observamos que</p><p>podemos reinterpretar esses textos a partir de valores de hoje, sem</p><p>desqualificar as abordagens anteriores. Para isso, seguimos a pista</p><p>deixada por Neide Rezende, quando reconhece que os valores de um</p><p>texto se atualizam, pois, na história literária, quando buscamos novos</p><p>sentidos por meio de “um jogo entre diferentes leitores que pelo</p><p>diálogo compartilham os múltiplos significados sobre o texto como</p><p>objeto a ser compreendido e interpretado” (REZENDE, 2021, p.55).</p><p>Ao enfatizarmos a leitura do texto lírico, possibilitamos a divul-</p><p>gação das particularidades desse gênero literário que é construído</p><p>por uma pulsão estético-social. Segundo Christina Ramalho, “o poema</p><p>canta a vida e convida quem dele desfruta, com atenção e sensibilida-</p><p>2 Vale destacar que, com a Lei de Importunação Sexual, 13.718/2018, passou a ser</p><p>crime “praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de</p><p>satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro”. Por isso, é muito importante o debate</p><p>sobre o assédio sexual, já que a pena para esses casos vai de um a cinco anos de</p><p>prisão.</p><p>114</p><p>Leitura Social-Identitária de Poemas de Tobias Barreto</p><p>de, a recriar o sentido da vida” (2014, p.334). Tal prerrogativa é indis-</p><p>pensável em uma abordagem que prima pelo estudo do silenciamento</p><p>da voz da mulher. Além disso, o jogo de palavras e as diversas ambigui-</p><p>dades presentes nos textos líricos selecionados reforçam o quanto pre-</p><p>cisamos explorar a leitura a partir das particularidades desse gênero,</p><p>como pregado por Hélder Pinheiro (2018).</p><p>Além disso, por meio da abordagem social-identitária, também</p><p>é importante valorizarmos o processo de identificação do leitor com o</p><p>tema ressaltado. No processo de recepção, tanto Gomes como Cosson</p><p>destacam a participação do leitor como coautor. Para Gomes, o leitor</p><p>deve se identificar com as questões ideológicas e reler o texto a partir</p><p>de questões identitárias (2012, p. 168). Para Cosson, além de o leitor</p><p>desenvolver “uma atitude empática”, pode articular seu “empodera-</p><p>mento ou o autoempoderamento” (2020, p. 111).</p><p>Sintetizando, nossa proposta de leitura dos poemas de Tobias</p><p>Barreto corrobora com a premissa de que formar o leitor literário é</p><p>antes de tudo formar o cidadão, que revê atitudes e valores precon-</p><p>ceituosos. Para alcançarmos essa meta, precisamos explorar a aborda-</p><p>gem social-identitária de leitura literária, revisando os silenciamentos</p><p>impostos às mulheres, que foram transformadas em objetos de desejo</p><p>nos poemas selecionados.</p><p>Portanto, acreditamos que o trabalho pedagógico com poesias</p><p>de Tobias Barreto amplia o debate sobre o poder do leitor de revisar</p><p>os sentidos de um texto literário a partir da empatia com os direitos</p><p>humanos e o respeito às diversas identidades sociais. Com isso, alme-</p><p>jamos a ampliação do cânone a partir do reconhecimento de valores</p><p>democráticos, indispensáveis para uma educação de qualidade e de</p><p>disseminação de igualdade entre homens e mulheres.</p><p>Referências</p><p>BARRETO, Tobias. Obras Completas de Tobias Barreto. Sergipe: So-</p><p>ciedade Editorial de Sergipe, 1994.</p><p>COSSON, Rildo. Letramento literário: teoria e prática. 2. ed. São Pau-</p><p>lo: Contexto, 2014.</p><p>115</p><p>Leitura Social-Identitária de Poemas de Tobias Barreto</p><p>COSSON, Rildo. Paradigmas do Ensino da Literatura. São Paulo:</p><p>Contexto, 2020.</p><p>GENS, Armando. Um mapa geoliterário para Tobias Barreto: escalas</p><p>para um retrato. Interdisciplinar, São Cristóvão, UFS, v. 8, p. 23-34,</p><p>2009.</p><p>GOMES, Carlos Magno. O modelo cultural de leitura. Nonada Letras</p><p>em Revista. Porto Alegre, n. 18, p. 167-183, 2012.</p><p>JESUS, Joseneide Santos; GOMES, Carlos Magno. Prática de letramento</p><p>poético de canções femininas. Revista Pontos de Interrogação, Ala-</p><p>goinhas, UNEB, v.10, n. 1, p. 83-103, 2020.</p><p>PINHEIRO, Hélder. Poesia na sala de aula.1. ed. São Paulo: Parábola,</p><p>2018.</p><p>RAMALHO, Christina Bielinski. A poesia é o mundo sendo: o poema</p><p>na</p><p>sala de aula. Revista da Anpoll, Florianópolis, UFSC, n. 36, p. 330-370,</p><p>2014.</p><p>REZENDE, Neide Luzia de. A formação do leitor na escola pública bra-</p><p>sileira: Um jargão ou um ideal? In: ALVES, José Hélder Pinheiro et al.</p><p>(org.). Memórias da Borborema 4: Discutindo a literatura e seu ensi-</p><p>no. Campina Grande: Abralic, 2014.</p><p>REZENDE, Neide Luzia de. Leitores em diferentes tempos: A recepção</p><p>do conto Felicidade Clandestina, de Clarice Lispector. Interdiscipli-</p><p>nar, São Cristóvão, UFS, v. 35, p. 41-56, 2021.</p><p>116</p><p>Literatura de Cordel na Escola: Uma Proposta de Letramento Literário no Ensino Fundamental</p><p>LITERATURA DE CORDEL NA ESCOLA: UMA</p><p>PROPOSTA DE LETRAMENTO LITERÁRIO NO ENSINO</p><p>FUNDAMENTAL</p><p>José Clovis dos Santos</p><p>Sávio Roberto Fonseca de Freitas</p><p>1 Considerações iniciais</p><p>Este artigo tem como objetivo apresentar a literatura de cordel</p><p>como sendo uma ferramenta pedagógica indispensável à forma-</p><p>ção de leitores críticos em turmas de 8º e 9º anos, com foco na</p><p>leitura literária.</p><p>De acordo com Cosson (2009, p.67), entende-se por letramento</p><p>literário “o processo de apropriação da literatura enquanto constru-</p><p>ção literária de sentidos”. Nesta perspectiva, trabalhar com este tipo</p><p>de texto em sala de aula significa ampliar as experiências pessoais</p><p>e subjetivas dos discentes, proporcionando-lhes novas possibilidades</p><p>de ver, ler e entender o mundo.</p><p>Assim, formar alunos leitores é, sem dúvida, um ato de aprendi-</p><p>zado social que envolve indiscutivelmente formas de pensar a realida-</p><p>de, uma vez que ler não se limita ao simples ato de escrever, mas vai</p><p>muito mais além, ultrapassando o mundo da palavra escrita.</p><p>E deste mundo participam os valores que aprendemos a asso-</p><p>ciar às coisas como também às situações em que se realiza a leitura.</p><p>Ampliam-se, com ele, as possibilidades das relações afetivas e efetivas</p><p>entre autor/livro/leitor, extrapolando-se os limites da semântica e das</p><p>subjetividades individuais.</p><p>Por isso, cabe ao professor, na condição de orientador e media-</p><p>dor desse tipo de leitura, em sala de aula, extrapolar as barreiras do</p><p>“preconceito linguístico”, das abordagens meramente gramaticais, e</p><p>possibilitar aos alunos momentos de apropriação do texto, criando um</p><p>ambiente de trocas de experiências com a cultura popular via literatu-</p><p>ra de cordel.</p><p>117</p><p>Literatura de Cordel na Escola: Uma Proposta de Letramento Literário no Ensino Fundamental</p><p>Nesta perspectiva, o trabalho com o texto literário na esco-</p><p>la ainda carece de mais espaço e a literatura popular precisa ocupar</p><p>um espaço central no currículo escolar. No entanto, o que presencia-</p><p>mos, na verdade, em muitas situações, é o texto literário em toda sua</p><p>complexidade e riqueza expressiva ser ainda visto e trabalhado como</p><p>mero pretexto para estudos gramaticais, tipologias textuais ou, ainda,</p><p>estudos de compreensão de algumas habilidades de leitura.</p><p>Por isso, diante de tantas mudanças pelas quais passa a educa-</p><p>ção pública, as quais exigem que o professor procure ampliar seus co-</p><p>nhecimentos com base em métodos científicos e frente às dificuldades</p><p>encontradas na sala de aula e ao desestímulo dos alunos nas aulas de</p><p>Literatura, principalmente sobre práticas de leitura literária, apresen-</p><p>tamos a seguinte problemática: Como a Literatura de cordel poderá in-</p><p>fluenciar e/ou viabilizar o ensino da leitura literária nas aulas de língua</p><p>portuguesa/literatura em turmas de 8º e 9º anos?</p><p>Para embasar o nosso questionamento, alicerçamos a nos-</p><p>sa pesquisa nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs -1998/99,</p><p>2001, 2007e 2010); na Base Nacional Comum Curricular (BNCC-2018);</p><p>em Pinheiro (2003), sobre Pesquisa em literatura; em Marinho e Pinhei-</p><p>ro (2012), sobre o cordel no cotidiano escolar; em Cosson (2009), sobre</p><p>letramento literário; em Ayala (2012), sobre cultura popular no Brasil;</p><p>em Bragatto (1995), sobre o texto literário; em Santos (2016), sobre a</p><p>leitura literária na escola; em Lajolo (1993), sobre literatura no espaço</p><p>escolar, dentre outros importantes teóricos/pesquisadores de renome</p><p>sobre o tema, citados ao longo deste trabalho.</p><p>Nesta perspectiva, a relevância de nossa proposta se justifica</p><p>não apenas pelo simples fato de ela refletir sobre o tema proposto,</p><p>mas, sobretudo, por buscar entender a real importância do letramento</p><p>literário nos anos finais da Educação Básica</p><p>No que se refere à natureza da vertente metodológica, trata-</p><p>-se de uma pesquisa qualitativa de caráter intervencionista, porque</p><p>ela sugere uma intervenção na sala de aula através da leitura de</p><p>cordéis com o objetivo de nos proporcionar um novo olhar sobre o</p><p>tratamento dado à leitura do texto literário nas aulas de literatura e</p><p>118</p><p>Literatura de Cordel na Escola: Uma Proposta de Letramento Literário no Ensino Fundamental</p><p>possibilitar ao aluno-leitor vivenciar novas experiências de letra-</p><p>mento literário através da poesia popular de cordel.</p><p>Assim sendo, o presente trabalho poderá, com auxílio do le-</p><p>tramento literário e, em especial, da Literatura de Cordel, dinamizar a</p><p>construção do processo de formação leitora destes discentes nos anos</p><p>finais da Educação Básica nas aulas de literatura.</p><p>2. Ensino de linguagem/literatura: leis e abordagens teóricas</p><p>Ao longo deste tópico, discorremos acerca de algumas leis e/ou</p><p>abordagens teóricas sobre o ensino de língua/literatura, as quais nos</p><p>servirão dede suporte teórico científico para embasar nossas discus-</p><p>sões a respeito deste tema.</p><p>Nele, pautamos nossas reflexões em Lajolo (1993), nos PCNs</p><p>(1998) e na BNCC (2018) a qual, por sua vez, define o conjunto progres-</p><p>sivo das aprendizagens a serem desenvolvidas pelos alunos durante o</p><p>ciclo ao longo de sua escolarização.</p><p>2.1. Os parâmetros curriculares nacionais e o trabalho com linguagem</p><p>Segundo os PCNs da Língua Portuguesa (1998, p.24), no traba-</p><p>lho com a linguagem,</p><p>Os textos a serem selecionados são aqueles que, por suas caracte-</p><p>rísticas e usos, podem favorecer a reflexão crítica, o exercício de</p><p>forma de pensamentos mais elaborados e abstratos, bem como a</p><p>fruição estética dos usos artísticos da linguagem, ou seja, os mais</p><p>vitais para uma melhor participação numa sociedade letrada.</p><p>No trabalho com a linguagem literária, os textos a serem sele-</p><p>cionados são aqueles, que por sua vez, contemplem os usos práticos e</p><p>artísticos da linguagem. E partindo, então, desta lógica de que a língua</p><p>se realiza em situação de interação humana e que, para isto, ela preci-</p><p>sa de um suporte material concreto, o gênero cordel poderá se tornar</p><p>uma ferramenta imprescindível à concretização deste ato discursivo</p><p>nas aulas de literatura.</p><p>É nesta perspectiva que cabe à escola viabilizar aos seus alunos</p><p>o acesso ao trabalho com a linguagem literária através de uma maior</p><p>diversidade de textos, vez que, do ponto de vista do ensino da língua</p><p>119</p><p>Literatura de Cordel na Escola: Uma Proposta de Letramento Literário no Ensino Fundamental</p><p>materna, a competência linguística do aluno é um pré-requisito indis-</p><p>pensável ao exercício de sua cidadania plena.</p><p>Acerca deste trabalho com a oralidade na sala de aula, segun-</p><p>do Brasil (2001, p.49), a língua pode ser tomada como objeto de estu-</p><p>do. Esta proposta exige de nós, professores de Linguagem um plane-</p><p>jamento baseado nas“atividades sistemáticas de fala, de escuta e de</p><p>reflexão sobre a língua”. Como exemplo disso , podemos citar, aqui,</p><p>seminários, debates, dramatizações, entre outras. E por que também</p><p>não adotarmos o texto literário como objeto de estudo nas aulas de</p><p>literatura no ensino fundamental em turmas de 8º e 9º anos?</p><p>A partir desta concepção de leitura e de escrita, o texto literário</p><p>e, em especial, a literatura de cordel, precisam ser também objeto de</p><p>ensino e aprendizagem nas aulas de literatura nos anos finais de Edu-</p><p>cação Básica</p><p>No que se refere ao quesito oralidade, por exemplo, esta prá-</p><p>tica de análise e reflexão constitui fator decisivo no processo de me-</p><p>lhoramento da escrita nos seus mais variados contextos por parte de</p><p>nossos discentes, vez que, de certa forma, segundo</p><p>Nesse sentido, entendemos que, através dos mitos, poderão ser</p><p>trabalhados inúmeros conhecimentos inter e transdisciplinares com a</p><p>história, a filosofia, a sociologia, a psicanálise etc. A mitologia greco-ro-</p><p>mana possui também variadas relações com a atualidade, que podem</p><p>ser exploradas, a fim de contribuírem com o letramento dos respecti-</p><p>vos educandos, a exemplo das narrativas pre sentes na obra Contos e</p><p>lendas da mitologia grega, de Claude Pousadoux (2001).</p><p>2 Reflexões teóricas sobre a leitura literária e sua emergência no contex-</p><p>to escolar</p><p>Em nossa sociedade, ler é uma necessidade imprescindível</p><p>para diversas atividades e áreas. Tornou-se praticamente impossível</p><p>para um cidadão se inserir no mercado de trabalho, se este não tem</p><p>acesso à leitura. E esta, não apenas estabelece relações entre as pes-</p><p>soas, mas compartilha saberes e potencializa nossa capacidade cria-</p><p>dora. Ela está presente na grande totalidade das demandas sociais a</p><p>que somos submetidos todos os dias.</p><p>A Leitura Literária Entre Deuses, Heróis e Mortais: a mitologia grega na escola</p><p>14</p><p>A leitura é a principal ferramenta, para que um povo possa ter</p><p>plena cidadania, e é condição essencial para o desenvolvimento social</p><p>e humano de uma nação. Sabemos que estamos muito longe de sermos</p><p>um país leitor, situação que pode explicar o fato de termos caído cin-</p><p>co posições no ranking do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano),</p><p>estando em 84º lugar, atrás de vários países da América Latina. Assim,</p><p>é emergente refletirmos e planejarmos ações para enfrenar essa rea-</p><p>lidade.</p><p>Partindo do princípio de que ler é uma necessidade e um di-</p><p>reito de todo cidadão, cabe à escola, então, desenvolvê-la e ensiná-la.</p><p>Todavia, entendemos que, muitas vezes, esse ensinar tem sido execu-</p><p>tado de forma mecânica. A criança é munida do instrumental necessá-</p><p>rio, mas esta capacidade de ler é automatizada, através de exercícios</p><p>repetitivos. Para que a leitura se torne uma atividade eficiente, em sala</p><p>de aula, é preciso que o texto forneça ao aluno-leitor fatores que ve-</p><p>nham desenvolver a sua percepção, e que isso, de forma adequada,</p><p>desenvolva comportamentos distintos: ler por prazer, ler para estudar</p><p>(atividades de sondagem) e ler para fins de informação ou instrução.</p><p>Dessa forma, o sentido da leitura se esclarece para o seu principal be-</p><p>neficiário: o aluno.</p><p>Podemos, portanto, perceber que a escola tem a incumbência</p><p>de habilitar o aluno à leitura e de transformá-lo em um leitor, cabendo a</p><p>ela cumprir esse papel de maneira coerente, para que não venha fazer</p><p>o contrário: afastar definitivamente o aluno da leitura literária. É neste</p><p>momento em que a mediação de um professor faz a diferença, quando</p><p>ele compreende a realidade de seu aluno e o faz entender esta relação</p><p>entre o que está lendo com a vida. O professor precisa posicionar-se</p><p>como agente de mudança, pois, de acordo com a concepção de leitura</p><p>adotada, as suas ações de ensino em sala de aula serão direcionadas.</p><p>É a escola, através de seus saberes e de seus professores, que</p><p>pode dar as condições, para que o aluno possa, ao longo de cada ano</p><p>escolar e por meio de suas leituras, formar o seu arcabouço de conhe-</p><p>cimentos e, através destes, possa elaborar seus conceitos sobre assun-</p><p>tos, temas e conflitos que permeiam a sociedade.</p><p>A Leitura Literária Entre Deuses, Heróis e Mortais: a mitologia grega na escola</p><p>15</p><p>É compreensível que leitura e literatura caminham juntas ou</p><p>pelo menos deveriam. Infelizmente, o que observamos, na maioria das</p><p>práticas pedagógicas, são atividades de leitura para fins de mera de-</p><p>codificação ou apenas para avaliar o entendimento do aluno sobre o</p><p>que leu, sem estabelecer relação entre o que é lido e o que é vivido</p><p>pelo mesmo. Ao oferecermos obras literárias aos jovens leitores, pro-</p><p>piciamos que esses alunos se deparem com personagens que possuem</p><p>temores, dúvidas, obstáculos, relações cotidianas, raiva, amores etc. To-</p><p>dos esses compõem a humanidade e permitem o (re)conhecimento da</p><p>sua própria realidade.</p><p>Assim podemos perceber, nessa cadeia formativa, onde se en-</p><p>contram os seguintes papéis: o escritor (que, por sua vez, é também</p><p>leitor), o leitor (podendo ser o aluno) e o professor (sendo leitor e me-</p><p>diador). Salientamos, entretanto, que a leitura literária pode acontecer</p><p>em qualquer espaço e o mediador não precisa ser, necessariamente,</p><p>um professor.</p><p>Reconhecemos que não é tarefa simples despertar e desenvol-</p><p>ver o gosto pela leitura em nossos alunos. Este é um grande desafio</p><p>vivido pelos professores, em sala de aula, levando-se em conta a hete-</p><p>rogeneidade de seus discentes que, em sua grande maioria, não des-</p><p>frutaram da escuta de estórias lidas em seu âmbito domiciliar. Ao mes-</p><p>mo tempo, em muitas escolas não há acesso aos livros e/ou bibliotecas.</p><p>Essas ocorrências são muitas vezes negativas, porque alfabe-</p><p>tizar não é letrar e nem formar leitores. O letramento é um processo</p><p>e, por ter esta natureza, é contínuo, acontecendo durante toda a nos-</p><p>sa vida e não se restringindo apenas à escola. Continua sendo mui-</p><p>to importante para a criança e para o alunado ver algum familiar ou</p><p>professor lendo. Parte das crianças e jovens de famílias não leitoras e</p><p>de origem mais vulnerável dependem unicamente das escolas e das</p><p>bibliotecas escolares e/ou públicas para formarem o gosto pela leitura.</p><p>Desde o dia que nascemos até o nosso último dia de vida, a cada</p><p>experiência, a cada vivência, aprendemos mais e nos tornamos mais</p><p>letrados. Assim, nos esclarecem Rangel e Rojo (2010):</p><p>Como são muitos variados os contextos, as comunidades, as cul-</p><p>turas, são também muito variadas as práticas e os eventos letra-</p><p>A Leitura Literária Entre Deuses, Heróis e Mortais: a mitologia grega na escola</p><p>16</p><p>dos que neles circulam. Assim é que o conceito de letramento</p><p>passa ao plural: deixamos de falar em “letramento” e passamos a</p><p>falar em “letramentos” (RANGEL E ROJO, 2010, p. 27).</p><p>Cosson e Paulino (2009), por sua vez, definem letramento literá-</p><p>rio da seguinte forma:</p><p>É por essa razão que, considerando a própria ampliação do uso</p><p>do termo letramentos para multiletramentos e a necessidade de</p><p>tornar o concei to mais claro, propomos definir letramento lite-</p><p>rário como o processo de apropriação da literatura enquanto</p><p>construção literária de sentidos (COSSON E PAULINO, 2009, p.</p><p>67, grifos nosso).</p><p>Ainda corrobora com este pensamento Martins (2006, p. 85),</p><p>quando afirma que:</p><p>o professor deveria confrontar o aluno com a diversidade de lei-</p><p>turas do texto literário, para que assim o educando reconheça que</p><p>o sentido não está no texto, mas é construído pelos leitores na</p><p>interação com textos (MARTINS, 2006, p. 85).</p><p>Através dessas afirmações, podemos compreender a impor-</p><p>tância da leitura literária efetuada na escola e das diferentes contri-</p><p>buições trazidas pelos alunos para a construção de sentidos em torno</p><p>do texto. Dessa forma, podemos evidenciar que criança é alfabetizada,</p><p>mas o seu letramento dentro da escola não acontece como deveria: um</p><p>processo contínuo e crescente. Muito pelo contrário, à medida que os</p><p>educandos trilham seus estudos, avançando através dos anos escola-</p><p>res, menos tempo há para a leitura literária.</p><p>Nessa jornada, também podemos observar a importância da bi-</p><p>blioteca escolar. Esta tanto auxilia na prática docente com a literatura,</p><p>assim como oferece ao aluno o contato com diversos gêneros textuais.</p><p>Os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa</p><p>(2000) apresentam-nos que:</p><p>Na biblioteca escolar é necessário que sejam colocados à dispo-</p><p>sição dos alunos textos dos mais variados gêneros, respeitados</p><p>os seus portadores: livros, revistas (infantis, em quadrinhos, de</p><p>palavras cruzadas e outros jogos) almanaques, revistas de litera-</p><p>tura de cordel, textos gravados em áudio e em vídeo, entre outros.</p><p>A Leitura Literária Entre Deuses, Heróis e Mortais: a mitologia grega na escola</p><p>17</p><p>Além dos materiais impressos que se pode adquirir no merca-</p><p>do, também aqueles que são produzidos pelos alunos – produtos</p><p>dos mais variados</p><p>Brasil (2001 p.78),</p><p>o tratamento dado à oralidade durante as aulas de Língua Portuguesa</p><p>“implica uma atividade permanente de formulação e verificação de</p><p>hipóteses sobre o funcionamento da linguagem [...]”.</p><p>No geral, os PCNs de Língua Portuguesa se apresentam como</p><p>fonte de consulta e de pesquisa para os estudos de linguagens, apon-</p><p>tando caminhos e sugestões sobre o trabalho com os gêneros discur-</p><p>sivos na sala de aula, como também estabelece que o funcionamento</p><p>adequado destes conteúdos deve se articular em função da língua oral</p><p>e escrita, e da reflexão acerca destes usos.</p><p>Assim sendo, o texto passa a ser objeto de conhecimento e re-</p><p>flexão, o que o faz ser, do ponto de vista linguístico e social da língua,</p><p>um instrumento de acesso do indivíduo a sua plena participação numa</p><p>sociedade globalizada e letrada como a nossa.</p><p>É sob esta óptica que revisitaremos, no próximo tópico, a con-</p><p>ceituação de BNCC, seus objetivos e suas propostas para o ensino da</p><p>literatura no ensino fundamental segunda fase.</p><p>120</p><p>Literatura de Cordel na Escola: Uma Proposta de Letramento Literário no Ensino Fundamental</p><p>2.2. A BNCC e o ensino de literatura</p><p>O que realmente precisamos saber sobre a proposta da BNCC</p><p>acerca do ensino de literatura? Na verdade, este é o mais novo desa-</p><p>fio enfrentado recentemente por nossas escolas de Educação Básica</p><p>em todo o país: conhecer e aplicar a Base Nacional Comum Curricular</p><p>e, sobretudo, de acordo com ela, entender como articular os conheci-</p><p>mentos de Língua Materna com as demais áreas do conhecimento.</p><p>De acordo com Brasil (2010), entendemos a BNCC como sendo</p><p>um documento de caráter oficial, criado pelo Ministério de Educação</p><p>e Cultura (MEC), que estabelece o conjunto sequencial e progressivo</p><p>de aprendizagens a serem desenvolvidas por nossos alunos durante a</p><p>sua escolaridade, contemplando também todas as fases da Educação</p><p>Básica. Ou seja, da educação infantil ao Ensino Médio.</p><p>Enquanto documento oficial, a BNCC (2018, p.138) defende um</p><p>ensino centrado na preparação do estudante para lidar com a lingua-</p><p>gem em suas mais diversas situações de uso. Entretanto, este ensino</p><p>deverá dar ênfase à oralidade e à leitura literária através dos mais di-</p><p>ferentes gêneros textuais:</p><p>Que circulam na esfera pública, nos campos jornalístico-midiático</p><p>e da atuação na vida pública [...] mas também no campo artístico</p><p>literário: possibilitar o contato com as manifestações artísticas em</p><p>geral, e de, forma particular e especial, com a arte literária e de</p><p>oferecer as condições para que se possa reconhecer, valorizar e</p><p>fruir essas manifestações.</p><p>Assim sendo, é nesta perspectiva, que cabe à escola viabilizar</p><p>aos seus alunos o acesso ao trabalho com a linguagem artística com foco</p><p>no texto poético, que por suas múltiplas possibilidades de ensino, preci-</p><p>sa ser melhor explorado no espaço escolar, nas aulas de literatura.</p><p>Sobre este ensino de leitura do texto literário na sala de aula</p><p>nos anos finais da Educação Básica, a BNCC, no seu campo de atuação</p><p>artístico-literário, nos orienta a trabalhar com os gêneros literários. E,</p><p>consequentemente, dentre os gêneros priorizados para o ensino de li-</p><p>teratura nesta fase, está o cordel, sobre o qual discorreremos a seguir:</p><p>121</p><p>Literatura de Cordel na Escola: Uma Proposta de Letramento Literário no Ensino Fundamental</p><p>Trata-se de possibilitar o contato com as manifestações artísticas</p><p>em geral, e, de forma particular e especial, com a arte literária e</p><p>de oferecer as condições para que se possa reconhecer, valori-</p><p>zar e fruir essas manifestações. Está em jogo a continuidade da</p><p>formação do leitor literário, com especial destaque para o desen-</p><p>volvimento da fruição, de modo a evidenciar a condição estética</p><p>desse tipo de leitura e de escrita (BNCC, 2018, p.138).</p><p>Neste sentido, a importância do Ensino de Literatura para a for-</p><p>mação de leitores é, sem dúvida, um fator imprescindível aos múltiplos</p><p>letramentos, se considerarmos, para isto, a fruição de sentidos múlti-</p><p>plos do texto literário e a capacidade de formar e humanizar que tem a</p><p>nossa literatura, como nos preconiza Antonio Candido (1995).</p><p>Sobre o ensino da leitura do texto literário na sala de aula nos</p><p>anos finais da Educação Básica, a BNCC, no seu campo de atuação ar-</p><p>tístico-literário, nos orienta a trabalhar com os gêneros literários. E,</p><p>dentre os gêneros priorizados para o ensino da literatura nesta fase de</p><p>ensino, está o cordel, sobre o qual discorreremos no próximo tópico.</p><p>3. A leitura literária no espaço escolar: desafios e perspectivas</p><p>Trataremos agora sobre a importância, os desafios e pers-</p><p>pectivas da leitura literária no espaço escolar. Para isto, recorremos</p><p>a Bragatto (1995); Foucambert (1994); Santos (2016); Antonio Cândido</p><p>(1995); Lajolo (1993), e Zilberman (1997).</p><p>A importância da leitura do texto literário na formação de lei-</p><p>tores críticos é, sem dúvida, um fator indispensável, tendo em vista a</p><p>fruição de seus sentidos múltiplos. Segundo Bragatto (1995), neste pro-</p><p>cesso, é fundamental que a relação estabelecida entre aluno/ leitor/</p><p>livro não seja “vigiada,” mas de liberdade, de maneira que haja entre</p><p>eles uma “afetiva e efetiva convivência com o livro”.</p><p>Neste sentido, Foucambert (1994, p.30) assim também se posi-</p><p>ciona:</p><p>Ser leitor é querer saber o que se passa na cabeça do outro, para</p><p>compreender melhor o que se passa na nossa. Esta atitude, no</p><p>entanto, implica a possibilidade de distanciar-se do fato, para ter</p><p>dele uma visão de cima, evidenciado de um aumento do poder</p><p>sobre o mundo e sobre si por meio desse esforço teórico. Ao mes-</p><p>mo tempo, implica o sentimento de pertencer a uma comunidade</p><p>122</p><p>Literatura de Cordel na Escola: Uma Proposta de Letramento Literário no Ensino Fundamental</p><p>de preocupações que, mais que um destinatário, nos faz interlocu-</p><p>tor daquilo que o autor produziu.</p><p>Entendemos, assim, que ler não se limita apenas ao simples ato</p><p>de escrever, mas vai muito mais além, e ultrapassa o mundo da palavra</p><p>dita e escrita. Ou seja, deste mundo participam os valores que associa-</p><p>mos às coisas, às situações em que se realiza a leitura, e ampliam-se</p><p>com ele as possibilidades das relações afetivas e efetivas entre autor/</p><p>livro/leitor.</p><p>De acordo com Santos (2016, p.34), em sua dissertação de mes-</p><p>trado sobre a literatura popular na sala de aula: uma proposta para o</p><p>ensino de leitura literária,</p><p>Cabe à escola vivenciar em seus projetos de ensino a formação</p><p>do leitor literário trazendo sempre em seus objetivos o trabalho</p><p>com a literatura na perspectiva de conscientização dos sujeitos</p><p>para essa função social que se encontra inserida no contexto ge-</p><p>ral da literatura e de seu ensino.</p><p>Nesta perspectiva, é de fundamental importância que se desen-</p><p>volva na escola um trabalho com a Literatura Popular, porque, embora</p><p>seja a escola um espaço de democratização do conhecimento, ou pelo</p><p>menos deveria ser, ainda é nela onde as manifestações populares en-</p><p>frentam resistência e onde também ainda persiste nos currículo esco-</p><p>lar a velha dicotomia entre cultura erudita e cultura popular.</p><p>Se segundo Antonio Candido (1995): “ a literatura sempre fala</p><p>alguma coisa a qualquer pessoa”, nos perguntamos: Por que não levar-</p><p>mos, então, a poesia de cordel à sala de aula??</p><p>Concordamos também ser ao professor, na condição de orien-</p><p>tador e mediador da leitura literária, extrapolar as barreiras do pre-</p><p>conceito linguístico, das abordagens meramente gramaticais, da histo-</p><p>rização da literatura de cordel.</p><p>Sob este ponto de vista, e levando em conta esta capacidade</p><p>que tem a literatura de dialogar e de nos humanizar, é que nós, enquan-</p><p>to professores de literatura, demos mais importância aos estudos com</p><p>o texto literário durante nossas aulas.</p><p>123</p><p>Literatura de Cordel na Escola: Uma Proposta de Letramento Literário no Ensino Fundamental</p><p>Também se faz importante frisar que, ao lado dos gêneros con-</p><p>siderados clássicos e trabalhados na escola, também precisam circular</p><p>na sala de aula outros gêneros de menor prestígio no contexto escolar,</p><p>sobretudo</p><p>aqueles desvalorizados em função de suas origens como,</p><p>por exemplo, a literatura de cordel.</p><p>A formação do leitor literário na escola ainda carece de mais</p><p>espaço na sala de aula. Nela o trabalho com a literatura precisa ocupar</p><p>uma centralidade no currículo escolar, uma vez que, segundo Candido</p><p>(1995), a literatura tem um grande potencial humanizador devido ao</p><p>seu caráter formativo. E, neste sentido, Lajolo (1993, p.106) assim nos</p><p>explica:</p><p>[...] por isso, a literatura é importante no currículo escolar: o cida-</p><p>dão, para exercer a sua cidadania, precisa apossar-se da lingua-</p><p>gem literária, alfabetizar-se nela e tornar-se seu usuário compe-</p><p>tente, mesmo que nunca vá escrever um livro, mas porque precisa</p><p>ler muitos.</p><p>Entretanto, a escola ainda parece resistente a estas mudanças. O</p><p>que presenciamos, na verdade, em muitas situações, é o texto literário</p><p>em toda sua complexidade e riqueza expressiva ser ainda visto como</p><p>mero pretexto para estudos gramaticais. É ainda, infelizmente, nesta</p><p>perspectiva e sob esta percepção acerca do ensino de literatura, que</p><p>muitas de nossas escolas públicas trabalham. Nelas, os espaços de lei-</p><p>tura, quando há, ainda são muito tímidos.</p><p>No entanto, para superar algumas destas dificuldades e de acor-</p><p>do com Zilberman (1997, p.24),</p><p>Ao professor cabe o detonar das múltiplas visões que cada cria-</p><p>ção literária sugere, enfatizando as variadas interpretações pes-</p><p>soais, porque estas decorrem da compreensão que o leitor alcan-</p><p>çou do objeto artístico, em razão de sua percepção singular do</p><p>universo representado.</p><p>Portanto, para fugir desta postura redutora de sentidos e supe-</p><p>rar esta atitude mecanicista de leitura do texto literário, antes se faz</p><p>preciso que o professor, além de habilidoso e experiente, tenha tam-</p><p>bém domínio técnico/teórico.</p><p>124</p><p>Literatura de Cordel na Escola: Uma Proposta de Letramento Literário no Ensino Fundamental</p><p>4. Cultura e Literatura popular como componentes que possibilitam a for-</p><p>mação do leitor crítico</p><p>Para aprender a riqueza da literatura popular ou de qualquer</p><p>outra manifestação da cultura popular, aprendi que é preciso</p><p>estudar com os olhos e ouvidos atentos. Tenho constantemente</p><p>afirmado que a cultura popular é um fazer dentro da vida [...].</p><p>(AYALA, MARCOS; AYALA, MARIA INEZ NOVAIS,2012, p. 31).</p><p>Dadas as especificidades e atualidade de nosso tema objeto</p><p>de estudo, recorremos, inicialmente, neste tópico, a Ayala (2012), Gul-</p><p>lar (1990); Aguiar e Silva (1994); Marinho e Pinheiro (2012); Evaristo</p><p>(2007); e Bagno (2004).</p><p>De acordo com Ferreira Gullar (1980, p.23),</p><p>Quando se fala em cultura popular, acentua-se a necessidade de</p><p>pôr a cultura a serviço do povo, isto é, dos interesses afetivos do</p><p>país”. De agir sobre a cultura presente procurando transformá-la,</p><p>entendê-la, aprofundá-la. O que define a cultura popular (...) é a</p><p>consciência de que a cultura tanto pode ser instrumento de con-</p><p>servação, como de transformação social.</p><p>Neste sentido, esta pesquisa pretende levar a cultura popular à</p><p>sala de aula, através do cordel, para despertar no aluno o hábito e a im-</p><p>portância da leitura como um processo de transformação não apenas</p><p>pessoal, mas também social e coletivo.</p><p>Segundo Aguiar e Silva (1994, p.116), entendemos por literatura</p><p>popular,</p><p>Aquela literatura que exprime, de modo espontâneo e natural,</p><p>na sua profunda genuinidade, o espírito nacional de um povo, tal</p><p>como aparece modelado na peculiaridade de suas crenças, dos</p><p>seus valores tradicionais e do seu viver histórico.</p><p>De fato, isto é o que fazem os repentistas, os cordelistas, os em-</p><p>boladores de coco, os trovadores nordestinos e contadores de histórias</p><p>em seus repentes e emboladas durante suas apresentações.</p><p>Nesta perspectiva, uma das formas de manifestação da literatu-</p><p>ra popular é a literatura de cordel, que, por ser popular, trata, portanto,</p><p>de assuntos que interessam ao povo. Nesta pesquisa, entendemos que</p><p>125</p><p>Literatura de Cordel na Escola: Uma Proposta de Letramento Literário no Ensino Fundamental</p><p>esta literatura oral (literatura popular) aqui no Brasil, tendo em vista</p><p>suas origens portuguesas, virou, possamos assim dizer, sinônimo de</p><p>cordel, o qual concentra no Nordeste seu principal foco produtor.</p><p>A este respeito, Marinho e Pinheiro (2012, p.18-19) nos dizem</p><p>que:</p><p>A expressão literatura de cordel foi inicialmente empregada pe-</p><p>los estudiosos da nossa cultura para designar os folhetos vendi-</p><p>dos nas feiras, sobretudo em pequenas cidades do interior do</p><p>Nordeste em uma aproximação com o que acontecia em terras</p><p>portuguesas. Em Portugal, eram chamados de cordéis os livros</p><p>impressos em papel barato, vendidos em feiras, praças e merca-</p><p>dos[...]. Os folhetos de cordéis portugueses, diferentemente dos</p><p>folhetos brasileiros, eram escritos e lidos por pessoas que perten-</p><p>ciam às camadas médias da população; advogados, professores,</p><p>militares, padres, médicos, funcionários públicos, entre outros.</p><p>Em muitos casos, os cordéis eram comprados por pessoa letrada</p><p>e lidos para um público não letrado, situação que se reproduz no</p><p>Brasil, onde os folhetos eram consumidos coletivamente.</p><p>Porém, assim como as canções populares, o cordel também se</p><p>modernizou e se atualizou. Segundo Evaristo (2007, p.121), “O fato é</p><p>que a Literatura de Cordel continua acompanhando as mudanças e</p><p>inovações ao longo do tempo, incorporando alguns elementos novos e</p><p>mantendo outros”.</p><p>Entendemos, a partir disso, que, através dela, o aluno também</p><p>poderá valorizar a prática da leitura e da escrita literária, uma vez que</p><p>educar para o exercício da leitura é também responsabilidade da es-</p><p>cola. E, assim sendo, levá-la para sala de aula não visa formar poetas, e</p><p>sim leitores.</p><p>Contudo, para que isso se torne realidade em nossas salas de</p><p>aula em primeiro lugar, faz-se preciso compreendermos o verdadeiro</p><p>significado e importância da leitura de cordéis nos espaços escolares,</p><p>onde os professores passem em conjunto com os alunos a articular</p><p>teoria e prática. Mas, sem preconceito linguístico, como nos diz Bagno</p><p>(2004), é claro.</p><p>Finalmente, diante dos mais novos desafios por que passa o en-</p><p>sino de literatura frente às novas mudanças sociais que impulsionaram</p><p>o surgimento de novos suportes textuais e metodologias inovadoras de</p><p>126</p><p>Literatura de Cordel na Escola: Uma Proposta de Letramento Literário no Ensino Fundamental</p><p>ensino com foco na diversidade textual, apresentaremos, neste tópico,</p><p>acerca do trabalho com a linguagem artística, um gênero da esfera li-</p><p>terária, o cordel. Discorremos a seguir acerca dele e de suas possibili-</p><p>dades de ensino.</p><p>5. O cordel na escola: desafios e possibilidades de ensino da leitura lite-</p><p>rária</p><p>A literatura de cordel sugere a interação entre a arte e o profes-</p><p>sor, a escola, o aluno e a cultura popular de diferentes épocas</p><p>até a contemporaneidade, possibilitando também o contato da</p><p>linguagem popular com os acontecimentos reais de uma região.</p><p>Este contato com elementos mais próximos da realidade do aluno</p><p>e dos professores pode contribuir para o desenvolvimento da lei-</p><p>tura e da escrita, pois o vocabulário usado na literatura de cordel</p><p>é ou pode ser mais semelhante à linguagem cotidiana do aluno,</p><p>tornando a compreensão de textos mais fácil. (NEGREIROS, 2016</p><p>p.1).</p><p>Assim sendo, é sob esta perspectiva que justificamos e direcio-</p><p>namos nossos estudos acerca do trabalho com a leitura de cordéis nas</p><p>aulas de literatura e suas contribuições pedagógicas para a formação</p><p>de leitores críticos.</p><p>Como forma de trabalho com o cordel na sala de aula, Pinheiro</p><p>(2012, p.41) nos diz:</p><p>A sala de aula nos parece o espaço bastante adequado para a</p><p>vivência de leituras de folheto, uma vez que poderá ser transfor-</p><p>mada num lugar de experimentação de diferentes modos de rea-</p><p>lização oral. Pesquisas intervencionistas realizadas com folhetos</p><p>de cordel (com aluno do ensino fundamental e médio) e com sex-</p><p>tilhas isoladas (com crianças das primeiras séries do ensino fun-</p><p>damental) mostram que há um espaço para vivenciar os folhetos</p><p>no espaço escolar, e</p><p>que eles podem contribuir decididamente</p><p>para a formação de leitores.</p><p>Por isto, este tema me tem sido motivo de muita inquietação ao</p><p>longo de duas décadas de experiências em sala de aula na rede pú-</p><p>blica municipal de ensino. É, frente às dificuldades de aprendizagem</p><p>encontradas na sala de aula e ao desestímulo dos alunos nas aulas de</p><p>literatura, principalmente no que diz respeito à prática da leitura lite-</p><p>rária, que apresentamos nossa proposta de ensino de linguagem lite-</p><p>127</p><p>Literatura de Cordel na Escola: Uma Proposta de Letramento Literário no Ensino Fundamental</p><p>rária: desenvolver atividades de leitura oral, escuta/ou escrita a partir</p><p>de textos da poesia popular de cordel.</p><p>Este trabalho com cordéis em sala de aula prima pela experiên-</p><p>cia de leitura oral dos folhetos. Não somente ler ou reler em voz alta,</p><p>como nos diz Hélder Pinheiro: “o folheto é para ser lido e pede voz”,</p><p>mas também brinca com os versos, sem aquela preocupação “acadê-</p><p>mica” com a forma dos poemas.</p><p>Com o andamento das atividades de leitura, os alunos mesmos</p><p>se encarregarão desta descoberta. Perceberão, gradativamente, por</p><p>exemplo, a rima e a métrica. O que está em jogo, aqui, não é a estética</p><p>do poema, mas o quesito oralidade do aluno, a partir de sua vivência</p><p>com o texto de cordel.</p><p>Neste sentido, Pinheiro (2004, p.105)) afirma: “Nada de imposi-</p><p>ção. Para quem pensa em trabalhar a cultura popular na escola, a partir</p><p>da experiência oral da criança isso nos parece de fundamental impor-</p><p>tância”.</p><p>Ainda com relação à experiência com a literatura popular, no</p><p>que se refere ao relato de experiência, o grande poeta Manuel Bandei-</p><p>ra (1990, p.33-34 apud PINHEIRO, p.105) afirma:</p><p>O meu primeiro contato com a poesia sob a forma de versos terá</p><p>sido provavelmente em contos de fadas, em histórias de carochi-</p><p>nhas (...) Aos versos dos contos de carochinhas devo juntar algu-</p><p>mas cantigas de roda, algumas das quais sempre me encantaram,</p><p>como ‘Roseira, da -me uma rosa”. O anel que tu me deste” (...).</p><p>Falo destas porque as utilizei em poema (...) enfim versos de toda</p><p>a sorte que me ensinava meu pai.</p><p>Assim como a poesia popular foi um fator decisivo na carreira</p><p>literária de um grande escritor, filho da aristocracia, como Bandeira,</p><p>também poderá ser um elemento determinante no processo de ensi-</p><p>no-aprendizagem de cada aluno. Neste depoimento, percebe-se clara-</p><p>mente o quanto é importante a experiência com a cultura popular. Mas,</p><p>como já dito aqui anteriormente, nossa tradição escolar sempre deixou</p><p>de lado esse manancial.</p><p>De acordo com Pinheiro (2004, p.106), uma questão metodológi-</p><p>ca para quem trabalha ou pretende trabalhar com a poesia popular e,</p><p>128</p><p>Literatura de Cordel na Escola: Uma Proposta de Letramento Literário no Ensino Fundamental</p><p>sobretudo em sala de aula, é com relação ao ouvir. É importante “ouvir,</p><p>é preciso estar de ouvidos bem abertos”.</p><p>Ouvir. Talvez esteja aí uma questão metodológicas da maior im-</p><p>portância para quem deseja trabalhar com a poesia popular.</p><p>Abrir os ouvidos para os ritmos, para as falas, para os versos que</p><p>viajam de boca em boca na experiência do povo. Pode haver aí</p><p>muita beleza a que não damos atenção.</p><p>Para este tipo de trabalho, é preciso também se ter “uma atitude</p><p>humilde,” nada de preconceito. A este respeito Pinheiro (2004, p.107)</p><p>afirma: “[...] E ouvi-las pressupõe uma atitude humilde, nada precon-</p><p>ceituosa com a cultura do povo. A atitude preconceituosa nos faz deixar</p><p>de saborear tantas belezas.”A competência leitora do aluno em muito</p><p>depende do poder fazer e do ser ouvido, no diálogo com o outro que</p><p>o produziu, pois cabe à escola garantir o uso da linguagem, do novo</p><p>e dos mais diferentes gêneros textuais no seu espaço. Sobre isso, de</p><p>acordo com os PCNs (1999, p.144),</p><p>A competência do aluno depende, principalmente, do poder di-</p><p>zer/escrever, de ser alguém que merece ser ouvido /lido. A esco-</p><p>la não pode garantir o uso da linguagem fora de seu espaço[...]”.</p><p>Além disso, o trabalho com a poesia popular nas aulas de lite-</p><p>ratura é também mais uma importante oportunidade para se trabalhar</p><p>a interdisciplinaridade. Pela proposta dos Parâmetros Curriculares Na-</p><p>cionais de (1999, p.88),</p><p>O conceito de interdisciplinaridade fica mais claro quando se</p><p>considera o fato trivial de que todo o conhecimento mantém um</p><p>diálogo permanente com os outros conhecimentos”.</p><p>Mediante o exposto, fica evidente que trabalhar com literatura</p><p>de cordel é estar aberto às novas experiências a cada leitura que se faz</p><p>de um texto.</p><p>E é também sobre esta poesia em sala de aula a que Moisés</p><p>(2012, p.06) também se refere:</p><p>Refiro-me à poesia em sala de aula, que é onde ela precisa estar,</p><p>mas onde deve, acima de tudo, ser tratada de modo adequado,</p><p>129</p><p>Literatura de Cordel na Escola: Uma Proposta de Letramento Literário no Ensino Fundamental</p><p>isto é, como experiência afetiva, cultural, artística, que as pessoas</p><p>naturalmente amam e à qual deveriam dedicar-se por prazer, não</p><p>por obrigação.</p><p>Entretanto, vale lembrar que, para este tipo de trabalho de</p><p>aprendizagem com a poesia, os alunos devem estar bem motivados.</p><p>Mas esse processo de despertar o interesse para o aprender reves-</p><p>te-se de uma forte relação afetiva. Na educação, segundo Tapia, Fita</p><p>(1999), essa motivação vem sendo definida como iniciação e manuten-</p><p>ção do comportamento, objetivando alcançar uma meta.</p><p>Assim sendo, propomos aos professores de literatura desenvol-</p><p>ver na sala de aula atividades de leitura oral de cordéis com o intuito</p><p>de, como nos diz Bentes (2012, p.7): “promover a experiência da leitura</p><p>de folhetos de cordel, privilegiando a imersão dos leitores no universo</p><p>ali construído”.</p><p>Com base em Marinho e Pinheiro (2012), o professor poderá</p><p>também desenvolver atividades de leitura/escrita que contemplem al-</p><p>guns tópicos, tais como: a) oferecer aos alunos informações básicas</p><p>sobre a história do cordel e alguns temas nele presentes; b) promover</p><p>discussões e debates em sala de aula a partir dos cordéis lidos; c) de-</p><p>senvolver leitura e discussão das ilustrações dos folhetos; d) cantar o</p><p>cordel em sala; e) ilustrar as histórias contadas nestes cordéis; e f) in-</p><p>centivar os alunos a criarem suas próprias histórias a partir da leitura</p><p>dos cordéis.</p><p>Também acrescentamos a esta proposta: aprender o que é apre-</p><p>ciar as xilogravuras; compreender a riqueza da literatura de cordel; e</p><p>produzir cordéis por escrito, preservando fidelidade às características</p><p>do gênero.</p><p>6. Considerações finais</p><p>Ensinar literatura na escola de Educação Básica no Brasil ainda</p><p>é um grande desafio para muitos educadores e, principalmente, quan-</p><p>do se trata de um tema específico, como é o caso do cordel. No entanto,</p><p>este tipo de trabalho no espaço da sala de aula significa ampliar as ex-</p><p>periências pessoais e subjetivas dos nossos alunos com o texto poético</p><p>e, em especial, com a poesia popular.</p><p>130</p><p>Literatura de Cordel na Escola: Uma Proposta de Letramento Literário no Ensino Fundamental</p><p>Cabe, então, ao professor, na condição de orientador e media-</p><p>dor desse tipo de trabalho com a leitura de cordéis possibilitar aos</p><p>seus alunos momentos de apropriação do texto literário, criando um</p><p>ambiente de trocas de experiências com a cultura popular como ins-</p><p>trumento de pertencimento e de inclusão sócio-cultural.</p><p>Defendemos com isso, que a literatura popular, em especial o</p><p>gênero cordel, passe a ser objeto de ensino e de aprendizagem nas</p><p>aulas de literatura nos anos finais de Educação Básica em turma de 8ºe</p><p>9º ano, com foco na oralidade do aluno.</p><p>Assim sendo, a relevância deste artigo se justifica não apenas</p><p>pelos objetivos a que ele se propõe, mas também por levar a poesia</p><p>popular à sala aula como possibilidades de construtos de sentidos,</p><p>como patrimônio artístico-cultural do povo nordestino e, principalmen-</p><p>te, como um exercício de metodologia “autor reflexiva” de nossos pro-</p><p>fessores de linguagem sobre a sua prática docente acerca do ensino</p><p>de literatura no Ensino Fundamental.</p><p>Referências</p><p>AGUIAR e SILVA, Vitor Manuel de. Teoria</p><p>da literatura. Coimbra: Li-</p><p>vraria Almedina, 1994.</p><p>AYALA, Marcos e AYALA, Maria Novais. Cultura Popular no Brasil. 2.</p><p>ed. São Paulo: Ática, 2012.</p><p>BAGNO, Marcos. Preconceito Linguístico: o que é, como se faz. São</p><p>Paulo: Loyola,2004.</p><p>BENTES, Ana Cristina. Trabalhando com o cordel na escola. In MARI-</p><p>NHO, Ana Cristina; PINHEIRO, Helder. O cordel no cotidiano escolar.</p><p>São Paulo: Cortex, 2012.</p><p>BRAGATTO FILHO Paulo. Pela leitura literária na escola de 1º grau.</p><p>São Paulo: Ática, 1995.</p><p>BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: Terceiro e quarto ci-</p><p>clos do ensino fundamental de Língua Portuguesa. MEC Secretaria da</p><p>educação fundamental. Brasília: 1998.</p><p>BRASIL. Base Nacional Comum Curricular, 2018.</p><p>131</p><p>Literatura de Cordel na Escola: Uma Proposta de Letramento Literário no Ensino Fundamental</p><p>CANDIDO, Antonio. O direito à literatura. Vários escritos. São Paulo:</p><p>Duas Cidades, 1995.</p><p>COSSON, Rildo. Letramento Literário: Teoria e Prática. São Paulo:</p><p>Contexto,2009.</p><p>EVARISTO, Marcela Cristina. O cordel em sala de aula. In CORTEZ, He-</p><p>lena Negamine Brandão. Ensinar com textos: Gêneros do discurso na</p><p>escola. São Paulo: Editora 34, 2007.</p><p>FOUCAMBERT, Jean. A leitura em questão. Tradução de Bruno Char-</p><p>les Magne. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994.</p><p>GULLAR, Ferreira. Cultura posta em questão/Vanguarda e subde-</p><p>senvolvimento. Rio: José Olympio, 1980.</p><p>LAJOLO, Marisa. Do mundo da leitura para a leitura do mundo. São</p><p>Paulo: Ática, 1983.</p><p>MARINHO, Ana Cristina. PINHEIRO, Helder. O cordel no cotidiano</p><p>escolar. São Paulo: Cortex, 2012.</p><p>MOISÉS, Carlos Felipe. Poesia não é difícil. São Paulo: Birut, 2012.</p><p>NEGREIROS, Eliana Costa da Cruz de. Cordel: leitura e escrita. In: Pro-</p><p>grama Mídias na Educação. São Paulo: NEC/USP-CEAD/UFPE, 2016.</p><p>PCNs Parâmetros Curriculares Nacionais -MEC. Brasília: 1998-1999</p><p>/2001/2007/2010.</p><p>PINHEIRO, Helder. Pesquisa com literatura de cordel. In: PAIVA, Apare-</p><p>cida. (Coord.). Democratizando a Leitura: Pesquisas e Práticas. Belo</p><p>Horizonte: Ceale,2004.</p><p>SANTOS, Claudia Jacinto de Medeiros. A literatura popular na sala</p><p>de aula: uma proposta para o ensino de leitura literária. Currais No-</p><p>vos: UFRN, 2016.</p><p>TAPIA, FITA. A motivação em sala de aula. São Paulo: 2001.</p><p>ZILBERMAN, Regina. A literatura infantil na escola. São Paulo: Glo-</p><p>bal, 1997.</p><p>132</p><p>Microcontos: proposta de leitura literária em uma escola de Bataguassu, MS</p><p>MICROCONTOS: PROPOSTA DE LEITURA LITERÁRIA</p><p>EM UMA ESCOLA DE BATAGUASSU, MS</p><p>Talita Mendes da Silva</p><p>Rauer Ribeiro Rodrigues</p><p>1 Introdução</p><p>Considerando a evolução do mundo em todos os sentidos e prin-</p><p>cipalmente nas tecnologias, cabe também à escola acompanhar</p><p>a velocidade dos tempos e fazer uso das tecnologias digitais da</p><p>comunicação e da informação com o intuito de facilitar a aprendiza-</p><p>gem dos alunos.</p><p>Nesse sentido, o trabalho escolar da leitura, em nossos dias,</p><p>deve ter por essencial o foco em gêneros literários em que prevale-</p><p>cem a rapidez e exatidão da construção, tendo em vista a compreensão</p><p>textual. Trata-se, esse, do perfil de um leitor dinâmico, que precisa ser</p><p>construído paulatinamente, pois encontramos textos a todo momento,</p><p>e eles exigem esforço contínuo de fruição leitora. Dentro dessa neces-</p><p>sidade contextual, os microcontos promovem um diálogo para com a</p><p>formação de leitores competentes em contexto de uso das tecnologias</p><p>digitais da comunicação e da informação.</p><p>Segundo Castrillón (2011, p.19), a leitura “[n]ão é um luxo das</p><p>elites que possa ser associado ao prazer e a recreação, tampouco uma</p><p>obrigação imposta pela escola. É um direito de todos que, além disso,</p><p>permite um exercício pleno da democracia”. Nesse processo de signi-</p><p>ficação, ressignificação e construção da aprendizagem, institui-se a for-</p><p>mação integral do estudante por meio da leitura literária.</p><p>Para conceber a leitura do texto Marisa Lajolo afirma:</p><p>Ler um texto não é decifrar, como num jogo de adivinhações, o</p><p>sentido de um texto. É, a partir do texto, ser capaz de atribuir-lhe</p><p>significado, conseguir relacioná-lo a todos os outros textos signi-</p><p>ficativos para cada um, reconhecer nele o tipo de leitura que seu</p><p>autor pretendia e, dono da própria vontade, entregar-se a esta</p><p>leitura, ou rebelar-se contra ela, propondo outra não prevista. (LA-</p><p>JOLO,1982, p. 59)</p><p>133</p><p>Microcontos: proposta de leitura literária em uma escola de Bataguassu, MS</p><p>Diante desse cenário, e seus anseios no ensino, nos deparamos</p><p>com os seguintes questionamentos: Qual a importância da formação</p><p>leitora literária reflexiva e crítica diante da defasagem da aprendiza-</p><p>gem escolar?; qual o papel da construção do texto literário no ensino</p><p>da língua materna em sala de aula nos anos finais do Ensino Funda-</p><p>mental?</p><p>Mediante essas inquietações, organizamos um trabalho paula-</p><p>tino para a inserção da leitura literária nas aulas de língua materna a</p><p>partir do estudo literário do microconto, tendo em vista aprofundar o</p><p>desenvolvimento do hábito leitor e estimular o gosto pela leitura con-</p><p>siderando as concretudes do sistema educacional.</p><p>Visamos promover estratégias para a formação leitora do estu-</p><p>dante e o desenvolvimento da aprendizagem das habilidades e com-</p><p>petências por meio da leitura e compreensão de microcontos, oportu-</p><p>nizando condições essenciais e necessárias para a reflexão crítica e o</p><p>êxito em sua vida social e escolar.</p><p>Ao direcionar ações didático-pedagógicas para a formação</p><p>leitora, proporcionamos a reflexão e sensibilização crítica, a partir do</p><p>estímulo à prática de leitura por meio dos microcontos. Pretendemos,</p><p>também, promover a consciência das habilidades e competências da</p><p>leitura literária; promover o envolvimento dos educandos para a cons-</p><p>trução de um ambiente leitor, assim como fortalecer a prática do letra-</p><p>mento literário com foco em desenvolver no estudante a proficiência</p><p>da leitura e escrita.</p><p>Para nortear nossas ações, teremos por base avaliações exter-</p><p>nas e internas, de modo a quantificar e comparar o resultado de nosso</p><p>projeto.</p><p>O aporte teórico que fundamentou e buscou como fonte a for-</p><p>mação para a leitura literária trabalho foi: Lajolo (1982), Abreu (2006),</p><p>Colomer (2007, 2008), Bordini e Aguiar (1993), e Candido (1972).</p><p>A partir do desenvolvimento do trabalho, obtivemos novos olha-</p><p>res para o ensino da língua materna e o ensino da leitura literária, re-</p><p>velando conhecimentos antes imperceptíveis na atuação diária em sala</p><p>de aula.</p><p>134</p><p>Microcontos: proposta de leitura literária em uma escola de Bataguassu, MS</p><p>Observamos que é de suma importância o trabalho do ensino</p><p>da leitura literária para que sejam estabelecidas estratégias e inova-</p><p>ções com o intuito de incentivar a leitura e desenvolver suas habilida-</p><p>des e competências, sendo avaliadas as dimensões do ensino literário</p><p>que impacta o cotidiano das pessoas, em especial a vida pessoal e es-</p><p>colar das crianças.</p><p>Pretendemos, neste trabalho, apresentar uma proposta de inter-</p><p>venção na modalidade de pesquisa-ação, explicitando os fundamentos</p><p>teóricos e a metodologia, assim como apresentar um passo-a-passo da</p><p>intervenção no espaço-tempo escolar com a realização de atividades</p><p>semanais de leitura literária ao longo de um bimestre escolar.</p><p>2. A presença da leitura literária na sala de aula</p><p>Ao realizar a revisão da BNCC, percebemos o lugar da Literatu-</p><p>ra como uma figurante no processo do ensino da língua. Todorov (2009,</p><p>p. 11) reivindica que o texto literário volte a ocupar o centro e não a</p><p>periferia do processo educacional (e, por conseguinte, da nossa forma-</p><p>ção como cidadãos), em especial nos cursos de literatura.</p><p>Ao promover o desenvolvimento e estimular os estudantes ao</p><p>acesso à leitura, formamos sujeitos críticos e leitores para uma socie-</p><p>dade justa e democrática.</p><p>A literatura tem função psicológica em resposta a uma necessi-</p><p>dade universal na busca de satisfação, do prazer, da construção e des-</p><p>coberta da significação e da multissignicação.</p><p>Segundo Candido,</p><p>A produção e fruição desta [da literatura] se baseiam numa es-</p><p>pécie de necessidade universal de ficção e de fantasia,</p><p>que dê</p><p>certo é coextensiva ao homem, pois aparece invariavelmente em</p><p>sua vida, como indivíduo e como grupo, ao lado da satisfação das</p><p>necessidades mais elementares. E isto ocorre no primitivo e no</p><p>civilizado, na criança e no adulto, no instruído e no analfabeto.</p><p>(CANDIDO,1972, p. 83)</p><p>É essencial que as ações do professor, em sala de aula e para</p><p>extrassala de aula, atendam às necessidades reais dos estudantes, con-</p><p>siderando-os participantes ativos do processo de aprendizagem, tor-</p><p>nando-os protagonistas de suas ações e reações no ensino da Língua</p><p>135</p><p>Microcontos: proposta de leitura literária em uma escola de Bataguassu, MS</p><p>Materna. Estratégia fundamental, essencial, é resgatar a leitura literária</p><p>por meio da aproximação simultânea dos textos clássicos e dos textos</p><p>contemporâneos. Nesse momento, o microconto de nossos dias – por</p><p>sua intertextualidade antropofágica de base – aflora em opção natural.</p><p>Considerando a literatura a partir do conceito de que é a mais</p><p>alta expressão verbal de uma língua, capaz de condensar em si – em</p><p>termos estruturais e quanto à representação temática – o referente his-</p><p>tórico e os demais aspectos do hic et nunc que envolvem os enunciado-</p><p>res reais e simbólicos, intratextuais.</p><p>Assim sendo, verifiquemos a interface da literatura com o ensi-</p><p>no a partir de Bajour:</p><p>A literatura é vista como o instrumento mais atrativo para falar</p><p>sobre problemas sociais, questões relacionadas a valores, assuntos</p><p>escolares ou situações pessoais. Quando essa perspectiva</p><p>predomina, a linguagem artística corre o risco de ficar reduzida</p><p>tão somente a uma representação de fachada sedutora pela qual</p><p>se entra para tratar de diversos temas. (BAJOUR, 2012, p.26)</p><p>A leitura temática não deve ser o foco do estudo de literatura,</p><p>embora possa, também, ser objeto de reflexão das obras, conforme in-</p><p>dicam alguns documentos oficiais, entre eles o Currículo de Referência</p><p>de Mato Grosso do Sul, invocando os temas contemporâneos. Assim, é</p><p>possível salientar – nas obras literárias, em particular nos microcontos</p><p>selecionados – a importância da diversidade cultural, valorizando-a e</p><p>a respeitando; cabe, no caso, mediar o trabalho e o apresentar no pro-</p><p>cesso educacional de modo a compreender cada texto na sua maior</p><p>amplitude, poética e referencial.</p><p>Ademais, o processo de ensino deve apresentar as possibilida-</p><p>des de textos e obras, aspectos que são favoráveis ao desenvolvimento</p><p>do hábito leitor, a partir da busca de compreender cada texto em múl-</p><p>tiplas profundidades, possibilitando ao estudante comparar as obras e</p><p>poder escolher suas leituras; e, acima de tudo, propiciar diálogo com</p><p>a alteridade e com o mundo e desenvolver o prazer que a boa leitura</p><p>pode oferecer.</p><p>136</p><p>Microcontos: proposta de leitura literária em uma escola de Bataguassu, MS</p><p>3 Propostas de mediação do texto literário</p><p>A partir das condições do ensino atual sobre a formação de lei-</p><p>tores competentes, traçou-se este projeto de intervenção com base na</p><p>leitura literária a partir dos microcontos.</p><p>Michel Thiollent (1988, p. 13) orienta o papel da metodologia</p><p>“como sendo o de conduzir o trabalho interventivo de acordo com as</p><p>exigências científicas”.</p><p>Doravante, organizamos um caminho na sequência didática por</p><p>Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004), que apontam, de forma clara, que</p><p>uma sequência didática tem por finalidade “ajudar o aluno a dominar</p><p>melhor um gênero, permitindo, assim, escrever ou falar de maneira</p><p>mais adequada numa dada situação de comunicação” (p. 97); adapta-</p><p>mos a proposta tendo em vista o trabalho para a formação leitora no</p><p>processo de leitura de microcontos.</p><p>O ato da leitura de um microconto é um exercício que necessita</p><p>do leitor imaginação, fabulação e poder de síntese, além de proporcio-</p><p>nar uma brincadeira divertida (não que seja fácil) à medida que abre</p><p>diversas possibilidades para cada estudante suplementar a micronar-</p><p>rativa de acordo com seus conhecimentos prévios e criatividade.</p><p>Diante da perspectiva da sequência didática para o desenvolvi-</p><p>mento leitor, o trabalho abordará o Método Recepcional, que incide em</p><p>refletir o fenômeno literário, a partir da ótica do leitor, promovendo a</p><p>atitude participativa do educando em contato com os diferentes textos.</p><p>Para Bordini e Aguiar (1993, p. 85),</p><p>Partindo do horizonte de expectativas do grupo, em termos de</p><p>interesses literários, determinados por suas vivências anteriores,</p><p>o professor provoca situações que propiciem o questionamento</p><p>desse horizonte. Tal atitude implicaria um distanciamento do es-</p><p>tudante, uma vez que revisa criticamente seu próprio comporta-</p><p>mento, redundando na ruptura do horizonte de expectativas e seu</p><p>consequente alargamento. Com o ajustamento a essa nova situa-</p><p>ção, o passo seguinte é a oferta pelo professor de diferentes leitu-</p><p>ras que, por se oporem às experiências anteriores, problematizam</p><p>o aluno, incitando-o a refletir e instaurando a mudança através de</p><p>um processo contínuo. Como o sujeito é entendido como um ser</p><p>social, sua transformação implica a alteração do comportamento</p><p>de todo o grupo, atingindo a escola e a comunidade.</p><p>137</p><p>Microcontos: proposta de leitura literária em uma escola de Bataguassu, MS</p><p>Nessa conjectura, o professor tem função primordial de media-</p><p>dor e de promover atividades elucidativas didático-pedagógicas, reor-</p><p>ganizadas para a construção de significados e de relevância para a for-</p><p>mação integral do educando.</p><p>Ao analisar e refletir sobre o ensino de literatura e a mobiliza-</p><p>ção para com os textos literário, não podemos nos esquecer da verda-</p><p>deira leitura literária, que se pauta na fruição, no sentir as emoções,</p><p>despertar o imaginário, construir um caminho sobre o enredo, analisar</p><p>as capacidades físicas e psicológicas das personagens, construir um</p><p>cenário que passa do literal para o sentido da literacidade.</p><p>Conforme Sírio Possenti,</p><p>[...] se a escola tiver um projeto de ensino interessante, através</p><p>da leitura, esse aluno terá tido cada vez mais contato com a língua</p><p>escrita, na qual se usam as formas padrões que a escola quer que</p><p>ele aprenda. (POSSENTI, 1996, p. 51).</p><p>Dessa forma, a organização do trabalho para a formação de lei-</p><p>tura será desenvolvida diante da sequência didática, baseada em um</p><p>esquema proposto por DOLZ; NOVERRAZ; SCHNEUWLY (2004), consti-</p><p>tuída pelos seguintes passos: apresentação da situação, produção ini-</p><p>cial, módulo 1, módulo 2, módulo 3 e produção final, como demonstra</p><p>o esquema abaixo:</p><p>Figura 1(DOLZ; NOVERRAZ; SCHNEUWLY, 2004, p. 97)</p><p>Partindo desse ponto, as atividades terão uma ordem diagnós-</p><p>tica, conceitual, abrangente, compreensiva, leitora e de produção tex-</p><p>tual, avançando um degrau a cada atividade e problematização aplica-</p><p>138</p><p>Microcontos: proposta de leitura literária em uma escola de Bataguassu, MS</p><p>da. Com o intuito explorador e formador, será construída a fruição dos</p><p>sentidos, a imaginação e ressignificação do texto. Para Cosson:</p><p>Ao selecionar um texto, o professor não deve desprezar o cânone,</p><p>pois é nele que encontrará a herança cultural de sua comunidade.</p><p>Também não pode se apoiar apenas na contemporaneidade dos</p><p>textos, mas sim em sua atualidade. (COSSON, 2006, p. 35-36)</p><p>Nesse sentido, o trabalho com os textos tradicionais é de suma</p><p>importância, mas fará uma correlação entre o contemporâneo e o tra-</p><p>dicional, unindo o conhecimento e dando às dimensões dos aspectos</p><p>literários o intuito de formação do leitor.</p><p>As atividades serão divididas por semanas, explorando os ele-</p><p>mentos e sentidos que o texto possa permitir de forma explícita ou im-</p><p>plícita. A formação se dará ao observar o centro literário internalizado</p><p>no texto trabalhado.</p><p>Os módulos serão organizados por temáticas e princípios da</p><p>construção de sentidos do texto com vistas a significação e plurissig-</p><p>nificação.</p><p>Vamos ao passo-a-passo semanal – que abrange um bimestre</p><p>letivo – projetado.</p><p>3.1 Oficinas de leitura</p><p>Oficina 1: Princípio Narrativo</p><p>Leitura: Doce de leite, Alexandre Marino.</p><p>Motivação: memórias da Infância em visita a familiares.</p><p>Desdobramento:</p><p>trazer de casa desenhos e fotos de encontros</p><p>familiares.</p><p>Leituras complementares: O corvo e O poço e o pêndulo, Edgar</p><p>Allan Poe.</p><p>Microconto: diálogo familiar durante um jantar com até 15 linhas</p><p>Oficina 2: Suspense Narrativo</p><p>Leitura: A porta aberta, Saki (Hector Hugh Munro)</p><p>Motivação: narratividade a partir de um objeto, situação ou ex-</p><p>pressão predominante.</p><p>139</p><p>Microcontos: proposta de leitura literária em uma escola de Bataguassu, MS</p><p>Conceito: característica e diferenciação entre microconto e con-</p><p>to.</p><p>Desdobramento: idealizar um objeto, situação ou expressão</p><p>para construção incógnita.</p><p>Leituras complementares: As formigas, Lygia Fagundes Telles.</p><p>Microconto: formular uma narrativa de suspense a partir de um</p><p>objeto, circunstância ou expressão.</p><p>Oficina 3: Horizontes de Propósitos e Despropósitos</p><p>Leitura: Esfera, de Alexandre Marino.</p><p>Motivação: situação de motivação e desmotivação.</p><p>Desdobramento: alinhar as menções e propósitos da vida em</p><p>sociedade.</p><p>Leituras complementares: O menino que carregava água na pe-</p><p>neira, Manoel de Barros.</p><p>Microconto: formular escrita objetivada na poética.</p><p>Oficina 4: Cultura Regional</p><p>Leitura: Cidadezinha Qualquer, Carlos Drummond de Andrade.</p><p>Motivação: construção e conectividade com o ambiente (rela-</p><p>ção de natureza e do Eu).</p><p>Desdobramento: pesquisar características peculiares do estado</p><p>do Mato Grosso do Sul.</p><p>Leituras complementares: Simplicidade, Pato Fu.</p><p>Microconto: propor a visão regionalista por meio da imagem na</p><p>produção escrita com até 10 linhas.</p><p>Oficina 5: Ordem Cinética</p><p>Leitura: Sobre emudecer-se, Larissa Valdier.</p><p>Motivação: observação visual e poética do texto.</p><p>Desdobramento: pensar em uma brincadeira ou brinquedo.</p><p>Leituras complementares: O poeta, Millôr Fernandes.</p><p>Microconto: como brincar com o brinquedo e a brincadeira</p><p>com até 15 linhas e formulado numa construção cinética.</p><p>Oficina 6: O dia em que...</p><p>Leitura: De quem é a culpa?, Evandro Barbosa.</p><p>140</p><p>Microcontos: proposta de leitura literária em uma escola de Bataguassu, MS</p><p>Motivação: fatos corriqueiros do cotidiano (as minucias do dia</p><p>a dia).</p><p>Desdobramento: lembrar de um fato acontecido numa viagem.</p><p>Leituras complementares: Catadores de Tralhas e Sonhos, Mil-</p><p>ton Hatoum.</p><p>Microconto: observação de um fato ocorrido em uma rua com</p><p>até 15 linhas.</p><p>A cada semana será trabalhado de modo diferente cada uma</p><p>das etapas das oficinas, a saber: Leitura, motivação, desdobramento,</p><p>leituras complementares, proposição de microconto. E nessa perspec-</p><p>tiva, de acordo com as realizações, reavaliar as atividades desenvolvi-</p><p>das, os novos horizontes de expectativas (literários, escolares e exis-</p><p>tenciais) dos alunos, para definir as etapas da nova oficina.</p><p>4 Considerações finais</p><p>O ensino da leitura literária deve buscar de forma contextual e</p><p>integral o texto literário de alto nível de exigência de linguagem para</p><p>desenvolver as habilidades e a competência leitora, que conduzem as</p><p>práticas em sala de aula, e promover estratégias e inovações com o</p><p>intuito de incentivar a formação leitora do estudante por meio – neste</p><p>caso – da leitura literária de microcontos.</p><p>A mediação semanal do texto literário em sala de aula elucida</p><p>o processo de aprendizagem leitora, capacitando a estimular a criativi-</p><p>dade, desenvolver vocabulário e concomitantemente superar as defa-</p><p>sagens escolares. Aprender na coletividade é essencial para a forma-</p><p>ção integral humana, cidadã, crítica e criativa, compartilhando saberes</p><p>e vivências.</p><p>Esperamos que as propostas e o projeto aqui apresentados con-</p><p>tribuam para o processo de investigação e informação sobre os aspec-</p><p>tos da prática de leitura literária a partir de microcontos; esperamos,</p><p>também, compartilhar a veracidade dos elementos pesquisados não</p><p>somente com os colegas professores do ensino de língua materna, mas</p><p>também com os professores das demais áreas do conhecimento; não</p><p>se trata de um espelho a ser seguido, mas um apoio a continuar na</p><p>luta que deve ser perseguida; estamos convictos de que realizar a in-</p><p>serção da leitura literária cotidianamente em sala de aula proporcio-</p><p>141</p><p>Microcontos: proposta de leitura literária em uma escola de Bataguassu, MS</p><p>na aprendizagem a todos os alunos de forma diferenciada, nos termos</p><p>propostos por Heloiza Moreno (2020), e temos convicção de que, com a</p><p>leitura literária semanal, ao longo de todo o ano letivo, vamos superar</p><p>defasagens e avançar na aprendizagem. Em tempos pós-covid, diante</p><p>de defasagem que ficou ainda mais larga e mais profunda, isso se faz</p><p>ainda mais necessário.</p><p>Referências</p><p>ABREU, Márcia. Cultura letrada: literatura e leitura / Márcia Abreu. –</p><p>São Paulo: Editora UNESP, 2006.</p><p>AGUIAR, Vera Teixeira; BORDINI, Maria da Glória. Literatura: a for-</p><p>mação do leitor: alternativas metodológicas. Porto Alegre: Mercado</p><p>Aberto, 1993.</p><p>BAJOUR, Cecilia. Ouvir nas entrelinhas: o valor da escuta nas práti-</p><p>cas de leitura. São Paulo: Editora Pulo do Gato, 2012.</p><p>BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, 2017. Dis-</p><p>ponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_</p><p>20dez_site.pdf. Acesso em 27 maio 2022.</p><p>CANDIDO, Antonio. A literatura e a formação do homem. São Paulo:</p><p>Ciência e Cultura; v. 24, p. 803-809, 1972.</p><p>CANDIDO, Antonio. Direitos Humanos e literatura. In: A.C.R. Fester</p><p>(Org.) Direitos humanos E… Cjp / Ed. Brasiliense, 1989.</p><p>CASTRILLÓN, Silvia. O direito de ler e de escrever. São Paulo: Pulo</p><p>do Gato, 2011.</p><p>COLOMER, Teresa. Andar entre livros: a leitura literária na escola.</p><p>São Paulo: Global, 2007.</p><p>COLOMER, Teresa. Andar entre livros: A leitura literária na escola. In:</p><p>INSTITUTO C&A. Nos caminhos da literatura. Apoio FNLIJ. São Paulo:</p><p>Peirópolis, 2008. p.16-24.</p><p>COSSON, R. Letramento literário: teoria e prática. São Paulo:</p><p>Contexto, 2006</p><p>about:blank</p><p>about:blank</p><p>142</p><p>Microcontos: proposta de leitura literária em uma escola de Bataguassu, MS</p><p>DOLZ, J.; NOVERRAZ, M.; SCHNEUWLY, B. Sequências didáticas para o</p><p>oral e a escrita: apresentação de um procedimento. In: DOLZ, J.; SCHE-</p><p>NEUWLY, B. Gêneros orais e escritos na escola. Trad. e org.: R.Rojo e</p><p>G. S. Cordeiro, Campinas: Mercado de Letras, 2004, pp. 95-128.</p><p>LAJOLO, Marisa. Usos e abusos da literatura na escola. Rio de Janei-</p><p>ro: Globo, 1982.</p><p>MORENO, Heloiza de Souza. A literatura no centro do ensino da</p><p>língua materna: superando defasagens e avançando na aprendi-</p><p>zagem. Dissertação – ProfLetras – CPTL, UFMS, 2020. Orientador:</p><p>Rauer Ribeiro Rodrigues. Disponível em .</p><p>SILVA. Eldio Pinto da. 2019. A literatura no ensino fundamental na</p><p>base nacional comum curricular: uma reflexão crítica. Braz. J. of</p><p>Develop. Curitiba, v. 5, n. 10, p. 22027-22043. Encontra se no site: ht-</p><p>about:blank</p><p>about:blank</p><p>about:blank</p><p>143</p><p>Microcontos: proposta de leitura literária em uma escola de Bataguassu, MS</p><p>tps://brazilianjournals.com/index.php/BRJD/article/view/4158/3924</p><p>Acesso em 05 jun. 2022.</p><p>SOUZA, Fabrina Martinez de; RODRIGUES, Rauer Ribeiro. 2011. Uma</p><p>introdução historiográfica</p><p>ao estudo do microconto brasileiro. In: Ca-</p><p>randá: Revista do Curso de Letras do Campus do Pantanal – UFMS. n.4,</p><p>Corumbá-MS, nov. 2011, p.253, 273.</p><p>THIOLLENT, Michel. Metodologia da pesquisa-ação. 4. ed. São Paulo:</p><p>Cortez: Autores Associados, 1988. (Coleção “Temas básicos de pes-</p><p>quisa-ação”).</p><p>TODOROV, Tzvetan. A literatura em perigo. Rio de Janeiro: DIFEL,</p><p>2009. Tradução de Caio Meira.</p><p>about:blank</p><p>144</p><p>“Não serei anônima”: uma proposta de oficina temática com a poesia slam de autoria Feminina</p><p>“NÃO SEREI ANÔNIMA”: UMA PROPOSTA DE</p><p>OFICINA TEMÁTICA COM A POESIA SLAM DE AUTORIA</p><p>FEMININA</p><p>Elaine Sant Antonio</p><p>Moama Lorena de Lacerda Marques</p><p>1 Apresentando a proposta...</p><p>Considerando questões de identidade e autorrepresentação no</p><p>contexto da ação/produção poética feita por mulheres, bem</p><p>como a importância da sua presença na sala de aula, a proposta</p><p>de mediação de leitura de poesia que será apresentada está ancorada</p><p>na promoção da voz lírica feminina. Nesse sentido, selecionamos como</p><p>objeto de trabalho a poesia slam, a qual, à medida que ganha popula-</p><p>ridade como modalidade da poesia falada, nos permite ter um contato</p><p>maior com poetas brasileiras que adentram diversos espaços de mani-</p><p>festação artístico-literária, em especial aqueles voltados para questões</p><p>políticas, a exemplo de pautas feministas e antirracistas.</p><p>Comprometidas, pois, com essas pautas no contexto da educa-</p><p>ção, apresentaremos, como sugestão de trabalho para professores(as)</p><p>do ensino fundamental, as atividades elaboradas em uma das oficinas</p><p>que integram nossa dissertação de mestrado: Poesia para ser dita em voz</p><p>alta: uma proposta de letramento com slams de autoria feminina1.1Rea-</p><p>lizada no âmbito do PROFLETRAS UFPB, Unidade Mamanguape, elas</p><p>compreenderam o planejamento de uma prática pedagógica que tem,</p><p>por objetivo geral, contribuir para a promoção do letramento literário</p><p>por meio da leitura e análise de textos da antologia Querem nos calar:</p><p>Poemas para serem lidos em voz alta.</p><p>Organizada por Mel Duarte, um dos nomes mais conhecidas do</p><p>Slam no Brasil, a referida antologia traz à tona o poder e a representa-</p><p>tividade das vozes de 15 poetas de diferentes regiões do país, que, em</p><p>1 A dissertação na íntegra pode ser conferida em: https://repositorio.ufpb.br/jspui/</p><p>handle/123456789/21411?locale=pt_BR</p><p>145</p><p>“Não serei anônima”: uma proposta de oficina temática com a poesia slam de autoria Feminina</p><p>uma diversidade de estéticas, denunciam, em seus versos, opressões</p><p>e violências, sobretudo de gênero, classe e raça, em uma perspectiva</p><p>interseccional.</p><p>Partindo de um título de Ryane Leão, a oficina escolhida, intitu-</p><p>lada “Não serei anônima”, foi organizada de modo a levar os(as) alu-</p><p>nos(as) a compreenderem a poesia slam e seus desdobramentos como</p><p>uma prática de letramento na qual questões metalinguísticas são atre-</p><p>ladas a questões identitárias. Com ela, nossa intenção é mobilizar o re-</p><p>conhecimento dos aspectos estéticos e sociais abordados nos poemas,</p><p>a fim de potencializar a afirmação da voz da mulher. Nesse sentido,</p><p>compreendemos como importante considerar o contexto de uma so-</p><p>ciedade estruturalmente edificada a partir de processos de exclusão,</p><p>discriminação e preconceito, sendo urgente mobilizar ações de resis-</p><p>tência para a promoção de uma sociedade multicultural, justa e igua-</p><p>litária. E é essa compreensão que nos leva a uma mediação da leitura</p><p>literária na sala de aula que esteja centrada no diálogo e no convite à</p><p>fala e à escuta.</p><p>Em termos metodológicos, partimos dos elementos norteado-</p><p>res da sequência básica de Cosson (2014), a saber: motivação, intro-</p><p>dução, leitura e interpretação, a fim de mobilizar uma relação efetiva e</p><p>afetiva com a poesia, acionando as suas funções estética, humanizado-</p><p>ra e social.</p><p>2 Breves discussões teóricas</p><p>2.1 Para conhecer a poesia slam</p><p>A poesia slam é fruto de vivências de um grupo, manifestação</p><p>de sua representatividade, sendo profundamente marcada pela per-</p><p>formance de corpo e voz presente nas batalhas e importante para os</p><p>gestos de resistência que dela ressoam. Vejamos:</p><p>A poesia há muito que não consegue integrar-se, feliz, nos discur-</p><p>sos correntes da sociedade. Daí vêm as saídas difíceis: o símbolo</p><p>fechado, o canto oposto à língua da tribo, antes brado ou sussurro</p><p>que discurso pleno, a palavra-esgar, a autodesarticulação, o silên-</p><p>cio [...]. Essas formas estranhas pelas quais o poético sobrevive</p><p>em um meio hostil ou surdo, não constituem o ser da poesia, mas</p><p>apenas o seu modo historicamente possível de existir no interior</p><p>146</p><p>“Não serei anônima”: uma proposta de oficina temática com a poesia slam de autoria Feminina</p><p>do processo capitalista. [...] A resistência tem muitas faces. (BOSI,</p><p>1977, p. 142).</p><p>Em termos de conteúdo, a voz e a força denunciativas da poesia</p><p>partilhada hoje nas batalhas slam dizem muito dessa sua resistência,</p><p>ressignificada pela contemporaneidade. Levando em consideração os</p><p>recursos de produção e do compartilhamento em rede, a arte dos que</p><p>batalham chega cada vez mais longe e é ouvida cada vez mais de per-</p><p>to. “Eis por que o verbo poético exige o calor de contato; e os dons</p><p>da sociabilidade, a afetividade que se espalha, o talento de fazer rir</p><p>ou se emocionar” (ZUMTHOR, 1993, p. 222). A performance, portanto,</p><p>promove uma produção poética franca, espontânea, levando o discurso</p><p>poético de quem fala ao ouvinte, em constante comunicação. Assim, só</p><p>pode ser apreendida por intermédio de suas manifestações.</p><p>Em Um microfone na mão e uma ideia na cabeça – o poetry slam</p><p>entra em cena, a poeta e pesquisadora Roberta Estrela D’alva (2011)</p><p>destaca a amplitude da poesia slam:</p><p>Poderíamos definir o poetry slam, ou simplesmente slam, de di-</p><p>versas maneiras: uma competição de poesia falada, um espaço</p><p>para livre expressão poética, uma ágora onde questões da atuali-</p><p>dade são debatidas ou até mesmo mais uma forma de entreteni-</p><p>mento. De fato, é difícil defini-lo de maneira tão simplificada, pois,</p><p>em seus 25 anos de existência, ele se tornou, além de um acon-</p><p>tecimento poético, um movimento social, cultural, artístico que se</p><p>expande progressivamente e é celebrado em comunidades em</p><p>todo mundo. (D’ALVA, 2011, p. 120).</p><p>Essas competições de performance poéticas realizadas em di-</p><p>versas cidades, de diversos países, ainda com variações, seguem três</p><p>regras fundamentais: 1. Os (as) slammers devem versar um poema de</p><p>autoria própria; 2. não utilizar suportes, como instrumentos musicais ou</p><p>figurinos e adereços, e 3. apresentar a poesia no tempo máximo de 3</p><p>minutos. Essas características se distanciam das batalhas de rap e hip</p><p>hop, por exemplo, em estrutura, mas se associam pela linguagem forte</p><p>e ácida utilizada para abordar temas como racismo, violência, autorita-</p><p>rismo, sexismo e desigualdade social.</p><p>147</p><p>“Não serei anônima”: uma proposta de oficina temática com a poesia slam de autoria Feminina</p><p>Trata-se também da arte de um espetáculo, de um show com</p><p>público e audiência, porém esse jogo que a poesia trama nas batalhas</p><p>não compreende somente produções com rimas, visando à obtenção</p><p>da nota máxima na competição. Nesse espetáculo, é construído um es-</p><p>treito diálogo entre público e poetas, considerados todos coadjuvantes</p><p>de uma “ágora”, termo grego usado pela poeta e pesquisadora Rober-</p><p>ta Estrela D’alva (2011) para descrever a reunião onde se organizam</p><p>as batalhas, cujos presentes participam e interagem de forma efetiva.</p><p>Ancorando-se nessas características, portanto, é possível com-</p><p>preender as batalhas de poesia slam e seus desdobramentos como uma</p><p>prática importante de letramento, na qual questões acerca da constru-</p><p>ção poética e da metalinguagem também são evidenciadas. Ainda de</p><p>acordo com D’Alva:</p><p>É fácil entender sua rápida aceitação e o crescimento dessa mo-</p><p>dalidade cultural e esportiva, considerando o lugar que a tra-</p><p>dição oral tem no país, particularmente aquela dos jogos orais</p><p>competitivos, como os desafios, as pelejas e o repente nordestino,</p><p>para citar apenas alguns exemplos. Aliar essa tradição à produ-</p><p>ção poética popular urbana em um contexto em que as diferen-</p><p>ças de estilos, discursos e idades é característica marcante e em</p><p>que todos se reúnem em torno de um único microfone, fazendo</p><p>uso da liberdade de expressão, vem ao encontro da necessida-</p><p>de de fala e escuta, urgente às populações das grandes cidades</p><p>(D’ALVA, 2019, p. 271).</p><p>Sendo assim, não podemos deixar de salientar que, numa so-</p><p>ciedade estruturalmente formada a partir de processos de exclusão,</p><p>discriminação e preconceito, resulta urgente mobilizar práticas de re-</p><p>sistência que pensem as existências diversas de uma sociedade multi-</p><p>cultural pós-moderna. Nesse sentido, ao encontro da defesa de Souza</p><p>(2011) em nome de letramentos “de (re)existência”, entendemos a im-</p><p>portância da mediação e do fomento de manifestações literárias como</p><p>a da poesia slam de autoria feminina. Vejamos:</p><p>[...] ao capturarem a complexidade social e histórica que envolve</p><p>as práticas cotidianas de uso da linguagem, contribuem para a</p><p>desestabilização do que pode ser considerado como discursos</p><p>já cristalizados em que as práticas validadas sociais de uso da</p><p>148</p><p>“Não serei anônima”: uma proposta de oficina temática com a poesia slam de autoria Feminina</p><p>língua são apenas as ensinadas e aprendidas na escola formal</p><p>(SOUZA, 2011, p.36).</p><p>As práticas de uso da linguagem são, pois, inerentes à vida em</p><p>sociedade. Para Eco (2011), a literatura ainda mantém a língua como</p><p>patrimônio coletivo e é capaz de criar identidades e comunidades.</p><p>Nesse sentido, a representação da voz das mulheres, através da poesia</p><p>slam, nos permite abordagens acerca de nossa cultura, expressão hu-</p><p>mana. Portanto, é possível pensar a produção do slam feito por mulhe-</p><p>res como um projeto de intervenção estética e política, um movimento</p><p>social e literário.</p><p>Tomando a poesia slam de autoria feminina para esta oficina,</p><p>podemos observar a voz lírica presente nos poemas que partem de um</p><p>“lugar de fala”, conforme entendido por Djamila Ribeiro (2017), vis-</p><p>to evidenciar o protagonismo dessas vozes “minoritárias”. Ao pautar a</p><p>discussão do conceito de “lugar de fala”, a autora explica que o grupo</p><p>social ao qual o sujeito está ligado refere-se às vozes históricas e so-</p><p>ciais, visto que “não existe uma identidade, pois a experiência de ser</p><p>mulher se dá de forma social e historicamente determinadas.” (RIBEI-</p><p>RO, 2017, p. 72). Nesse sentido, como expressão:</p><p>O falar não se restringe ao ato de emitir palavras, mas de poder</p><p>existir. Pensamos lugar de fala como refutar a historiografia tradi-</p><p>cional e a hierarquização de saberes consequente da hierarquia</p><p>social. Quando falamos de direito à existência digna, à voz, esta-</p><p>mos falando de lócus social, de como esse lugar imposto dificulta</p><p>a possibilidade de transcendência. (RIBEIRO, 2017, p.64).</p><p>Dessa maneira, podemos nos distanciar da “universalização</p><p>da categoria mulher”, como pensada em movimentos anteriores, nos</p><p>quais havia o entendimento da mulher como algo único e homogêneo,</p><p>dissociado de aspectos como “raça, orientação sexual, identidade de</p><p>gênero” (RIBEIRO, 2017, p. 21), para se pensar também o lugar de onde</p><p>falamos, que não é fixo e universal.</p><p>Em relação à mediação da poesia slam em sala aula, nos ampa-</p><p>ramos em Cosson (2014), ao acreditar que a escola precisa integrar o</p><p>aluno à cultura, e, para isso, necessita atualizar-se, aderindo às manifes-</p><p>149</p><p>“Não serei anônima”: uma proposta de oficina temática com a poesia slam de autoria Feminina</p><p>tações culturais contemporâneas, consideradas relevantes, dinâmicas</p><p>e atraentes. Ele nos diz:</p><p>proponho como critério de seleção que os textos sejam literários,</p><p>independentemente de pertencerem ao cânone ou qualquer ou-</p><p>tra forma de ordenamento, daí a diversidade que não é apenas</p><p>de gêneros, mas também de representações, temáticas, graus de</p><p>dificuldade do texto e daí por diante. Os critérios de seleção são</p><p>para o texto literário, qualquer que seja o adjetivo que o acompa-</p><p>nhe (COSSON, 2014, p. 123).</p><p>Posto isso, para este trabalho, consideramos a realização da ofi-</p><p>cina “Não serei anônima” a partir da obra Querem nos calar: Poemas</p><p>para serem lidos em voz alta, organizado por Mel Duarte. Ao ler os poe-</p><p>mas, há um chamado direto para uma roda, onde voz e força levam a</p><p>refletir sobre o poder das palavras e a construção partilhada dos sen-</p><p>tidos. A mediação da poesia slam é compreendida, assim, como um</p><p>espaço de fala e um convite à escuta. “O slam é um espaço poético-po-</p><p>lítico, democrático, que tem como principal conceito a liberdade de</p><p>expressão, fazendo do livre diálogo uma ferramenta para a construção</p><p>de novos horizontes.” (DUARTE, 2019, p. 11).</p><p>2.2 Algumas categorias feministas</p><p>Antes de apresentarmos a oficina, torna-se necessário observar</p><p>o uso de alguns conceitos que estão presentes nas leituras. Para isso,</p><p>além de introduzi-los, é importante considerar apresentá-los de modo</p><p>mais denso e contextualizado. Aqui, a intenção é reconhecer o que mol-</p><p>da uma sociedade patriarcal como ponto de partida para observar as</p><p>nuances de desigualdades e de opressão contra a mulher, para assim</p><p>visarmos ao empoderamento. Em relação a este, Berth (2018) ressalta a</p><p>importância de refletir sobre os processos de mudança e esvaziamento</p><p>de sentido que o conceito teve.</p><p>Ao problematizar seu uso por parte do neoliberalismo, como</p><p>um movimento individual e despolitizado, esvaziado de seu sentido de</p><p>transformação e coletivo, a autora analisa as relações de opressão na</p><p>sociedade brasileira e reforça o processo de empoderar-se como prá-</p><p>tica social. Nesse sentido, ela reitera ainda a importância da educação</p><p>para possibilitar a transposição de barreiras instituídas pelo machismo</p><p>150</p><p>“Não serei anônima”: uma proposta de oficina temática com a poesia slam de autoria Feminina</p><p>e sexismo. Assim, uma “pedagogia do engajamento”, como menciona</p><p>bell hooks (2013), faz-se fundamental para que indivíduos conscientes</p><p>se posicionem e formem coletivos empoderados, dotados de informa-</p><p>ções suficientes para o enfrentamento diante de opressões institucio-</p><p>nalizadas.</p><p>Ainda em conformidade com Berth (2018), nessa perspectiva,</p><p>em alusão a Freire, revela-se importante que o empoderamento seja</p><p>fundado numa percepção crítica sobre a realidade social com vistas a</p><p>ações práticas na realidade concreta, pois não se tem empoderamento</p><p>efetivo sem se contrapor à estrutura vigente e dominante. Nesse senti-</p><p>do, ela assinala:</p><p>[...]quando assumimos que estamos dando poder, em verdade,</p><p>estamos falando na condução articulada de indivíduos e grupos</p><p>por diversos estágios de autoafirmação, autovalorização, autorre-</p><p>conhecimento e autoconhecimento de si mesmo e de suas mais</p><p>variadas habilidades humanas, de sua história, principalmente,</p><p>um entendimento sobre sua condição social e política e, por sua</p><p>vez, um estado psicológico perceptivo do que se passa ao seu</p><p>redor (BERTH, 2018, p.14).</p><p>Apontando para a interseccionalidade, a autora traz análises que</p><p>têm o objetivo de descortinar situações estruturais de opressão que</p><p>incidem de formas diferentes sobre vários grupos e indivíduos. Dessa</p><p>forma, a compreensão dos processos históricos estruturantes e de ou-</p><p>tras categorias sociais e políticas são evidenciados, pois, na sociedade</p><p>brasileira, há uma sub-representação das mulheres negras, sendo pre-</p><p>ciso construir “estratégias de enfrentamento ao sistema racista e redes</p><p>de solidariedade” ( BERTH , 2018, p.73). Assim, a autora assinala uma</p><p>concepção mais ampla da conceituação e análise do empoderamento</p><p>como um processo contínuo, uma prática social, na qual é imprescin-</p><p>dível referenciar autoras negras, além de combater a objetificação e</p><p>sexualização de mulheres e homens negros.</p><p>151</p><p>“Não serei anônima”: uma proposta de oficina temática com a poesia slam de autoria Feminina</p><p>3 Não serei anônima</p><p>Para esta oficina, o objetivo é compreender a mediação da poe-</p><p>sia slam como uma prática de letramento na qual, como evidenciamos</p><p>anteriormente, questões metalinguísticas são atreladas a questões</p><p>identitárias; onde a voz</p><p>lírica abrange o fazer poético, observando es-</p><p>tratégias de reconhecimento e gestos de resistência.</p><p>Na motivação, sugerimos apresentar/situar a poesia de Con-</p><p>ceição Evaristo, uma das principais escritoras brasileiras da atualidade.</p><p>A qualidade estética e as referências históricas aos lugares ocupados</p><p>pelas mulheres negras, com ênfase na autoafirmação das suas vozes,</p><p>justifica a escolha aqui dos versos de “Vozes-Mulheres”; sua leitura, na</p><p>turma, pode ser feita de forma oral e compartilhada, considerando lei-</p><p>tura oral como sinônimo de oralização do poema verbal. Em seguida,</p><p>lembramos que é importante a partilha das impressões de leitura do</p><p>poema, observando as “vozes” que se agregam ao longo dele.</p><p>Se possível, a reprodução/distribuição do texto na turma pode-</p><p>rá ser feita através de xerocópias, não deixando de considerar a obra</p><p>da autora em suporte original. Aqui, apresentaremos o poema publica-</p><p>do no livro Poemas da recordação e outros movimentos (2017):</p><p>A voz da minha bisavó ecoou</p><p>criança</p><p>nos porões do navio.</p><p>Ecoou lamentos</p><p>de uma infância perdida.</p><p>A voz de minha avó</p><p>ecoou obediência</p><p>aos brancos-donos de tudo.</p><p>A voz de minha mãe</p><p>ecoou baixinho revolta</p><p>no fundo das cozinhas alheias</p><p>debaixo das trouxas</p><p>roupagens sujas dos brancos</p><p>pelo caminho empoeirado</p><p>152</p><p>“Não serei anônima”: uma proposta de oficina temática com a poesia slam de autoria Feminina</p><p>rumo à favela.</p><p>A minha voz ainda</p><p>ecoa versos perplexos</p><p>com rimas de sangue</p><p>e</p><p>fome.</p><p>A voz de minha filha</p><p>recolhe todas as nossas vozes</p><p>recolhe em si</p><p>as vozes mudas caladas</p><p>engasgadas nas gargantas.</p><p>A voz de minha filha</p><p>recolhe em si</p><p>a fala e o ato.</p><p>(EVARISTO, 2017, p.24-25)</p><p>Na introdução, momento aqui dividido em duas atividades,</p><p>buscaremos nos conectar com a poesia slam feita por mulheres, em</p><p>especial, através da temática do empoderamento por meio da autoafir-</p><p>mação do sujeito lírico feminino. Para isso, partiremos da performance</p><p>de Mariana Felix com o poema “Receita” 21(Cotidiano), no qual aborda</p><p>empoderamento como um processo, ao encontro do que pensa Berth</p><p>(2018). Exibiremos o vídeo com o slam e, em seguida, daremos início a</p><p>uma roda de conversa abordando os seguintes pontos:</p><p>1. Empoderar-se é o movimento de tomar poder sobre si. O que</p><p>você entende por uma pessoa empoderada?</p><p>2. Como a voz lírica em “Receita” descreve seu processo de em-</p><p>poderamento?</p><p>Seguindo para o segundo momento da introdução, abordare-</p><p>mos o slam “Todas as mulheres” (Bell Puã), no qual a voz lírica chama</p><p>atenção para os tipos de opressões e silenciamentos sofridos. Partin-</p><p>do do poema para esta observação, será proposta na turma o seguinte</p><p>exercício: Identifique situações de dominação/opressão vividas por</p><p>mulheres. Para isso, observe ao seu redor, dialogue entre seus pares e,</p><p>depois, leve esta discussão ao grupo e partilhe suas observações.</p><p>2 Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=O_uafkESJE0. Acesso em 06 nov.</p><p>2022.</p><p>153</p><p>“Não serei anônima”: uma proposta de oficina temática com a poesia slam de autoria Feminina</p><p>Este momento será iniciado em sala, quando explicaremos a</p><p>proposição da observação, indicando a retomada em momento/na aula</p><p>seguinte; faz-se importante ter o registro escrito do exercício proposto,</p><p>bem como das considerações e ideias surgidas por meio dele, para,</p><p>então, fazer a partilha.</p><p>Já em outro momento/outra aula, reunidos em uma roda de con-</p><p>versa, retomaremos o poema e a proposição de observar situações</p><p>de dominação/opressão vividas por mulheres. Através dessas leituras</p><p>partilhadas, temos intenção de atuar diante de condições estruturais</p><p>em nossa sociedade, presentes dentro e fora da escola. No entanto,</p><p>para isso, revela-se muito importante o(a) professor(a) estar atento(a)</p><p>a qualquer tipo de desconforto ou resistência diante do texto ou a outro</p><p>aspecto da mediação.</p><p>Na leitura, abordaremos quatro poemas slams, considerando di-</p><p>vidir os textos em grupos menores para realização das primeiras im-</p><p>pressões sobre eles. A princípio, cada grupo ficará com um poema,</p><p>para, em seguida, os textos serem trocados/redistribuídos, de modo</p><p>que toda a turma interaja com todos os textos. Através dos slams “Não”</p><p>(Bell Puã), “não serei anônima” (Ryane Leão), “Fadiga” (Luiza Romão)</p><p>e “Para Conceição” (Cristal Rocha), temos a intenção de mobilizar o</p><p>reconhecimento da afirmação individual e coletiva da voz da mulher</p><p>como um gesto de resistência às opressões sofridas.</p><p>Seguindo, no momento de interpretação, é esperado discorrer</p><p>acerca de temáticas que envolvem a voz lírica nos poemas. Para tal, as</p><p>questões abaixo serão desenvolvidas coletivamente e abordadas com</p><p>registro escrito individual. Em seguida, estes registros serão partilha-</p><p>dos com todo o grupo pelo(a) mediador(a) e por quem se dispuser a</p><p>interagir, expondo suas colocações, como também retomando a leitura</p><p>dos poemas e apresentando respostas das perguntas já registradas. A</p><p>saber:</p><p>1. As leituras dos poemas slams evocam, além de uma voz individual, uma</p><p>voz coletiva, por meio de referências a outras mulheres. Escolha um dos</p><p>poemas e explique os sentidos dessa coletividade.</p><p>154</p><p>“Não serei anônima”: uma proposta de oficina temática com a poesia slam de autoria Feminina</p><p>2. Os títulos de todos os poemas lidos apontam para um rompimento</p><p>com o silenciamento ao qual as mulheres são impostas pela sociedade.</p><p>Explique, pois, como essa ruptura aparece em cada um deles.</p><p>3. Partindo de Vozes-Mulheres, a voz lírica do poema de Cristal Rocha afir-</p><p>ma ter aprendido com Conceição Evaristo. O que, exatamente, ela apren-</p><p>deu? Explique.</p><p>4. Os poemas Não, de Bell Puã, e não serei anônima, de Ryane Leão, são</p><p>marcados pela repetição da negativa “não”. Quais os sentidos dessa re-</p><p>petição?</p><p>5. Fadiga significa canseira, exaustão, esgotamento. Em Fadiga, de Luiza</p><p>Romão, a que esse cansaço se refere?</p><p>6. Diante do silenciamento imposto pelo patriarcado, vemos, nos poe-</p><p>mas, gestos de resistência do sujeito lírico feminino. Cite versos que re-</p><p>presentem essa resistência.</p><p>7. Em quais textos podemos reconhecer as vozes de mulheres negras?</p><p>Cite versos.</p><p>4 Considerações finais</p><p>A partir da mediação da poesia de slammers, busca-se com-</p><p>preender as vivências das mulheres, refletidas esteticamente nos poe-</p><p>mas, a partir de várias categorias identitárias, a exemplo da raça, da</p><p>classe social, da sexualidade, da geração, entre outras. Tão necessária</p><p>quanto esta atividade de reconhecimento de si e da outra é a rede de</p><p>vozes produzidas e compartilhadas, que resiste e ecoa na cultura em</p><p>que se expressam.</p><p>Nesse sentido, ao mediar a leitura da poesia slam, espera-se</p><p>mobilizar o reconhecimento dos aspectos estéticos e sociais aborda-</p><p>dos nos poemas a fim de potencializar a afirmação da voz da mulher.</p><p>Para tanto, é indispensável pensar a escola enquanto organismo vivo,</p><p>como um local que mobilize a vivência com a literatura em suas mais</p><p>diversas potencialidades. Por fim, ao refletir sobre leitura literária, con-</p><p>sideramos importante oportunizar gêneros, repertório e uma media-</p><p>ção que privilegiem a produção colaborativa e o cruzamento artístico-</p><p>-cultural e de saberes.</p><p>155</p><p>“Não serei anônima”: uma proposta de oficina temática com a poesia slam de autoria Feminina</p><p>Referências</p><p>BERTH, J. Empoderamento. São Paulo: Pólen, 2019. (Coleção Feminis-</p><p>mos Plurais).</p><p>COSSON, Rildo. Letramento literário: teoria e prática. São Paulo:</p><p>Contexto, 2014.</p><p>D’ALVA, Roberta Estrela. SLAM: voz de levante. Rebento, São Paulo,</p><p>n. 10, p. 268- 286, junho 2019. Disponível em: http://www.periodicos.</p><p>ia.unesp.br/index.php/rebento/article/view/360. Acesso em: 06 nov.</p><p>2022.</p><p>D’ALVA, Roberta. O que é Poetry Slam? Com Roberta Estrela D’Al-</p><p>va–Top Dicas Sesc #48. Youtube. Disponível em: https://www.youtu-</p><p>be.com/watch?v=bojuwnv6yd0 Acesso em: 06 de nov. 2022.</p><p>DUARTE, Mel (org.). Querem nos calar: poemas para serem lidos em</p><p>voz alta. São Paulo: Planeta do Brasil, 2019.</p><p>ECO, Umberto. Sobre a literatura. Rio de Janeiro: BestBolso, 2011.</p><p>HOOKS, bell. Ensinando a transgredir: a educação como prática da</p><p>liberdade</p><p>Trad. de Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo: Martins Fon-</p><p>tes, 2013.</p><p>RIBEIRO, Djamila. O que é lugar de fala? Belo Horizonte: Letramento,</p><p>2017.</p><p>SOUZA, Ana Lúcia Silva. Letramentos de reexistência: poesia, grafi-</p><p>te, música, dança, hip-hop. São Paulo: Parábola, 2011.</p><p>ZUMTHOR, Paul. Performance, recepção e leitura. São Paulo: Cosac</p><p>Naify, 2007.</p><p>https://www.youtube.com/watch?v=bojuwnv6yd0</p><p>https://www.youtube.com/watch?v=bojuwnv6yd0</p><p>156</p><p>O Clássico em sala de aula: uma proposta de leitura literária na EJA com o conto “nada de novo</p><p>na frente ocidental”, de Lygia Fagundes Telles</p><p>O CLÁSSICO EM SALA DE AULA: UMA PROPOSTA DE</p><p>LEITURA LITERÁRIA NA EJA COM O CONTO “NADA DE</p><p>NOVO NA FRENTE OCIDENTAL”, DE LYGIA FAGUNDES</p><p>TELLES</p><p>Simone de Almeida Fernandes</p><p>Ana Paula Franco Nobile Brandileone</p><p>1 Considerações iniciais</p><p>Este artigo é um recorte da dissertação apresentada ao Mestrado</p><p>Profissional em Letras – PROFLETRAS/UENP, intitulada O clássico</p><p>em sala de aula: uma proposta de leitura literária na EJA com Ly-</p><p>gia Fagundes Telles (FERNANDES, 2021) e se volta à reflexão sobre a</p><p>importância da leitura dos clássicos na escola, sobretudo no contexto</p><p>atual do ensino da literatura, que põe à margem o conhecimento dos</p><p>clássicos e do cânone consagrado. Nesse contexto e com o objetivo de</p><p>valorizar a leitura integral de obras literárias clássicas em sala de aula</p><p>e, assim, possibilitar aos jovens em formação o contato com determi-</p><p>nado acervo estético- literário, tomou-se como objeto de análise e de</p><p>estudo o conto “Nada de novo na frente ocidental”, de Lygia Fagundes</p><p>Telles, a fim de elaborar uma proposta de intervenção didática para</p><p>alunos do ensino fundamental da Educação de Jovens e Adultos (EJA),</p><p>no município de Almirante Tamandaré, estado do Paraná, a partir dos</p><p>pressupostos metodológicos do círculo de leitura (COSSON, 2014). A</p><p>fim de oferecer aos estudantes a oportunidade de vivenciar e com-</p><p>preender o texto literário como potencial educativo, de conhecimento</p><p>do mundo e do ser, o conto selecionado dá forma às experiências do</p><p>leitor por trazer à tona certos dilemas, alguns no domínio de suas pró-</p><p>prias vivências, instigando-os ao efetivo exercício da leitura.</p><p>157</p><p>O Clássico em sala de aula: uma proposta de leitura literária na EJA com o conto “nada de novo</p><p>na frente ocidental”, de Lygia Fagundes Telles</p><p>2 Breves discussões teóricas</p><p>2.1 A defesa do clássico em sala de aula</p><p>É de conhecimento da comunidade escolar que a literatura</p><p>clássica está presente na sala de aula, sobretudo nos livros didáticos.</p><p>Contudo, na maioria das vezes, é abordada com fins pragmáticos, seja</p><p>para o ensino da Língua Portuguesa, seja para o ensino da História da</p><p>Literatura. Exemplo disso é o estudo da literatura no Ensino Médio que</p><p>fica, quase sempre, centrado na periodização de estilos e na identifica-</p><p>ção de autores canônicos por meio de dados biográficos e excertos de</p><p>suas obras. Desse modo, o texto literário fica engessado à análise de</p><p>aspectos ligados à historiografia literária, sendo que a leitura propria-</p><p>mente dita é secundarizada ou mesmo esquecida; trata-se, portanto, de</p><p>discutir sobre a literatura e não fazer a própria leitura dos textos clás-</p><p>sicos. Além do mais, na sociedade contemporânea, o cânone tem sido</p><p>examinado como uma série de manobras, mais ou menos claras, das</p><p>elites no poder (OLIVEIRA, 2005). Nesse contexto de resistência aos</p><p>clássicos, dada a relevância a critérios fortemente ideológicos que ten-</p><p>dem a condenar a Estética, de um lado, e abolir a Literatura, de outro</p><p>(PERRONE-MOISÉS, 1998), faz-se indispensável discutir esse estrangu-</p><p>lamento que vem sofrendo o estudo dos clássicos no âmbito escolar, já</p><p>que a Literatura implica na existência de leitores, na sua sobrevivência</p><p>como arte e em atividade provida de valor próprio; aspectos que im-</p><p>portam para a sua manutenção nos currículos escolares.</p><p>Mas, para além do ângulo ideológico e político, é nas obras</p><p>clássicas que o aluno encontra a herança cultural de sua comunidade</p><p>(COSSON, 2018). Já Candido (1995) defende e reconhece a relevância</p><p>da leitura dos clássicos como estratégia capaz de ultrapassar as bar-</p><p>reiras da estratificação social e diminuir, de certo modo, as distâncias</p><p>provocadas pela desigualdade. A partir dessa perspectiva, o estudioso</p><p>contraria o pressuposto de que as minorias sociais devem ter contato</p><p>apenas com obras que fazem parte do seu universo cultural, sob a jus-</p><p>tificativa de que seriam incapazes de compreender a obra erudita por</p><p>ser de alta qualidade elaborativa. Para o estudioso, a leitura das obras</p><p>158</p><p>O Clássico em sala de aula: uma proposta de leitura literária na EJA com o conto “nada de novo</p><p>na frente ocidental”, de Lygia Fagundes Telles</p><p>clássicas passa pela luta pelos direitos humanos que, por sua vez, passa</p><p>pelo acesso aos diferentes níveis da cultura.</p><p>Também para Fritzen (2017), a leitura de obras canônicas na</p><p>Educação Básica é essencial, uma vez que elas compõem o patrimônio</p><p>estético-literário, que compete aos estudantes interpretar, seja para</p><p>compreenderem a si, seja ao outro e/ou ao mundo do qual fazem parte.</p><p>Assim, a mediação do professor e a escolha metodológica são impres-</p><p>cindíveis, porque, segundo Rouxel (2013), a disponibilidade ao texto e</p><p>ao desejo pela literatura são fenômenos construídos, decorrentes dos</p><p>domínios cognitivo e afetivo.</p><p>Enfim, ao se levar em consideração o ganho que as obras da</p><p>tradição literária podem oferecer ao jovem leitor que, na voz de Cal-</p><p>vino (1993), extrapola os limites da formação escolar e acadêmica e</p><p>se direciona no sentido da própria existência do ser humano, é que</p><p>as práticas de leitura adotadas nas aulas precisam instrumentalizar o</p><p>aluno-leitor , já que</p><p>[...] é papel do professor mediar, auxiliar e ajudar o aluno a rea-</p><p>lizar descobertas e desvelar significados nas obras literárias que</p><p>leem, confirmando ou refutando percepções e sentidos que vão</p><p>enriquecer e ampliar o repertório de leituras do aluno. (SEGABI-</p><p>NAZI, 2016, p.87-88).</p><p>2.2 O círculo de leitura e o letramento literário</p><p>Além da seleção de obras literárias significativas para os alunos</p><p>e motivação para a sua leitura, compreende-se que para a concretiza-</p><p>ção do letramento literário a sua didatização é imprescindível. Por isso,</p><p>adotou-se o círculo de leitura como metodologia de ensino para a pro-</p><p>moção do clássico em sala de aula, de modo a levar o aluno a “ir além</p><p>da simples leitura do texto literário”, como afirma Cosson (2018, p. 26).</p><p>Ressalta-se, ainda, que o encaminhamento metodológico para o estudo</p><p>desse texto foi produzido, principalmente, para o segundo segmento</p><p>de Língua Portuguesa da EJA, mas pode ser adaptado pelo docente,</p><p>considerando a realidade e necessidades de suas turmas.</p><p>Nesta proposta didática, o círculo de leitura (COSSON, 2014)</p><p>apresenta-se como ferramenta de ensino para a promoção do letra-</p><p>159</p><p>O Clássico em sala de aula: uma proposta de leitura literária na EJA com o conto “nada de novo</p><p>na frente ocidental”, de Lygia Fagundes Telles</p><p>mento literário, na medida em que instiga o aluno a posicionar-se criti-</p><p>camente diante do que lê, fomenta a aprendizagem coletiva e colabo-</p><p>rativa, amplia o horizonte interpretativo da leitura individual por meio</p><p>do compartilhamento das leituras e possibilita a formação de uma co-</p><p>munidade de leitores; além de oportunizar o estabelecimento de co-</p><p>nexões com a sua realidade social, histórica e/ou cultural, repensar</p><p>valores, etc.</p><p>Cabe destacar que a opção pelo círculo de leitura para a ela-</p><p>boração da proposta didática interventiva justifica-se pelo fato de o</p><p>público-alvo da pesquisa, alunos da EJA, possuírem bagagem reduzida</p><p>de leitura de textos literários, que se soma a retenções, desistências</p><p>pela dificuldade de conciliar estudo e trabalho ou mesmo desmotiva-</p><p>ção. Sem contar que a EJA, composta, na maioria das vezes, por um pú-</p><p>blico bastante heterogêneo, seja pela defasagem ano/idade, seja pelos</p><p>diferentes anseios, demanda abordagens diversificadas de leitura para</p><p>suprir as suas especificidades</p><p>projetos de estudo – podem compor o acervo</p><p>da biblioteca escolar: coletâneas, de contos, trava-língua, piadas,</p><p>brincadeiras e jogos infantis, livros de narrativos ficcionais, dos-</p><p>siês sobre assuntos específico, diário de viagens, revistas, jornais</p><p>etc (BRASIL, 2000, P. 92).</p><p>Portanto, para formar leitores na escola, é necessário colocar-</p><p>mos os educandos em contato com diversos textos e gêneros literários.</p><p>Quando levantamos essa questão do acervo variado e de sua disponi-</p><p>bilidade, deparamo-nos inevitavelmente com a dificuldade de acessi-</p><p>bilidade destes discentes a estes materiais. Nem todas as escolas têm</p><p>uma sala de leitura ou uma biblioteca. Outras possuem um depósito de</p><p>livros sem nenhuma manutenção ou algum funcionário que possa fazer</p><p>o trabalho de empréstimo de livros.</p><p>Ainda mais, é preciso refletir sobre o fato da literatura se con-</p><p>fundir, relacionar-se e integrar-se com a vida, caracteriza-a como vital</p><p>e fundamental e, sobretudo, como um direito humanitário. Nesse senti-</p><p>do, Candido (1995) defende:</p><p>[...] e chegando mais perto do tema eu lembraria que são bens</p><p>incompressíveis não apenas os que asseguram sobrevivência fí-</p><p>sica em níveis decentes, mas os que garantem a integridade espi-</p><p>ritual. São incompressíveis certamente a alimentação, a moradia,</p><p>o vestuário, a instrução, a saúde, a liberdade individual, o amparo</p><p>da justiça pública, a resistência à opressão, etc.; e também o direi-</p><p>to à crença, à opinião, ao lazer e, por que não, à arte e à literatura</p><p>(CANDIDO, 1995, p. 241).</p><p>Em conformidade com o direito à literatura, Coelho (2011) enfa-</p><p>tiza o papel da escola:</p><p>A escola é, hoje, o espaço privilegiado, em que deverão ser lança-</p><p>das as bases para a formação do indivíduo. E, nesse espaço, privi-</p><p>legiamos os estudos literários, pois, de maneira mais abrangente</p><p>do que quaisquer outros, eles estimulam o exercício da mente;</p><p>(COELHO, 2011, p. 20).</p><p>A Leitura Literária Entre Deuses, Heróis e Mortais: a mitologia grega na escola</p><p>18</p><p>À medida que um educador media um texto literário, a leitura</p><p>torna-se uma prática social e as oportunidades de letramento são am-</p><p>pliadas. Vejamos o que nos afirma Cosson (2021):</p><p>É justamente para ir além da simples leitura que o letramento li-</p><p>terário é fundamental no processo educativo. Na escola, a leitu-</p><p>ra literária tem a função de nos ajudar a ler melhor, não apenas</p><p>porque possibilita a criação do hábito da leitura ou porque seja</p><p>prazerosa, mas sim, e, sobretudo, porque nos fornece, como ne-</p><p>nhum outro tipo de leitura faz, os instrumentos necessários para</p><p>conhecer e articular com proficiência o mundo feito linguagem</p><p>(COSSON, 2021, p. 30).</p><p>A escola, como instituição educativa, e o professor, como media-</p><p>dor, têm como funções mediar o contato com a literatura e contribuir</p><p>para a formação do leitor literário. Enfatizar a leitura, em sala de aula,</p><p>promove o contato do aluno com a obra de ficção e, desse contato, sur-</p><p>gem transformações, novos pactos entre estudantes e obras, bem como</p><p>entre o aluno e o professor são estabelecidos. Resgatar essa condição</p><p>da leitura literária na escola é imprescindível, pois ela é a condição</p><p>de o ensino tornar-se satisfatório, tanto para alunos como para profes-</p><p>sores, além de devolver à escola o seu protagonismo nesse processo.</p><p>Sendo assim, Zilberman e Rösing (2009) defendem:</p><p>Modelo do desvelamento do mundo, a leitura encontra na literatu-</p><p>ra eventualmente seu recipiente imprescindível. Preservar essas</p><p>relações é dar sentido a elas. E, se a escola não pode absorvê-las</p><p>por inteiro, igualmente não pode ser o lugar onde estas se rom-</p><p>pem em definitivo, sob pena de arriscar sua missão e prejudicar,</p><p>irremediavelmente, o ser humano a quem diz servir (ZILBERMAN</p><p>e RÖSING, 2009, p. 34).</p><p>Em suma, considerados todos os obstáculos destacados, neces-</p><p>sário se faz repensarmos nossas práticas sociais de leitura, para que</p><p>possamos escolher procedimentos teóricos-metodológicos adequa-</p><p>dos para a formação de cidadãos leitores.</p><p>A Leitura Literária Entre Deuses, Heróis e Mortais: a mitologia grega na escola</p><p>19</p><p>3 Entre deuses, heróis e mortais: prospecções sobre o mito na escola para</p><p>formação de leitores</p><p>A origem dos mitos encontra-se no princípio dos tempos, no es-</p><p>paço sobrenatural dos deuses, e são narrativas tão milenares quanto o</p><p>próprio homem. Este homem primitivo tinha necessidade de encontrar</p><p>explicação para origem do universo, dos homens e da natureza como</p><p>um todo. Então, surgiram as histórias míticas para narrar a existência</p><p>de forças cosmogônicas, sagradas, invisíveis, dotadas de poder e fenô-</p><p>menos extraordinários.</p><p>O pensamento mítico é visto como uma das primeiras manifes-</p><p>tações do que viria a ser mais tarde o pensamento religioso. Não é de</p><p>se espantar que, em inúmeras culturas, tanto nas ocidentais, como nas</p><p>orientais, os mitos tratassem de temas recorrentes de ordem cosmogô-</p><p>nica e antropogônica, além de outras questões centrais das mitologias</p><p>universais.</p><p>Entendemos que conceituar o mito constitui-se como uma tarefa</p><p>bastante complexa, uma vez que dificilmente dá para encontrar uma</p><p>que o contemple integralmente. Segundo Mircea Eliade (2013), uma</p><p>definição, apontada pelo próprio autor como provavelmente a menos</p><p>imperfeita, por ser a mais ampla, seria:</p><p>Em outros termos, o mito conta uma história sagrada; ele relata um</p><p>acontecimento ocorrido no tempo primordial, o tempo fabuloso</p><p>do “princípio”. Em outros termos, o mito narra como, graças às</p><p>façanhas dos Entes Sobrenaturais, uma realidade passou a existir,</p><p>seja uma realidade total, o Cosmos, ou apenas um fragmento: uma</p><p>ilha, uma espécie vegetal, um comportamento humano, uma insti-</p><p>tuição. É sempre, portanto, a narrativa de uma “criação”: ele relata</p><p>de que modo algo foi produzido e começou a ser. O mito fala ape-</p><p>nas do que realmente ocorreu, do que se manifestou plenamente.</p><p>Os personagens dos mitos são os Entes Sobrenaturais. Eles são</p><p>conhecidos sobretudo pelo que fizeram no tempo prestigioso dos</p><p>“primórdios”. Os mitos revelam, portanto, sua atividade criadora</p><p>e desvendam a sacralidade (ou simplesmente a “sobrenaturali-</p><p>dade”) de suas obras (ELIADE, 2013, p. 11).</p><p>Uma outra forma para a compreensão do que é o mito, advém</p><p>de apreender o seu sentido primordial enquanto expressão de orali-</p><p>dade, que, por meio dos ritos, foram perpetuados. Em sua condição</p><p>A Leitura Literária Entre Deuses, Heróis e Mortais: a mitologia grega na escola</p><p>20</p><p>de continuidade, através da mitologia, o homem revela suas “emoções</p><p>profundas, vive em presença dos deuses, em perfeita comunhão com o</p><p>divino” (FABRI, 1988, p. 32). Dessa forma, as narrativas míticas, transmi-</p><p>tidas de geração em geração</p><p>narram não apenas a origem do Mundo, dos animais, das plantas</p><p>e do homem, mas também de todos os acontecimentos primor-</p><p>diais em consequência dos quais o homem se converteu no que é</p><p>hoje — um ser mortal, sexuado, organizado em sociedade, obri-</p><p>gado a trabalhar para viver, e trabalhando de acordo com deter-</p><p>minadas regras. Se o Mundo existe, se o homem existe, é porque</p><p>os Entes Sobrenaturais desenvolveram uma atitude criadora no</p><p>“princípio” (ELIADE, 2013, p.16).</p><p>Percebemos, através dos conceitos e caracterizações mencio-</p><p>nados, que o mito possui um caráter universal, atemporal, simbólico e</p><p>sagrado, que nos chega ainda na contemporaneidade com uma força</p><p>considerável.</p><p>Assim, diante dos diversos desafios enfrentados por nós, edu-</p><p>cadores, no que tange tornar o hábito de leitura uma prática deleitosa,</p><p>é preciso que os textos literários sejam apresentados aos estudantes</p><p>(leitores) em articulação com o seu contexto sociocultural, sem des-</p><p>considerar as suas referências históricas. Essas e outras proposições</p><p>nos impulsionam a defender a leitura de obras de tradição literária na</p><p>escola.</p><p>Segundo Colomer (2017), há três motivos para elencar em de-</p><p>fesa desses textos. O primeiro é o enlace social proporcionado pelo</p><p>discurso literário, que favorece o agregamento de indivíduos viabiliza-</p><p>do pelo sentido de pertencer a uma determinada sociedade. Contudo,</p><p>e necessidades.</p><p>De acordo com Cosson (2014), são três os tipos e modos de</p><p>funcionamento do círculo de leitura (estruturado/semiestruturado/</p><p>aberto), os quais podem ser combinados, considerando o público alvo.</p><p>Como o próprio nome sugere, o círculo de leitura estruturado é aquele</p><p>que segue uma organização “[...] previamente estabelecida com pa-</p><p>péis bem definidos para cada integrante e um roteiro para guiar as dis-</p><p>cussões, além de atividades de registro antes e depois da discussão”</p><p>(COSSON, 2014, p. 158). É um modelo comumente usado na escola, to-</p><p>davia, pode ser empregado em qualquer ambiente. No que se refere</p><p>à organização escolar, o modelo estruturado de círculo de leitura “[...]</p><p>começa com um registro escrito das impressões sobre o texto em um</p><p>diário de leitura [...]” (COSSON, 2014, p. 158-159). Tais registros são</p><p>reorganizados, a posteriori, conforme as funções assumidas pelos lei-</p><p>tores dentro do círculo, tal como costuma ser comum nos círculos de</p><p>literatura (conector, questionador, iluminador, ilustrador, entre outras).</p><p>No período marcado para discussão, “[...] os alunos usam esses dados</p><p>para alimentá-la, usualmente seguindo de perto as estratégias bási-</p><p>cas de leitura (conhecimento prévio, conexão, inferência, visualização,</p><p>160</p><p>O Clássico em sala de aula: uma proposta de leitura literária na EJA com o conto “nada de novo</p><p>na frente ocidental”, de Lygia Fagundes Telles</p><p>perguntas ao texto, sumarização e síntese)” (2014, p. 159). Em seguida,</p><p>os leitores fazem o registro das conclusões alcançadas.</p><p>Já o círculo de leitura semiestruturado não possui um roteiro,</p><p>mas orientações servem de guia para as atividades a serem desenvol-</p><p>vidas no grupo de leitores. Essas orientações ficam a cargo do coorde-</p><p>nador ou condutor que promove a discussão, controla os turnos de fala,</p><p>elucida dúvidas, assim como evita que as contribuições se desvirtuem</p><p>da obra ou do tema discutido. Também fica sob a sua incumbência,</p><p>o aprofundamento ou alargamento da leitura, podendo propor que o</p><p>debate se detenha em um ponto específico da obra ou revisite algum</p><p>aspecto anteriormente discutido (COSSON, 2014, p.159).</p><p>No que se refere aos círculos abertos ou não estruturados, são</p><p>parecidos com os conhecidos clubes de leitura, de estrutura bem sim-</p><p>ples. Define-se as obras a serem lidas e o cronograma dos encontros,</p><p>sendo que os leitores se revezam na condução das reuniões e princi-</p><p>piam o debate exteriorizando suas impressões de leitura ou indicando</p><p>alguma conexão pessoal.</p><p>Aqui, optou-se por utilizar dois modelos de círculo de leitura, de</p><p>modo simultâneo, o estruturado e o semiestruturado. Por possuir uma</p><p>estrutura previamente organizada, com atribuições e protocolos de lei-</p><p>tura predefinidos e um roteiro contendo atividades predeterminadas,</p><p>que devem servir de guia para as discussões no grupo e os registros,</p><p>o modelo estruturado parece adequado, uma vez que a turma de alu-</p><p>nos potencial é desprovida de experiências em atividades de leitura</p><p>em grupo, como a que se propõe. Também o modelo semiestruturado</p><p>mostra-se apropriado devido ao processo de leitura ser norteado pela</p><p>presença do mediador, aqui o professor, responsável por estimular a</p><p>participação de todos no grupo e direcionar as discussões suscitadas</p><p>pelo texto, tendo a liberdade para sugerir que o grupo atente para de-</p><p>terminados aspectos relevantes da obra literária.</p><p>De modo geral, o círculo de leitura é composto pelas seguin-</p><p>tes etapas: 1. Preparação (seleção de textos, disposição dos leitores,</p><p>cronogramas, locais, regras de convivência, papel do leitor em cada</p><p>encontro; etc.); etapa anterior ao círculo; 2. Execução (o ato de ler, o</p><p>compartilhamento–pré-discussão, discussão, registro); 3. Avaliação-</p><p>161</p><p>O Clássico em sala de aula: uma proposta de leitura literária na EJA com o conto “nada de novo</p><p>na frente ocidental”, de Lygia Fagundes Telles</p><p>-sistematizada (combinação de avaliação e autoavaliação). Na etapa da</p><p>Preparação, além da seleção das obras, cronogramas, locais dos en-</p><p>contros, também se prima pela disposição dos estudantes para a par-</p><p>ticipação no círculo de leitura, ou seja, o leitor precisa ser preparado/</p><p>motivado para participar das discussões. O processo consiste, a princí-</p><p>pio, em apresentar sua história de leitor. Isso pode ser feito por meio de</p><p>questionários, conversas com o professor anterior da turma ou mesmo</p><p>consulta dos registros da biblioteca; dados que servirão para que o do-</p><p>cente construa uma lista de obras a serem lidas. Outro ponto relevan-</p><p>te é a modelagem que, contudo, não fica presa a esta etapa; ela pode</p><p>acontecer antes, durante e depois de cada momento de discussão. Mas,</p><p>uma coisa é certa: “Nenhum círculo de leitura deveria começar sem</p><p>antes ter sido modelado pelo professor em seus vários aspectos [...]”</p><p>(COSSON, 2014, p. 165), pois “[...] se um círculo de leitura inicia antes</p><p>de seus participantes terem clareza de como ele funciona [...] as chan-</p><p>ces de sucesso da atividade serão muito pequenas” (COSSON, 2014,</p><p>p. 165). Enfim, cabe ao professor ensinar aos seus alunos não apenas o</p><p>que é um círculo de leitura, mas também mostrar como ele funciona e</p><p>os procedimentos que os participantes devem obedecer em todas as</p><p>suas fases. A seguir, análise do conto “Nada de novo na frente ociden-</p><p>tal”; mote para a proposta de intervenção didática a ser apresentada.</p><p>2.3 Um olhar sobre o conto “Nada de novo na frente ocidental”</p><p>O conto “Nada de novo na frente ocidental”, que integra a cole-</p><p>tânea Antologia: meus contos preferidos, foi publicado pela primeira</p><p>vez em Invenção e memória, em 2000, e pode ser considerado, segun-</p><p>do estudo de Lucena (2018), uma flagrante inspiração memorialista ou</p><p>autobiográfica. Entre os 15 contos que compõem o livro, “Nada de novo</p><p>na frente ocidental” fecha a coletânea e se passa no período da juven-</p><p>tude da escritora na cidade de São Paulo, durante a 2ª. Guerra Mundial.</p><p>O conto é narrado de um centro fixo, pela narradora personagem, que</p><p>reside com a mãe em um pequeno apartamento na rua Sete de abril,</p><p>ao lado da Praça da República. O relato focaliza a participação da pro-</p><p>tagonista na defesa da pátria, atuando como legionária, bem como a</p><p>perda sofrida com a morte do pai; o que suspende as expectativas da</p><p>ordenação cotidiana.</p><p>162</p><p>O Clássico em sala de aula: uma proposta de leitura literária na EJA com o conto “nada de novo</p><p>na frente ocidental”, de Lygia Fagundes Telles</p><p>Tendo como pano de fundo histórico a Segunda Guerra Mundial,</p><p>Lygia F. Telles inscreve o conto em uma perspectiva que, embora figu-</p><p>re a memória individual da narradora protagonista, ganha um alcance</p><p>coletivo. Memória coletiva porque traz à tona episódios da história bra-</p><p>sileira, que se fundem, no entanto, a elementos e recursos ficcionais,</p><p>como é o caso da passagem vivenciada pela narradora, que relata um</p><p>dia de sua ronda como legionária: “Queira apagar o seu cigarro! [...],</p><p>uma simples brasa pode orientar o avião inimigo [...] Mas quem vai</p><p>atirar bombas [...] Somos tratados como seres inferiores [...]” (TELLES,</p><p>2004, p. 231-232). Encontrando lastro na realidade histórica brasileira,</p><p>o blecaute, situação narrativa relatada no conto, constituiu-se em uma</p><p>das atribuições das legionárias; função assumida pela protagonista no</p><p>período da participação do Brasil na guerra. É, então, envolta na ex-</p><p>periência da guerra que a protagonista recebe, de súbito, a notícia da</p><p>morte do pai: “O desconhecido telefonou, [...]... ele não era o seu pai?</p><p>[...]era manhã quando minha mãe se preparava para a viagem, [...]es-</p><p>pera! Deixa-me viver plenamente [...]” (TELLES, 2004, p. 234).</p><p>As lembranças da mãe se despedindo serão bruscamente in-</p><p>terrompidas pela triste notícia da morte do pai. . A partir deste ponto</p><p>da narrativa, a narradora sobrepõe diversas lembranças à lembrança</p><p>do telefonema; tentativa de apagá-la da memória, como se, ao fazê-lo,</p><p>conseguisse evitar a morte do pai. A fim de levar a protagonista a “es-</p><p>quecer” o telefonema, a autora faz uso de duas marcações temporais:</p><p>a cronológica</p><p>e a psicológica. O tempo cronológico se apresenta pelo</p><p>transcorrer do presente da ação, quando, por exemplo, conversa com a</p><p>mãe após a noite de ronda pela cidade: “Trouxe as xícaras [...]. Avisou</p><p>que o pão com manteiga já estava no forno [...]. A faculdade estava em</p><p>greve, eu estava de folga nessa manhã” (TELLES, 2004, p.228). Aqui se</p><p>pode observar a passagem de uma sucessão de eventos: a mãe trazen-</p><p>do as xícaras, avisando do pão no forno, bem como a informação sobre</p><p>a greve na faculdade. O presente da enunciação é, no entanto, inter-</p><p>rompido por recordações ligadas ao seu passado: “Primeiros socorros</p><p>– foi o curso que escolhi quando as moças da Faculdade [...] funda-</p><p>ram a Legião Universitária Feminina de Defesa Antiaérea [...]” (TELLES,</p><p>2004, p. 230). O fragmento remete a um tempo mais remoto, quando a</p><p>163</p><p>O Clássico em sala de aula: uma proposta de leitura literária na EJA com o conto “nada de novo</p><p>na frente ocidental”, de Lygia Fagundes Telles</p><p>jovem se alistara para fazer parte do grupo de legionárias; em passado</p><p>menos remoto, a experiência do treino militar. Acionados pela ativação</p><p>da memória da personagem, os fatos trazem à tona eventos anteriores</p><p>ao presente da ação, inscrevendo o conto no domínio da anacronia, que</p><p>se estabelece pelo uso da analepse.</p><p>As lembranças acionadas pela narradora são, no entanto, atra-</p><p>vessadas pelo fluxo de seu pensamento, advindo do monólogo inte-</p><p>rior, que ganha intensidade com a morte repentina do pai: “Quando</p><p>chegasse em casa ia encontrar minha mãe disfarçando o pânico e o</p><p>vinco entre as sobrancelhas, para não aborrecer a filha heroica [...] Eu</p><p>teria que dizer alguma coisa que a deixasse calma e de repente me</p><p>vi repetindo o que disse meu pai sobre a loucura do tio Garibaldi: Vai</p><p>passar, mãe. Tudo vai passar” (TELLES, 2004, p. 232-233). O excerto traz</p><p>uma recordação do dia do exercício do blecaute e concede ao leitor</p><p>entrar em contato com o universo íntimo da jovem. Essa visada inti-</p><p>mista é desdobramento de estratégias narrativas usadas pela autora:</p><p>de um lado, o narrador autodiegético e, de outro, a focalização interna;</p><p>recursos narrativos que permitem não só a reflexão interiorizada so-</p><p>bre os fatos, mas também que as situações narrativas fiquem centrali-</p><p>zadas à consciência e à perspectiva da narradora protagonista. Esses</p><p>procedimentos técnico-narrativos dão oportunidade para que o leitor</p><p>tenha acesso à realidade humana da personagem, seja em relação às</p><p>dificuldades vividas no período de guerra, seja em relação às aflições</p><p>geradas pela morte súbita do pai.</p><p>Ao tomar conhecimento da perda do pai, a narração é cruza-</p><p>da por acontecimentos, reflexões, pensamentos e/ou sentimentos da</p><p>personagem, que se misturam no tempo e no espaço; subterfúgios usa-</p><p>dos pela narradora para esquecer a morte do pai. Um deles é se valer</p><p>da imaginação: enfermeira dedicada na cidade italiana de Nápoles,</p><p>imagina-se cuidando de um soldado na 2ª. Guerra Mundial. O artifício</p><p>fracassa, porque o devaneio é interrompido pela lembrança da morte</p><p>paterna. A seguir, deixa de lado o passado recente e a imaginação,</p><p>e concentra-se no presente, mais especificamente no encontro com o</p><p>poeta. Ao perceber a impotência, a última tentativa é incitar o pai a</p><p>evitar a morte, mesmo sabendo que ele já está morto: “Pai, depressa,</p><p>164</p><p>O Clássico em sala de aula: uma proposta de leitura literária na EJA com o conto “nada de novo</p><p>na frente ocidental”, de Lygia Fagundes Telles</p><p>mude de lugar [...] vá para os pés da cama se ela estiver na cabeceira,</p><p>saia do quarto e vá para a rua! Abro a porta e respiro. É cedo, não avan-</p><p>ce no tempo” (TELLES, 2004, p. 235). Diante da morte a ser encarada, a</p><p>protagonista prefere encobrir a verdade, a fim de evitar o luto e a me-</p><p>lancolia; forma de manter a tranquilidade cotidiana e se preservar das</p><p>adversidades que virão com a perda da figura paterna. Essa (des)or-</p><p>ganização textual, reflexo da erupção da vida interior da personagem,</p><p>desnorteia o leitor acostumado ao modelo narrativo linear.</p><p>Com relação ao movimento temporal retrospectivo de aconteci-</p><p>mentos ligados à Segunda Guerra, pode-se afirmar que o conto reflete</p><p>o papel da mulher na sociedade, aqui no contexto dos anos de 1940.</p><p>Parte do enredo traduz a imagem da jovem corajosa, engajada e que</p><p>luta pela pátria ao se alistar e ter senso coletivo. Comportamento que</p><p>causa estranheza aos transeuntes que se espantavam com a participa-</p><p>ção de “mocinhas” na Segunda Guerra Mundial: “[...] ficavam, assim,</p><p>pasmos, o que significava aquilo? As mocinhas também iam comba-</p><p>ter?!” (TELLES, 2004, p. 231). Formação discursiva que reflete valores</p><p>vinculados à sociedade patriarcal, mas que são contrariados pela pro-</p><p>tagonista, que põe à mostra o perfil de uma jovem que ultrapassa os</p><p>padrões de seu tempo: estuda direito em uma faculdade só de homens,</p><p>e é membro da Legião Universitária de Defesa Passiva Antiaérea, para</p><p>auxiliar na questão da guerra. Deste modo, a personagem, além de</p><p>fraturar o discurso de que o espaço destinado à mulher está reduzido</p><p>ao lar, conforme Dalcastagnè (2005), no que diz respeito às narrativas</p><p>literárias contemporâneas, Lygia também rompe com pressupostos,</p><p>assinalados por Zolin (2015), de que, mesmo quando as escritoras são</p><p>mulheres, refletem nas suas produções fortes marcas da ideologia pa-</p><p>triarcal; dicotomias hierarquizadas de gêneros, como a mulher-objeto</p><p>X sujeito-homem; silencio X voz, dominação X submissão, etc.</p><p>Dado o pano de fundo histórico, o título do conto faz menção ao</p><p>livro de Remarque, Nada de novo no front, publicado em 1929, e tam-</p><p>bém ao filme de mesmo nome que, em síntese, mostram os horrores da</p><p>Primeira Guerra Mundial. Segundo Carvalho (2019), a obra não explica</p><p>a guerra, mas promove uma reflexão provocativa sobre ela e a condi-</p><p>ção humana naquele início do século XX. Contrariamente à exaltação</p><p>165</p><p>O Clássico em sala de aula: uma proposta de leitura literária na EJA com o conto “nada de novo</p><p>na frente ocidental”, de Lygia Fagundes Telles</p><p>militarista da época, o escritor constrói personagens que não são pro-</p><p>priamente heróis, mas vítimas de todo o contexto de guerra. O conto</p><p>é também perpassado por outras referências culturais, como o bolero</p><p>“Noche de ronda”, composição de Agustín Lara Aguirre del Pino a Fré-</p><p>déric Chopin, ao poeta Charles Baudelaire e sua obra As flores do mal.</p><p>Considerando o exposto, o conto “Nada de novo na frente oci-</p><p>dental” é entremeado de intertextos, que colaboram para a sua quali-</p><p>dade estética, ao mesmo tempo que exigem do interlocutor uma lei-</p><p>tura atenta, uma vez que geram efeitos de sentido que necessitam ser</p><p>apreendidos para a sua compreensão. Entre as temáticas que o conto</p><p>envolve, estão a Segunda Guerra Mundial, questões relacionadas ao</p><p>patriotismo e a ajuda ao próximo em períodos difíceis, a problemáti-</p><p>ca ligada à perda, à morte, à religiosidade; também o papel e o lugar</p><p>da mulher na sociedade ganham destaque. Por meio da tríade, auto-</p><p>ra–narradora–protagonista, o conto oportuniza espaço para o gênero</p><p>feminino, bem como colabora para a superação de representações</p><p>identitárias embasadas em concepções redutoras e/ou estereotipadas</p><p>do ser humano na Literatura, entre eles a da mulher, concorrendo para</p><p>a identificação e transformação do indivíduo que lê a obra. E, em meio</p><p>às alegrias, tristezas, esperanças, angústias, sonhos, músicas, que per-</p><p>meiam a vida humana, figurada pela personagem narradora, o conto</p><p>favorece que o jovem leitor se veja diante de um projeto estético rico</p><p>e humanizador.</p><p>A partir do exposto, apresenta-se, a seguir, proposta de inter-</p><p>venção didática que coloca como centro do ensino e da aprendizagem</p><p>o conto “Nada de novo na frente ocidental”, visando ao letramento lite-</p><p>rário aliado ao resgate do texto clássico em sala de aula.</p><p>3 Leitura literária: proposta didática</p><p>O material didático organiza-se em 15 aulas de 50 minutos e</p><p>segue a seguinte estruturação: 1. PREPARAÇÃO (etapa anterior ao cír-</p><p>culo): a. Seleção de textos; b. A disposição dos leitores</p><p>(preparação do</p><p>leitor para participar das discussões–atividades motivadoras); c. A sis-</p><p>tematização das atividades (obras a serem lidas, calendário, local, pa-</p><p>péis dos leitores em cada reunião, regras de convivência); 2. EXECU-</p><p>ÇÃO: a. O ato de ler (leitura propriamente dita, que pode ser feita de</p><p>166</p><p>O Clássico em sala de aula: uma proposta de leitura literária na EJA com o conto “nada de novo</p><p>na frente ocidental”, de Lygia Fagundes Telles</p><p>forma silenciosa, compartilhada em voz alta, extraclasse, pelo profes-</p><p>sor, etc.); b. O compartilhamento: Pré-discussão (anotações de impres-</p><p>sões durante e depois da leitura); Discussão propriamente dita (pode</p><p>começar com uma pergunta quebra-gelo ou um roteiro para intensi-</p><p>ficar a discussão); O registro (diário de leitura, júri simulado, vídeos,</p><p>reescrituras, resenhas, etc.); 3. AVALIAÇÃO (sistematizada): Combina-</p><p>ção de avaliação e autoavaliação.</p><p>A primeira etapa, Preparação,1 está organizada em 5 aulas de</p><p>50 minutos com 2 atividades no total, que têm por objetivo motivar os</p><p>alunos a conhecer o funcionamento do círculo de leitura por meio do</p><p>quadro síntese das etapas e pela elaboração conjunta de regras de</p><p>convivência, bem como levá-los a expressar as suas histórias de leito-</p><p>res, a partir de alguns questionamentos. São apresentados vídeos, que</p><p>abordam tanto a importância dos clássicos para a humanidade quanto</p><p>a homenagem às voluntárias brasileiras que atuaram na Segunda guer-</p><p>ra mundial. 3</p><p>A atividade ligada ao conhecimento da história de leitor do alu-</p><p>no ajudará o docente a conhecer um pouco da sua trajetória de leitura,</p><p>como também a promover a socialização da turma. Para ajudá-lo a in-</p><p>quirir o hábito de leitura dos alunos e a selecionar textos que venham</p><p>ao encontro dos interesses dos educandos, sugere-se um questioná-</p><p>rio com questões que procuram investigar a ligação do aluno com a</p><p>leitura/Literatura/obra clássica. As atividades preparatórias englobam</p><p>rodas de conversas, questionário sobre leitura, exibição de vídeos e</p><p>fotografias, roteiros de leitura para discussões sobre o clássico; produ-</p><p>ção, apresentação e exposição de cartazes referentes às leituras que</p><p>marcaram os alunos. As demais atividades buscam intensificar a inte-</p><p>ração do grupo, bem como modelá-lo para a melhor compreensão e</p><p>participação das discussões no círculo de leitura. Nesse momento, in-</p><p>sere-se o diário de leitura, no qual farão o registro sobre suas impres-</p><p>sões, dúvidas de vocabulário, estrutura da narrativa, entre outros. Cabe</p><p>destacar que o diário de leitura provoca a expressão subjetiva dos lei-</p><p>2 Vídeo: Eu sei, mas não devia”–Marina Colasanti https://www.culturagenial.com/</p><p>eu-sei-mas-nao-devia-marina-colasanti</p><p>3 Vídeo: homenagem às voluntárias brasileiras que atuaram na Segunda Guerra:</p><p>https://dunapress.org/2020/03/14/mulheres-brasileiras-que-atuaram-como-enfer-</p><p>meirasna-segunda-guerra-mundial/</p><p>about:blank</p><p>about:blank</p><p>167</p><p>O Clássico em sala de aula: uma proposta de leitura literária na EJA com o conto “nada de novo</p><p>na frente ocidental”, de Lygia Fagundes Telles</p><p>tores, valorizando a sua recepção crítica do texto literário em análise, e</p><p>também permite que coloque textos em diálogo, que dialogue com os</p><p>colegas e com o professor.</p><p>Em seguida, a Execução, etapa dividida em três fases: o ato de</p><p>ler, o compartilhamento e o registro. Esta etapa está organizada em</p><p>10 aulas de 50 minutos, sendo 2 para a Leitura, 2 para a Pré-discus-</p><p>são, 3 para a Discussão, 2 para o Registro, e compreendem as ativida-</p><p>des da oitava à décima sétima.</p><p>É importante compreender que a Leitura é uma etapa impres-</p><p>cindível para o desenvolvimento do material didático proposto. Por</p><p>isso, o ato de ler será acompanhado de diferentes procedimentos e ati-</p><p>vidades, que correspondem às etapas inicialmente descritas. O acom-</p><p>panhamento da leitura será feito no círculo e de forma compartilhada.</p><p>As atividades das fases têm como objetivo criar oportunidades de en-</p><p>riquecimento da leitura do conto “Nada de novo na frente ocidental”.</p><p>A fase da Leitura inicia-se com uma rápida apresentação da bio-</p><p>grafia da autora e alguns aspectos pontuais de sua obra e/ou curio-</p><p>sidades, que auxiliam o aluno a situar-se no universo do conto. Com</p><p>o diário de leitura e o texto em mãos, os alunos farão predições a</p><p>partir de seu título, bem como farão o registro sobre as impressões</p><p>pessoais, após a leitura. Optou-se pela narrativa curta a fim de pro-</p><p>mover a leitura coletiva. O professor também propõe aos participan-</p><p>tes que relacionem o conto com situações vivenciadas, bem como se</p><p>traz lembrança de um filme, músicas, pintura etc. Estes aspectos, ano-</p><p>tados no diário de leitura, serão base para o início da Pré-discussão.</p><p>Alguns links utilizados nessa etapa:</p><p>Na etapa da Pré-discussão podem ser levantados muitos as-</p><p>pectos ligados à linguagem literária e às primeiras impressões que o</p><p>leitor teve sobre o texto, que o ajudarão a dar corpo às discussões sub-</p><p>sequentes. Anotações podem ser feitas no diário de leitura de forma</p><p>individual, em duplas ou coletivamente, com ou sem instruções especí-</p><p>ficas. Considerando que as anotações dão lastro ao debate, apresenta-</p><p>-se um roteiro de perguntas que norteará os alunos a refletirem sobre</p><p>a obra, dando-lhes voz e, ao mesmo tempo, oportunizando a amplia-</p><p>ção coletiva dos sentidos do texto. Algumas perguntas sugeridas nessa</p><p>168</p><p>O Clássico em sala de aula: uma proposta de leitura literária na EJA com o conto “nada de novo</p><p>na frente ocidental”, de Lygia Fagundes Telles</p><p>fase: 1. O que sentiu ao ler o conto (angústia, tristeza, alegria, interesse,</p><p>curiosidade, etc.)? Justifique. 2. Qual é a sua opinião sobre a linguagem</p><p>empregada pela autora (inovadora ou não, de fácil ou de difícil enten-</p><p>dimento? Comente. 3. Você teve alguma dúvida quanto ao vocabulário?</p><p>Se sim, quais? Surgiram outras dúvidas? O que fez para saná-las? 4.</p><p>Qual é o tipo de narrador presente no texto? Comprove com uma pas-</p><p>sagem do conto; entre outras.</p><p>Em seguida, passa-se para o momento da Discussão de fato.</p><p>Nesta fase, objetiva-se a discussão afiada, o diálogo fundante da leitura</p><p>literária. Importante esclarecer que, nas discussões, não há respostas</p><p>certas ou erradas, e sim o desejo de entender o que se leu no grupo.</p><p>Quanto ao tempo para a realização desta fase, o professor-mediador</p><p>pode adequá-lo, dependendo do público-alvo. Neste momento do cír-</p><p>culo, promove-se as seguintes atividades: De início, leitura e discussão</p><p>do conto “Colheita”, de Nélida Pinõn, 24 com o seguinte roteiro de per-</p><p>guntas: 1. O que sentiu ao ler o conto “Colheita”? Angústia, tristeza,</p><p>alegria, interesse, curiosidade, etc.? Justifique. 2. A leitura do conto fez</p><p>com que você se lembrasse de algum filme, música, outras obras e/</p><p>ou personagens? Em caso afirmativo, qual é a semelhança e/ou dife-</p><p>renças? 3. Como você caracteriza a relação das personagens antes da</p><p>viagem e depois do regresso do marido? Comente. 4. Por que, na sua</p><p>opinião, a autora não nomeia as personagens do conto? Comente. 5. O</p><p>marido, antes da viagem, compara a relação matrimonial ao paraíso.</p><p>Na sua opinião, por que ele faz essa comparação?; entre outras. Após as</p><p>discussões, traz-se outro roteiro de questões, a fim de ampliar os sen-</p><p>tidos do texto de Lygia, por meio do diálogo entre os contos. Algumas</p><p>questões dessa etapa: 1. Quais semelhanças e diferenças é possível</p><p>apontar entre os textos em relação ao modo de contar a história? Expli-</p><p>que. 2. Qual é o papel social delegado à mulher em ambos os textos?</p><p>Justifique com passagens do texto. 3. Que relação é possível estabele-</p><p>cer entre a temática abordada no conto de Nélida e em “Nada de novo</p><p>na frente Ocidental”? 4. Em sua opinião, qual personagem do conto de</p><p>Lygia F. Telles assemelha-se à esposa do conto de Piñon? Por que você</p><p>chegou a essa conclusão?; entre outras.</p><p>4 Colheita-https://contobrasileiro.com.br/colheita-conto-de-nelida-pinon</p><p>169</p><p>O Clássico em sala de aula: uma proposta de leitura literária na EJA com o conto “nada de novo</p><p>na frente ocidental”, de</p><p>Lygia Fagundes Telles</p><p>A fase do Registro é o momento em que os participantes refle-</p><p>tem sobre como estão lendo e o funcionamento do grupo, bem como</p><p>acerca do texto literário e das leituras compartilhadas. Na fase do Re-</p><p>gistro, promove-se o conhecimento e a produção da tipologia textual</p><p>narração. Propõe-se aos alunos a elaboração de um texto narrativo, que</p><p>aponte para “[...] alguma coisa que vai acontecer” (TELLES, 2004, p.235),</p><p>como afirma a protagonista nas linhas finais do conto: “Estendi as pernas</p><p>até o almofadão e pensei como era maravilhoso ficar assim disponível,</p><p>sonhando e esperando por alguma coisa que vai acontecer” (TELLES,</p><p>2004, p. 235). Sugere-se algumas questões para suscitar a continuidade</p><p>do conto: Como a mãe recebe a notícia da morte do marido? Como pode</p><p>ter sido o enterro? Que rumo a protagonista toma? E a mãe? Você pode</p><p>inserir nova(s) personagem(s): uma amiga próxima que vem dar apoio,</p><p>o amigo poeta, ou mesmo o tio que foi mencionado como “louco”, um</p><p>outro parente, etc. A produção deverá ter no mínimo 20 e, no máximo, 30</p><p>linhas. O texto deverá ser entregue e avaliado pelo professor, conside-</p><p>rando análise linguística, características do gênero textual etc., e, caso</p><p>necessário, ele poderá propor a reescrita do texto.</p><p>A Avaliação, compreende a última etapa, que deve ser realiza-</p><p>da de modo sistematizado. No caso da proposta que aqui se apresen-</p><p>ta, sugere-se que a avaliação seja realizada por meio do recolhimento</p><p>dos diários de leitura para avaliação/acompanhamento da evolução no</p><p>processo de leitura e escrita dos alunos. Também se propõe uma ficha</p><p>avaliativa, que tem o intuito de analisar o andamento do círculo de lei-</p><p>tura, bem como a participação/desempenho dos alunos nas atividades</p><p>propostas, a partir de algumas questões (autoavaliação). Aqui, segue</p><p>sugestão de questões da ficha avaliativa utilizada no material: 1.Você</p><p>gostou do conto escolhido para foco da discussão “Nada de novo na</p><p>frente ocidental”? Comente. 2. De qual/quais atividade(s) gostou mais?</p><p>E as que menos gostou? Argumente. 3. Você considera que teve uma</p><p>boa participação no círculo de leitura? Se sim, aponte em quais ativida-</p><p>des você se saiu melhor, por quê? 4. Você sugere algum livro/texto que</p><p>gostaria que fosse lido de forma compartilhada? 5. Você tem alguma</p><p>sugestão de atividade que gostaria que fosse incluída no círculo?</p><p>170</p><p>O Clássico em sala de aula: uma proposta de leitura literária na EJA com o conto “nada de novo</p><p>na frente ocidental”, de Lygia Fagundes Telles</p><p>Enfim, salienta-se que, para que a proposta possa alcançar índi-</p><p>ce satisfatório, o papel do professor-mediador é essencial no processo.</p><p>É nesse sentido que Brandileone e Silva (2020, p. 56) dão ênfase à fi-</p><p>gura do professor como mediador do processo da educação literária,</p><p>que tem sua gênese quando socializa com seus alunos-leitores o en-</p><p>tusiasmo pela Literatura, motiva o diálogo e suscita debates entre os</p><p>estudantes.</p><p>4 Considerações Finais</p><p>Na contemporaneidade, os estudos que solidificam o arcabouço</p><p>teórico-metodológico vigente apontam para a educação como um ato</p><p>social, o que preconiza a interação com o outro como processo essen-</p><p>cial para aprendizagem. Essas concepções são extremamente impor-</p><p>tantes para a promoção da educação literária no contexto social atual,</p><p>que centra seus esforços na leitura interpretativa das obras, tendo</p><p>em vista a construção coletiva de sentidos para o texto, mediada pelo</p><p>professor. Tendo claro que o letramento literário não se manifesta de</p><p>modo espontâneo, urge sistematizar uma prática de letramento voltada</p><p>ao literário. Tal processo de sistematização concretiza-se nesta propos-</p><p>ta de intervenção, cujo fim é adotar uma prática metodológica para</p><p>recuperar o espaço da literatura, sobretudo a clássica, no ambiente es-</p><p>colar e, assim, educar o sujeito leitor para e pelo texto literário; para e</p><p>pela sua humanização.</p><p>Para tanto, esta proposta, conforme destacado, fundamenta-se</p><p>nos pressupostos metodológicos voltados ao letramento literário, consi-</p><p>derando o Círculo de Leitura (COSSON, 2014), que estabelece a leitura</p><p>e a discussão coletiva acerca do texto em estudo. Já o diário de leitura</p><p>oferece-se como mais uma estratégia metodológica que valoriza as im-</p><p>pressões subjetivas do aluno (ROUXEL, 2013; JOUVE, 2012), bem como o</p><p>seu processo de leitura e reescritura da literatura/da vida, favorecendo</p><p>a formação de uma comunidade de leitores. Para isso, além de acompa-</p><p>nhar o processo de leitura realizado pelos alunos, auxiliando-os a des-</p><p>velar os significados na obra literária, cumpre ao professor-mediador</p><p>convidar o aluno para a aventura interpretativa, ancorando-o, porém, no</p><p>processo interpretativo (ROUXEL, 2013, p. 29).</p><p>171</p><p>O Clássico em sala de aula: uma proposta de leitura literária na EJA com o conto “nada de novo</p><p>na frente ocidental”, de Lygia Fagundes Telles</p><p>Em suma, tem-se a expectativa de que esta proposta pedagógi-</p><p>ca possa servir como sugestão para o trabalho docente com o clássico</p><p>em sala de aula, sobretudo para os professores da EJA, segmento de</p><p>ensino, não raro, esquecido pelas políticas públicas e pela própria ins-</p><p>tituição escolar.</p><p>Referências</p><p>BRANDILEONE, Ana Paula Franco Nobile; SILVA, Lizabeth Rogate de. A</p><p>sala de aula como espaço formador de pensadores literários: contri-</p><p>buições de Judith Langer para o ensino de literatura. In: BRANDILEO-</p><p>NE, Ana Paula Franco Nobile; OLIVEIRA, Vanderléia da Silva Oliveira</p><p>(Orgs.). Literatura e língua portuguesa na educação básica: ensi-</p><p>no e mediações formativas. Campinas: Editora Pontes, 2020. p. 55-76.</p><p>CANDIDO, Antonio. O direito à Literatura. In: Vários escritos. 3ed. São</p><p>Paulo: Duas Cidades, 1995. p.169-191.</p><p>CALVINO, Italo. Por que ler os clássicos?. Tradução Nilson Moulin.</p><p>São Paulo: Companhia das Letras, 1993.</p><p>CARVALHO, Bruno Leal Pastor de. ‘Nada de novo no front’: um clássi-</p><p>co faz 90 anos. In: Café História – História feita com cliques. Publicado</p><p>em 4 de março de 2019. Disponível em: Acesso em: 30 abr. 2021.</p><p>COSSON, Rildo. Círculos de leitura e letramento literário. São Pau-</p><p>lo: Contexto, 2014.</p><p>COSSON, Rildo. Letramento literário: teoria e prática. 2 ed. São Pau-</p><p>lo: Contexto, 2018.</p><p>DALCASTAGNÈ, Regina. A personagem do romance brasileiro con-</p><p>temporâneo: 1990-2004. Estudos de Literatura Brasileira Contempo-</p><p>rânea, Brasília, n.26, p.13-71, jul.-dez 2005.</p><p>FERNANDES, Simone de Almeida. O clássico em sala de aula: uma</p><p>proposta de leitura literária na EJA com Lygia Fagundes Telles. 2021.</p><p>347 f. Dissertação (Mestrado Profissional em Letras). Universidade Es-</p><p>tadual do Norte do Paraná, Cornélio Procópio, 2021.</p><p>172</p><p>O Clássico em sala de aula: uma proposta de leitura literária na EJA com o conto “nada de novo</p><p>na frente ocidental”, de Lygia Fagundes Telles</p><p>FRITZEN, Celdon. O entorno da pergunta “o que significa ensinar li-</p><p>teratura”: Reflexões sobre seu lugar e papel na educação básica. In</p><p>CECHINEL, André; SALES, Cristiano de. (Org.). O que significa ensi-</p><p>nar literatura? Florianópolis: EdUFSC; Criciúma; Ediunesc, 2017. p.</p><p>109-121.</p><p>JOUVE, Vincent. Por que estudar literatura? Trad. Marcos Bagno;</p><p>Marcos Marcionilo, São Paulo: Parábola, 2012.</p><p>LUCENA, Suênio Campos de. Uma análise do conto/testemunho ‘Nada</p><p>de novo na frente ocidental’, de Lygia Fagundes Telles. Revista Ma-</p><p>traga, Rio de Janeiro, v. 25, n. 43, p. 89-104, jan-abr 2018.</p><p>OLIVEIRA, Vanderleia da Silva. Instâncias canônicas: reflexões sobre</p><p>o contexto brasileiro. Encontro Paranaense Pós-Graduado em Estudos</p><p>Literários, 2, 2005, Curitiba. Anais...Curitiba, 2005.</p><p>PERRONE-MOISÉS, Leyla. Altas literaturas. São Paulo: Companhia</p><p>das Letras, 1998.</p><p>ROUXEL, Annie. Aspectos metodológicos do ensino de literatura. In:</p><p>DALVI, Maria Amélia et. al. (orgs.). Leitura de Literatura na Escola.</p><p>São Paulo: Parábola, 2013.p.17-31.</p><p>SEGABINAZI, Daniela Maria. A mediação do professor no ensino de</p><p>literatura: os discursos oficiais e acadêmicos. Terra Roxa e outras</p><p>Terras, Londrina, vol.</p><p>31, p. 82-93, dez. 2016.</p><p>TELLES, Lygia Fagundes. Invenção e memória. Rio de Janeiro: Rocco,</p><p>2000.</p><p>TELLES, Lygia Fagundes. Antologia: meus contos preferidos. Rio de</p><p>Janeiro: Rocco, 2004.</p><p>ZOLIN, Lúcia Osana. Espaços (des) interditados: o lugar da mulher na</p><p>narrativa de autoria feminina paranaense contemporânea. In: DAL-</p><p>CASTAGNÈ, Regina; LEAL, Virgínia Maria Vasconcelos. Espaço e gê-</p><p>nero na literatura brasileira contemporânea. Porto Alegre: Zouk,</p><p>2015. p.197-217.</p><p>173</p><p>O ensino da literatura popular:</p><p>relação de pertencimento afetivo através das histórias e heranças presentes no cordel</p><p>O ENSINO DA LITERATURA POPULAR: RELAÇÃO DE</p><p>PERTENCIMENTO AFETIVO ATRAVÉS DAS HISTÓRIAS</p><p>E HERANÇAS PRESENTES NO CORDEL</p><p>Jailse Maria Lopes da Silva</p><p>Luciane Alves Santos</p><p>1 Introdução</p><p>A leitura e o despertar de uma consciência literária fazem-se ne-</p><p>cessários para almejar um aprendizado edificante, prazeroso</p><p>e, principalmente, de apreciação de diferentes culturas. Ainda</p><p>que exista enorme diversidade na produção artística nacional, é per-</p><p>ceptível nas escolas a dificuldade em alcançar a valorização da Lite-</p><p>ratura de Cordel nas salas de aula. Muitos dos nossos profissionais da</p><p>área educacional, assim como pais e alunos, carregam o preconceito,</p><p>de forma imperceptível, ao cogitar a cultura popular como detentora</p><p>de menor grau de importância, por considerarem diversas instâncias</p><p>que compõem o sistema literário: a linguagem culta e escrita como mo-</p><p>delo de comunicação, a desvalorização mercadológica, o perfil socio-</p><p>cultural do sujeito que costumava produzi-lo, os espaços de circulação,</p><p>entre outros.</p><p>Se assim o fosse, a escrita e a oralidade constituiriam fenôme-</p><p>nos díspares, quando, na verdade, apresentam muito mais semelhanças</p><p>do que diferenças. Talvez esse prejulgamento seja devido à tessitura</p><p>do cordel e, até mesmo, ao valor de venda cobrado em cada livreto,</p><p>que não expressa a grandeza real da obra e a amplitude de conheci-</p><p>mento que nela está engastada. Observamos também que muitos são</p><p>os docentes da língua que se limitam a trabalhar os textos da cultura</p><p>literária popular sem contextualizá-los e de maneira superficial, sem</p><p>levar em conta as particularidades que há na formação e estrutura des-</p><p>sa produção artística.</p><p>É importante frisar que, ao explorar de forma aleatória a escritu-</p><p>ra do cordel, sem a devida contextualização, os professores promovem</p><p>174</p><p>O ensino da literatura popular:</p><p>relação de pertencimento afetivo através das histórias e heranças presentes no cordel</p><p>ainda mais a marginalização cultural na qual a literatura popular está</p><p>inserida, não permitindo que os alunos descubram as especificidades</p><p>da oralidade e da cadência melodiosa dos versos, como também não</p><p>lhes é permitido conhecer os artistas que propagam essa cultura, dan-</p><p>do-lhes menos importância no contexto literário.</p><p>A partir dessa problemática, de marginalização dos folhetos e da</p><p>ausência de práxis que propague a beleza de seus versos poéticos, vi-</p><p>mos a necessidade de utilizar a literatura popular dos folhetos de cordel</p><p>como nosso instrumento norteador de estudo, na aspiração de estabele-</p><p>cer um vínculo afetivo e transformador do sujeito através de sua forma-</p><p>ção leitora.</p><p>Nesse sentido, este capítulo se propõe a apresentar uma pro-</p><p>posta pedagógica que favoreça o entendimento e a aproximação do</p><p>leitor da poesia através dos folhetos de cordel. Por meio de um projeto</p><p>de ensino, podemos incentivar o interesse pela leitura de textos literá-</p><p>rios da cultura popular paraibana, oportunizar aos discentes reparar</p><p>na beleza dos aspectos estruturais, expressivos e estilísticos, manifes-</p><p>tando sentimentos, experiências, ideias e opiniões diante da literatura</p><p>de cordel.</p><p>Para desenvolvimento desta proposta interventiva, ancoramo-</p><p>-nos teoricamente nos estudos da Literatura Oral pelo viés da persis-</p><p>tência e da captação do conhecimento cultural e seu reconhecimen-</p><p>to como objeto de estudo, conforme aponta Cascudo (2006), e Abreu</p><p>(1999), que retoma a história e características pertinentes ao gênero</p><p>cordel. Continuaremos com Candido (2011); Pinheiro (2002) e Pinhei-</p><p>ro e Marinho (2012) sobre a abordagem da poesia e a utilização dos</p><p>folhetos de cordel em sala de aula. Para a consolidação e aplicação</p><p>metodológica da proposta de trabalho, nos respaldamos nos estudos</p><p>da literatura através dos temas caracterizadores e no Método Recep-</p><p>cional, proposto por Aguiar e Bordini (1993).</p><p>175</p><p>O ensino da literatura popular:</p><p>relação de pertencimento afetivo através das histórias e heranças presentes no cordel</p><p>2 A história do Cordel: uma literatura popular resistente</p><p>O homem, em busca de expressar seus conhecimentos, suas</p><p>descobertas e seus sentimentos, utiliza a linguagem para compartilhar</p><p>suas histórias como forma de entreter, educar e preservar as desco-</p><p>bertas, os saberes e os valores que possui, constituindo assim a forma-</p><p>ção de uma literatura oral.</p><p>De acordo com os estudos de Márcia Abreu (1999, p.73), no Livro</p><p>Histórias de Cordéis e Folhetos, a literatura oral não apresenta uma de-</p><p>limitação cronológica de seu início, porém tomamos como surgimento</p><p>o fim do século XIX, período em que a arte da oralidade é propagada</p><p>como uma forma de expressão artística popular das mais antigas, e os</p><p>últimos anos da década de 1920, em que se definem as características</p><p>fundamentais desta literatura, chegando-se a uma forma “canônica”.</p><p>A Literatura oral carrega consigo o poder memorialístico, a ex-</p><p>pressão de que sua manifestação será diferenciada a cada momento de</p><p>apresentação oral, e por isso tem seu poder legítimo. Ou seja, cada vez</p><p>que um texto é perfomatizado, ele vai sendo dinamizado, transformado.</p><p>Para Cascudo (2006, p.21), a Literatura oral se apresenta em di-</p><p>ferentes manifestações, como: advinhas, anedotas, fábulas, provérbios,</p><p>lendas, contos, frases-feitas, orações, cantos; alcançando rumos maio-</p><p>res. Assim, surgiram histórias fantásticas em que nada era escrito, tudo</p><p>era memorizado e recontado, de geração em geração, numa ida e vinda</p><p>de falas impregnadas de beleza e de suspense. Logo, a Literatura Oral</p><p>Brasileira agrupa todas as mostras de deleite popular, mantidas pela</p><p>tradição formada por características trazidas pelas três culturas:</p><p>A literatura Oral brasileira se comporá dos elementos trazidos pe-</p><p>las três raças para a memória e uso do povo atual. Indígenas, portu-</p><p>gueses e africanos possuíam cantos, danças, estórias, lembranças</p><p>guerreiras, mitos, cantigas de embalar, anedotas, poetas e cantores</p><p>profissionais, uma já longa e espalhada admiração ao redor dos</p><p>homens que sabiam falar e entoar. (CASCUDO, 2006, p. 27)</p><p>Sabe-se de toda a barbárie que um processo de conquistas de</p><p>terras traz em sua história, mas não se pode negar a riqueza cultural</p><p>que o Brasil possui por ter em sua colonização essa cultura miscige-</p><p>nada e produzida de forma a construir, de maneira particular, em cada</p><p>176</p><p>O ensino da literatura popular:</p><p>relação de pertencimento afetivo através das histórias e heranças presentes no cordel</p><p>região, um país de histórias milenares que se propagam com o passar</p><p>do tempo.</p><p>Portanto, o estudo da oralidade, enquanto movimento de vozes,</p><p>performance, trânsito de discussões e conflitos, é de grande impor-</p><p>tância no cotidiano escolar. Faz-se necessário uma abordagem mais</p><p>extensiva e apropriada em sala de aula para que os alunos possam re-</p><p>conhecer o prestígio, a cultura, o valor estético e o valor histórico dos</p><p>quais a oralidade se apropria e nos faz legitimar seu valor em tempos</p><p>passados e em nosso cotidiano.</p><p>2.1 Um pouco mais sobre o a literatura de cordel</p><p>A Literatura de Folhetos Nordestina, no que diz respeito à sua</p><p>forma editorial, possui origens europeias, trazida pelos portugueses</p><p>em seus navios colonizadores. Há dificuldade em se apontar o marco</p><p>inicial dessa arte no Brasil devido à escassez de referência bibliográ-</p><p>fica do período. Haurélio (2013, p.11 e 15) afirma que o historiador li-</p><p>terário Silvio Romero já fazia uso do termo “literatura de cordel” em</p><p>estudos sobre</p><p>a poesia popular de 1885; este utilizava o termo cordel,</p><p>tomado de empréstimo dos estudiosos portugueses, para classificar os</p><p>folhetos que circulavam no Brasil no período que abrange o fim do re-</p><p>gime monárquico e os primeiros raios de sol da República. O cordel é</p><p>um gênero constituído por temas e enredos que se alternam entre his-</p><p>tórias clássicas e contemporâneas. Consolidou-se no Brasil por meio</p><p>de folhetos simples, impressos de forma artesanal, e comercializados</p><p>suspensos sobre barbantes e cordas. Para Abreu:</p><p>Não restaram registros dessa nos primeiros séculos da história do</p><p>Brasil, mas alguma notícia sobre cantorias oitocentistas foram con-</p><p>servadas. São informações e trechos de poemas guardados na me-</p><p>mória de antigos poetas entrevistados por folcloristas ou recons-</p><p>tituições feitas em folhetos recordando velhas pelejas. Se não há</p><p>registros inteiramente confiáveis, sujeitos aos deslizes da memória,</p><p>carregam consigo uma marca fundamental: o caráter fortemente</p><p>oral dessa produção ao que se refere tanto à composição quanto à</p><p>transmissão. (ABREU, 1999, p. 74)</p><p>Embora tenha origem, mais precisamente portuguesa, a Litera-</p><p>tura de Cordel, no Brasil, adquiriu estruturas específicas, destacadas</p><p>177</p><p>O ensino da literatura popular:</p><p>relação de pertencimento afetivo através das histórias e heranças presentes no cordel</p><p>por Abreu (1999, p.132 a 134); entre elas podemos apontar que, aqui</p><p>no Nordeste brasileiro, os autores compunham e vendiam os próprios</p><p>versos, esses mesmos autores e parte do público pertenciam às cama-</p><p>das populares.</p><p>Os folhetos guardam fortes vínculos com a tradição oral, a temá-</p><p>tica era pertencente tanto à cultura oral vinda de Portugal como tam-</p><p>bém ressaltava o cotidiano nordestino. Os poetas brasileiros suprimiam</p><p>dados supérfluos e alongamentos verbais desnecessários, contrapon-</p><p>do-se, portanto, à literatura de cordel portuguesa, que adaptava textos</p><p>de sucesso, dirigia-se ao conjunto da sociedade, possuía construções</p><p>prolixas em seus textos e os poetas portugueses interessavam-se pelas</p><p>vidas de nobres cavaleiros. Para Ferreira, nesta Literatura Popular, que</p><p>se produz no Nordeste brasileiro, dá-se, como não podia deixar de ser,</p><p>uma démarche arcaizante em vários níveis, preservadora de uma série</p><p>de valores já postos de lado pela sociedade global, enquanto que aí se</p><p>realizam também os seus padrões. Acontece que ela avança e se van-</p><p>guardiza, no sentido em que procede constantemente a um processo</p><p>de crítica a esta sociedade, mesmo sem pretender, conscientemente.</p><p>(FERREIRA, 1993, p. 13).</p><p>Cabe lembrar aqui que não é porque se é produzido pelo povo</p><p>que os folhetos populares são desprovidos de construção formal, esti-</p><p>lística e regular; pois a origem de nossa Literatura de Cordel aproxima-</p><p>-se da poesia épica medieval, caracterizando-se por sua metrificação</p><p>breve e musical; enfatizando temas profano, histórico, heroico, religio-</p><p>so, cômico, amoroso e de crítica social. O leitor/ouvinte ou o ouvinte/</p><p>leitor percebe que a Literatura de Cordel no Brasil conta com uma es-</p><p>trutura de versos e estrofes que se mantiveram de maneira quase inal-</p><p>terada ao longo do tempo, mas, hoje em dia, encontramos esses cor-</p><p>déis com versos de diferentes dimensões. Esses poemas apresentam</p><p>como modelo mais produtivo as sextilhas (estrofes de seis versos), com</p><p>versos heptassílabos (sete), de acordo com a performance do poeta,</p><p>como também a cadência dos versos adaptando-se ao ritmo da mo-</p><p>dernidade.</p><p>Também observamos a forma atual de divulgação desses folhe-</p><p>tos que, através das construções midiáticas e de órgãos de setores cul-</p><p>178</p><p>O ensino da literatura popular:</p><p>relação de pertencimento afetivo através das histórias e heranças presentes no cordel</p><p>turais, essa tradição dos folhetos se mantém cada vez mais consolida-</p><p>da. Os desafios–cantorias de boi e as grandes pelejas–baseavam-se no</p><p>combate através de provocação mútua entre os cantadores, com rima</p><p>improvisada, e passaram a ser impressas no formato de cordel a partir</p><p>do século XIX, entre as décadas de 1930 e 1950, os cordéis tiveram o</p><p>seu ápice. Dessas cantorias, originou-se a poesia popular ou poesia de</p><p>cordel. Para que pudessem fazer a divulgação de sua poesia, Abreu</p><p>relata que os cantadores se apresentavam nas grandes fazendas ou em</p><p>residências urbanas, em festejos privados ou em grandes festas públi-</p><p>cas e feiras. Alguns permaneciam em locais em que residiam, outros</p><p>percorriam o sertão, cantando os versos próprios ou alheios. (ABREU,</p><p>1999, p. 75)</p><p>Esse gênero literário promove, através da estruturação do tex-</p><p>to, maior facilidade de decodificação, com composição estética com-</p><p>preensível (ritmo, rima, metrificação), evidenciando a importância de</p><p>seu estudo na sociedade contemporânea. O cordel, com seus versos</p><p>em forma de poesia rimada, com temáticas diversas e próximas às his-</p><p>tórias que ouvimos de nossos pais, vizinhos, tios e avós, pode desen-</p><p>volver no aluno o gosto pela leitura através das histórias curtas, de fácil</p><p>entendimento e com a performance (gestual/oral). Evaristo, em rela-</p><p>ção ao cordel, afirma:</p><p>Caracterizado pela oralidade e integrante da literatura popular</p><p>em verso, esse gênero apresenta algumas peculiaridades. Situa-</p><p>do entre a oralidade e a escrita, o cordel é uma modalidade com</p><p>duas vias de chegada ao leitor. Num primeiro momento, o poeta</p><p>“canta” seus versos para um público específico para, num outro</p><p>momento, atingir o seu objetivo maior: vender seus folhetos im-</p><p>pressos, onde figuram propriamente seus poemas. (EVARISTO,</p><p>2003, p. 122).</p><p>Logo, não se pode desmembrar o cordel em oralidade e escrita,</p><p>uma vez que esses elementos são dialéticos. A poesia rimada (canção)</p><p>e sua performance (gestual) trazem para a Literatura de Cordel uma</p><p>existência cheia de vida e diversifica a forma como essas histórias e</p><p>narrativas populares do Nordeste brasileiro são propagadas.</p><p>Alguns poetas cordelistas consideram a modernidade como um</p><p>adversário, pois acreditam que a popularização dos meios de comuni-</p><p>179</p><p>O ensino da literatura popular:</p><p>relação de pertencimento afetivo através das histórias e heranças presentes no cordel</p><p>cação extinguiria o cordel; para outros, essa modernidade serviria de</p><p>estímulo para uma divulgação maior em sua produção. Como afirma</p><p>Santos, em sua pesquisa A Reinvenção da Tradição:</p><p>a literatura de cordel no século XXI, ao entrevistar dois poetas: Se-</p><p>gundo informa o poeta cordelista Pedro Mendes Ribeiro, o Cordel</p><p>sofreu, na segunda metade do século XX, um processo de desva-</p><p>lorização e a gradual extinção de sua produção e circulação. Pe-</p><p>dro Costa não percebe na modernidade um empecilho à produ-</p><p>ção e circulação do cordel, mas antes um elemento incentivador</p><p>da maior qualidade na produção. (SANTOS, 2011, p. 02).</p><p>Percebe-se que a modernidade, de nenhuma forma, fragiliza a</p><p>tradição, pois o leitor, através desses suportes, pode ter oportunidades</p><p>diversas de leitura, envolvendo-se num diálogo que possa estimular,</p><p>provocar e motivar cada vez mais em conhecer a Literatura de Cordel.</p><p>Logo, podemos perceber que o estudo mais aprofundado de um</p><p>gênero que transita entre a tradição e a modernidade, como é o caso</p><p>da Literatura de Cordel, deve ser incentivado pelos profissionais da</p><p>área educacional, através de estudos específicos para desenvolver de</p><p>melhor forma a apresentação dessa arte. Inclusive o cordel/cordelis-</p><p>tas, se valendo do uso de novos dispositivos tecnológicos para divulgar</p><p>e fazer circular sua produção, certamente poderão ter maior reconhe-</p><p>cimento social e cultural. É preciso aprimorar as práticas que envolvem</p><p>esse material literário de maneira criativa, para que chegue até o aluno</p><p>de forma mais lúdica, emotiva e permita que ele associe essas histórias</p><p>a situações, muitas vezes, frequentes no cotidiano, principalmente em</p><p>nossa região, um berço de grandes propagadores dessa arte. A preten-</p><p>são dessa atividade que envolve o cordel é aproximar o aluno desse</p><p>universo literário e despertar-lhe o elo afetivo com a leitura em que o</p><p>prazer, a reflexão e</p><p>a observação no seu cotidiano sejam pertinentes.</p><p>3 Tecendo estratégias de leitura: o método recepcional</p><p>Para Silva (1998, p.38), a necessidade de novas posturas e méto-</p><p>dos para a formação de leitores é urgente com o intuito de que se evite</p><p>um possível desamor à leitura. A fim de que essa fruição venha a ocorrer,</p><p>é imprescindível uma organização metodológica que atraia e estimule</p><p>o aluno para a prática da leitura literária. Quando o aluno lê uma obra</p><p>180</p><p>O ensino da literatura popular:</p><p>relação de pertencimento afetivo através das histórias e heranças presentes no cordel</p><p>literária, por meio das informações fornecidas pelo escritor e por sua</p><p>experiência de vida, vai desenvolvendo imagens que se interligam. Isso</p><p>reflete na análise de Bordini & Aguiar ao afirmar que “a fruição plena do</p><p>texto literário se dá na concretização estética das significações” (BORDI-</p><p>NI & AGUIAR, 1993, p. 16).</p><p>Essa proposta pedagógica é fundamentada na Estética da Re-</p><p>cepção, corrente crítica desenvolvida a partir das contribuições teó-</p><p>ricas de Hans Robert Jauss e Wolfgang Iser, nomes basilares dessa</p><p>vertente dos estudos literários. O uso do método recepcional busca a</p><p>formação leitora coerente, sistemática e assistida desse aluno por meio</p><p>da ampliação do seu horizonte de expectativas, ao reconhecer o papel</p><p>do leitor como elemento importante para a produção da obra e com-</p><p>preendendo que esse leitor, ao interpretar a obra, constitui sentidos</p><p>aos diferentes textos. É através das vivências do leitor relacionadas</p><p>ao estímulo que se fará do texto que ele atribuirá sentido ao que leu,</p><p>criando uma relação de dialogismo.</p><p>Logo, é preciso criar um espaço afetivo para esse aluno se fami-</p><p>liarizar com diferentes textos, construindo continuamente uma aproxi-</p><p>mação entre a vivência dele e o despertar literário da obra a ser lida;</p><p>assegurando-lhe uma leitura não por obrigação, mas por fruição. Sen-</p><p>do assim, os horizontes trazidos pela obra e os horizontes do leitor se</p><p>entrelaçarão, firmando, através dessa relação dialógica, a concretiza-</p><p>ção ou os sentidos da obra em estudo.</p><p>Para Aguiar e Bordini (1993, p.86), os objetivos do método re-</p><p>ceptivo compreendem: 1) Efetuar leituras compreensivas e críticas; 2)</p><p>Ser receptivo a novos textos e a leitura de outrem; 3) Questionar as lei-</p><p>turas efetuadas em relação ao seu próprio horizonte cultural; 4) Trans-</p><p>formar os próprios horizontes de expectativas bem como os do profes-</p><p>sor, da escola, da comunidade familiar e social.</p><p>Diante desses objetivos apresentados para a compreensão do</p><p>método recepcional, buscaremos a leitura de forma afetiva; edifican-</p><p>do esse leitor, gradativamente, para a familiarização dos textos, dos</p><p>autores e dos gêneros, permitindo-lhes entender a plurissignificação</p><p>de um texto literário. Atribuiremos sentidos para este tipo de leitura,</p><p>levando-os a compreender a poesia no mundo e na vida, fazendo-os</p><p>181</p><p>O ensino da literatura popular:</p><p>relação de pertencimento afetivo através das histórias e heranças presentes no cordel</p><p>adquirir a apropriação de um universo fascinante e admirável por sua</p><p>magia e beleza. Na próxima seção, apresentaremos uma proposta de</p><p>oficina a partir do método recepcional.</p><p>4 OFICINA: Aventura e Humor–Do sorriso à aventura: a sátira presente</p><p>na Literatura</p><p>1º momento–Determinação do horizonte de expectativas</p><p>Inicialmente, exibiremos O Auto da Compadecida com o intuito</p><p>de despertar no aluno o envolvimento com situações corriqueiras e</p><p>cômicas de nossa região e as aventuras vividas pelos personagens. O</p><p>filme foi lançado em 10 de setembro de 2000, dirigido por Guel Arraes,</p><p>baseado na obra teatral Auto da Compadecida, de 1955, de autoria de</p><p>Ariano Suassuna. O autor une, neste enredo, elementos das culturas po-</p><p>pular e erudita num projeto que visa buscar a identidade cultural do</p><p>povo nordestino, logo apresenta em suas obras situações da literatura</p><p>de cordel, do romanceiro popular, dos cantadores nordestinos e das</p><p>peças de Gil Vicente para o teatro, dando-lhes novos aspectos. O filme</p><p>recebeu diversas premiações e foi o de maior bilheteria nos anos 2000.</p><p>O enredo nos conta as aventuras de João Grilo e Chicó–dois nordesti-</p><p>nos pobres e que vivem de golpes nos arredores de Taperoá –PB para</p><p>sobreviver.</p><p>Os alunos assistirão aos fragmentos do filme que apresentam</p><p>intertextualidade com dois folhetos de cordel: O dinheiro e o testamen-</p><p>to da cachorra e O cavalo que defecava Dinheiro, ambos de autoria de</p><p>Leandro Gomes de Barros.</p><p>Trechos de intertextualidade com os folhetos:</p><p>1º Trecho do livro O Auto da Compadecida que apresenta inter-</p><p>textualidade com o folheto referente ao cordel O dinheiro e o testamen-</p><p>to da cachorra:</p><p>Esse era um cachorro inteligente. Antes de morrer, olhava para a</p><p>torre da igreja toda vez que o sino batia. Nesses últimos tempos,</p><p>já doente para morrer, botava uns olhos bem compridos para os</p><p>lados daqui, latindo na maior tristeza. Até que meu patrão enten-</p><p>deu, coma a minha patroa, é claro, que ele queria ser abençoada</p><p>e morrer como cristão. Mas nem assim ele sossegou. Foi preciso</p><p>que o patrão prometesse que vinha encomendar a benção e que,</p><p>no caso de ele morrer, teria um enterro em latim. Que em troca do</p><p>182</p><p>O ensino da literatura popular:</p><p>relação de pertencimento afetivo através das histórias e heranças presentes no cordel</p><p>enterro acrescentaria no testamento dele dez contos de réis para</p><p>o padre e três para o sacristão (SUASSUNA, 2005, p. 63-64).</p><p>2º Trecho referente ao cordel O cavalo que defecava Dinheiro: “o</p><p>gato que “descome dinheiro”.</p><p>JOÃO GRILO: “Pois vou vender a ela, para tomar lugar do cachor-</p><p>ro, um gato maravilhoso, que descome dinheiro” (SUASSUNA,</p><p>2005. p.38)</p><p>“Então tiro. (Passa a mão no traseiro do gato e tira uma prata de</p><p>cinco tostões). Esta aí, cinco tostões que o gato lhe dá de presen-</p><p>te” (SUASSUNA, 2005. p.96)</p><p>Logo após, discutiremos oralmente essas aventuras com intui-</p><p>to de saber: Quem conhece alguém que tenha participado de situa-</p><p>ções em benefício próprio ou quais de vocês mesmos já vivenciaram</p><p>algo parecido em contextos nas quais pessoas tentam beneficiar-se</p><p>de alguma forma? Há alguma passagem do texto lembra alguma outra</p><p>história? Como eles veem o comportamento dos personagens? Qual</p><p>personagem eles mais gostaram? Por que essa personagem foi mais</p><p>significativa na visão deles? Que passagem do texto mais atraiu a aten-</p><p>ção deles? Vocês reconhecem o vocabulário utilizado pelos persona-</p><p>gens? A partir desses questionamentos, outras perguntas poderão sur-</p><p>gir, de acordo com as respostas dos alunos.</p><p>2º momento–Atendimento do horizonte de expectativa:–2h/au-</p><p>las</p><p>A turma será dividida em três grupos, cada um deles escolherá</p><p>um dos envelopes que conterá os momentos vivenciados pelos perso-</p><p>nagens do filme: O momento em que Chicó vai avisar a dona que a ca-</p><p>chorra morreu, o enterro da cachorra e a venda do gato que descome</p><p>dinheiro.</p><p>O grupo terá que desenvolver, através de mímicas, a passagem</p><p>escolhida do filme: os demais tentarão descobrir que passagem é essa.</p><p>A finalidade desta atividade é despertar nos alunos a expressividade</p><p>corporal, manifestando os sentimentos vivenciados pelo personagem</p><p>e o interesse em partilhar com os outros experiências de textos não</p><p>verbais, mas que produzem sentido. Logo após, discutiremos como foi</p><p>183</p><p>O ensino da literatura popular:</p><p>relação de pertencimento afetivo através das histórias e heranças presentes no cordel</p><p>para eles executarem essa atividade. E em seguida, faremos uma ativi-</p><p>dade corporal, juntamente com a professora de Artes da escola, com</p><p>a intenção de os alunos perceberem o quanto o corpo pode produzir</p><p>informações e sentidos, através de uma linguagem não verbal.</p><p>3º momento–Ruptura do Horizonte de expectativas</p><p>Literatura de Cordel: partindo das obras O cavalo que defecava</p><p>Dinheiro e O dinheiro e o testamento da cachorra, de Leandro Gomes</p><p>de Barros</p><p>A turma será separada em dois grupos e cada grupo ficará com</p><p>uma das histórias utilizadas para a temática de humor e aventura. As</p><p>carteiras dos</p><p>grupos estarão dispostas em círculos para facilitar a inte-</p><p>ração durante a leitura e o debate.</p><p>Cada aluno receberá o seu folheto, fará a leitura individualmen-</p><p>te e de forma silenciosa. Em seguida, a professora dará início à leitura</p><p>dos folhetos, tendo em vista que ela conhece bem o texto e poderá</p><p>realizá-la com maior qualidade, dando atenção à entonação e ao rit-</p><p>mo que a leitura permite. É interessante perceber que neste momento</p><p>de decodificação o aluno já associe algumas passagens do texto com</p><p>o filme ao qual assistiram anteriormente. Acreditamos que a análise</p><p>da intertextualidade que envolve a Literatura dos cordéis e O Auto da</p><p>Compadecida pode ampliar e enriquecer a interação autor-texto-leitor,</p><p>vindo a proporcionar uma melhor interpretação, compreensão e de-</p><p>senvolvimento de habilidades de leitura e produção textual.</p><p>Abaixo observamos alguns recortes do cordel para que possa-</p><p>mos perceber a relação intertextual, como também os recursos estilís-</p><p>ticos da arte do cordel, a relação assimétrica entre pobres e ricos do</p><p>contexto nordestino, o aspecto crítico, a inquietação pelo dinheiro, as</p><p>situações engraçadas, a prática da simonia, a falta de valores morais,</p><p>etc.; que serão exploradas ao longo do debate dos textos.</p><p>Texto – Fragmentos do Cordel O cavalo que defecava dinheiro</p><p>- É muito certo compadre</p><p>Ainda não melhorei</p><p>Porque andava por fora</p><p>Faz três dias que cheguei</p><p>Mas breve farei fortuna</p><p>Com um cavalo que comprei.</p><p>184</p><p>O ensino da literatura popular:</p><p>relação de pertencimento afetivo através das histórias e heranças presentes no cordel</p><p>- Se for assim, meu compadre</p><p>Você está muito bem!</p><p>É bom guardar o segredo,</p><p>Não conte nada a ninguém.</p><p>Me conte qual a vantagem</p><p>Que este seu cavalo tem?</p><p>Disse o pobre:–Ele está magro</p><p>Só o osso e o couro,</p><p>Porém tratando-se dele</p><p>Meu cavalo é um tesouro</p><p>Basta dizer que defeca</p><p>Níquel, prata, cobre e ouro!</p><p>[...]</p><p>Disse o velho: _meu compadre</p><p>Você não pode tratá-lo,</p><p>Se for trabalhar com ele</p><p>É com certeza matá-lo</p><p>O melhor que você faz</p><p>É vender-me este cavalo!</p><p>_Meu compadre, este cavalo</p><p>Eu posso negociar,</p><p>Só se for por uma soma</p><p>Que dê para eu passar</p><p>Com toda minha família,</p><p>E não precise trabalhar.</p><p>O velho disse ao compadre:</p><p>_Assim não é que se faz</p><p>Nossa amizade é antiga</p><p>Desde os tempo de seus pais</p><p>Dou-lhe seis contos de réis</p><p>Acha pouco, inda quer mais?</p><p>As estrofes acima representam bem a preocupação com o di-</p><p>nheiro, a desigualdade social e a ausência dos valores morais. Elas são</p><p>distribuídas em sextilhas, compostas por versos heptassílabos e com</p><p>modelo de rimas (ABCBDB). A mesma estrutura nos é apresentada no</p><p>185</p><p>O ensino da literatura popular:</p><p>relação de pertencimento afetivo através das histórias e heranças presentes no cordel</p><p>cordel O dinheiro e o testamento da cachorra, também do mesmo autor:</p><p>Leandro Gomes de Barros.</p><p>Após a leitura dos cordéis, a professora dará início a questio-</p><p>namentos sobre a capa do cordel de cada grupo: O que é retratado na</p><p>capa? O que os desenhos sugerem sobre o personagem e o ambiente</p><p>onde ele está? Por que, provavelmente, o cordel é intitulado daquela</p><p>maneira? O que eles esperavam encontrar na história faz jus à imagem</p><p>da capa? Já haviam visto em algum outro texto falar sobre a temática</p><p>do cordel? Vocês acreditam que possa existir esse tipo de situação em</p><p>nossa convivência? O professor irá sugerir que façam uma nova leitura</p><p>e, dessa vez individual, tentando destacar as estrofes que mais lhe cha-</p><p>marem a atenção.</p><p>Observaremos se os alunos serão capazes de identificar o tom</p><p>satírico da obra, os valores sociais e a relação com o contexto social</p><p>através das estrofes escolhidas e dos comentários dos alunos a partir</p><p>da sua escolha. Sequencialmente, os discentes farão uma breve apre-</p><p>sentação dos destaques efetuados por eles e declamarão para os co-</p><p>legas.</p><p>4º momento–Questionamento do Horizonte de expectativas</p><p>Os alunos irão debater a relação do filme com os cordéis apre-</p><p>sentados para alcançar os objetivos elencados no projeto.</p><p>A atividade contará com a turma dividida em grupo, cada um com</p><p>o cordel selecionado, e fará uma análise entre as passagens do filme, a</p><p>atividade lúdica e os cordéis em estudo, tentando encontrar semelhan-</p><p>ças e diferenças entre eles. Essa tarefa permitirá as discussões sobre</p><p>a temática em estudo, ressaltando o valor literário, a importância do</p><p>texto não verbal, as especificidades do texto, observando os recursos</p><p>dispostos em uma obra literária, sua expressividade e os elementos</p><p>estilísticos que o compõe.</p><p>5º momento–Ampliação do horizonte de expectativa</p><p>Neste momento, teremos a participação de um poeta e xilógra-</p><p>fo que irá apresentar aos alunos a arte da xilogravura. Nesta etapa, os</p><p>alunos participarão de uma oficina em que desenvolverão algumas</p><p>imagens de xilogravuras. Em seguida, debateremos sobre a confecção</p><p>efetuada dessas imagens e questionaremos o xilógrafo sobre:</p><p>186</p><p>O ensino da literatura popular:</p><p>relação de pertencimento afetivo através das histórias e heranças presentes no cordel</p><p>1–O que é a xilogravura? 2–Qual a sua importância para a Lite-</p><p>ratura de Cordel? 3–Como surgiu? 4–Quais as características pertinen-</p><p>tes a essa arte?</p><p>No espaço da sala de aula, algumas Xilogravuras estarão dis-</p><p>postas nas paredes para que os alunos possam ter maior contato com</p><p>esta arte. Após a aproximação dos alunos com as imagens, estimulá-</p><p>-los-emos a emitirem suas impressões pessoais.</p><p>5 Considerações finais</p><p>A idealização de uma proposta interventiva de leitura literária,</p><p>que ampliasse a aptidão leitora de nossos alunos, fazendo com que</p><p>eles reconstruíssem sentidos, manifestassem opiniões e, acima de tudo,</p><p>atentassem para o universo de riquezas da literatura local, compôs nos-</p><p>so maior desafio para lançar as bases de um ensino mais criativo e di-</p><p>nâmico. Além disso, não se pode negar o outro grande desafio que foi</p><p>trabalhar a literatura local e desenvolver nos alunos o prazer em fazer</p><p>leituras com a cadência melódica que o cordel e a poesia exigem.</p><p>Os folhetos de Cordel utilizados fazem parte do grande acervo</p><p>de obras e autores da literatura paraibana, unindo tradição popular e</p><p>erudita, registros de memória dos contadores, bem como registros lite-</p><p>rários e históricos de grandes poetas cordelistas.</p><p>A escolha do gênero deu-se pela necessidade de trazer para</p><p>sala de aula a poesia, o popular e principalmente a valorização des-</p><p>sa arte; porém a escolha das temáticas deve se dar a partir de uma</p><p>análise com a turma com a qual se pretende realizar a atividade. Uma</p><p>abordagem bem planejada do ensino de literatura, como a descrita nas</p><p>aplicações das temáticas, para motivar o aluno para a leitura e pro-</p><p>mover o letramento literário em sala de aula. Por intermédio dessas</p><p>atividades, os alunos envolvidos têm a possibilidade de expandir seus</p><p>conhecimentos tanto no que se refere à estrutura de um texto poético</p><p>(verso, estrofe, metrificação, etc), o trabalho do xilógrafo com sua arte</p><p>poética, quanto à grandeza histórica, criativa e emocional que envolve</p><p>cada folheto.</p><p>Neste trabalho, é importante considerar todas as repercussões</p><p>que cada temática, ao ser desenvolvida, possa vir a oferecer, conce-</p><p>dendo-nos outras abordagens, ampliações e diálogos necessários e</p><p>187</p><p>O ensino da literatura popular:</p><p>relação de pertencimento afetivo através das histórias e heranças presentes no cordel</p><p>válidos para uma maior e mais viável aprendizagem e interesse de nos-</p><p>sos alunos. Por conseguinte, deve ser prática na escola, proporcionar</p><p>atividades habituais de leitura eficazes, capaz de formar um leitor hábil</p><p>e competente, dando-lhe o direito à fruição, a fim de que não se negue</p><p>ao discente a capacidade, enquanto ser humano, ao usufruto, ao prazer</p><p>estético e à humanização, como bem destacou Antonio Candido (2011).</p><p>Cabe lembrar também a importância da presença do professor</p><p>para mediar o contato do aluno com o texto literário, estimulando, as-</p><p>sim, a leitura. Levar o discente a refletir sobre a linguagem literária e</p><p>todas as possibilidades</p><p>de reconhecimento local, permitindo avanços</p><p>significativos, tanto no que diz respeito à aprendizagem como às rela-</p><p>ções pessoais.</p><p>Referências</p><p>ABREU, Márcia. Histórias de cordéis e folhetos. Campinas: Mercado</p><p>de Letras: ALB, 1999.</p><p>AGUIAR, Vera Teixeira; BORDINI, Maria da Glória. Literatura – a for-</p><p>mação do leitor: Alternativas metodológicas. Porto Alegre: Mercado</p><p>Aberto, 1993.</p><p>BARROS, Leandro Gomes de. O dinheiro ou o testamento do cachor-</p><p>ro. Maturéia/PB: Gráfica Martins, 2014.</p><p>BARROS, Leandro Gomes de. O cavalo que defecava dinheiro. Matu-</p><p>réia/PB: Gráfica Martins, 2014.</p><p>CANDIDO, Antonio. O direito à literatura. In: CANDIDO, Antonio. Vá-</p><p>rios Escritos. 5. ed. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul; São Paulo: Duas</p><p>Cidades, 2011.</p><p>CASCUDO, Luís da Câmara. Literatura Oral no Brasil. 2. ed. São Pau-</p><p>lo: Global, 2006.</p><p>EVARISTO. Marcela Cristina. O cordel em sala de aula. In: BRANDÃO,</p><p>Helena Nagamini. Gêneros discursivos na escola. 4. ed. São Paulo:</p><p>Cortez, 2003.</p><p>FERREIRA, Jerusa Pires. Matéria carolíngia ou do cavalheiresco épico.</p><p>In: Cavalaria em Cordel: o passo das águas mortas. São Paulo: Huci-</p><p>tec,1993.</p><p>HAURÉLIO, Marco. Literatura de Cordel: do sertão à sala de aula. São</p><p>Paulo: Paulus, 2013.</p><p>MARINHO, Ana Cristina; PINHEIRO, Helder. O cordel no cotidiano</p><p>escolar. São Paulo: Cortez, 2012.</p><p>188</p><p>O ensino da literatura popular:</p><p>relação de pertencimento afetivo através das histórias e heranças presentes no cordel</p><p>SANTOS, Éverton Diego S. R. A Reinvenção da Tradição: a literatura</p><p>de cordel no século XXI. Anais do XXVI Simpósio Nacional de Histó-</p><p>ria – ANPUH. São Paulo, jul. 2011. Disponível em: . Acesso em: 07 nov.</p><p>2019.</p><p>SILVA, Ezequiel T. Elementos de Pedagogia da Leitura. 3. ed. São</p><p>Paulo: Martins Fontes, 1998.</p><p>SUASSUNA, Ariano. Auto da Compadecida. 35. ed. Rio de Janeiro:</p><p>Agir, 2005</p><p>189</p><p>Sobre os autores</p><p>Alaim Souza Neto</p><p>É professor do Departamento de Estudos Especializados em Educa-</p><p>ção, no Centro de Educação da Universidade Federal de Santa Catari-</p><p>na (UFSC) e dos Programas de Mestrado Profissional em Letras (PRO-</p><p>FLETRAS) e Mestrado Profissional em Física da UFSC. É Graduado em</p><p>Licenciatura em Letras, Pedagogia e Engenharia Química. Possui es-</p><p>pecializações em Literatura Brasileira, Construção do Texto e Informá-</p><p>tica na Educação. Realizou Mestrado e Doutorado em Educação pela</p><p>UDESC com estágio de pós-doutoramento sobre as subjetividades do-</p><p>centes para o uso de tecnologias no PPGE/UFSC. É líder do Grupo de</p><p>Pesquisa Observatório de Práticas Curriculares (OPC/UFSC) e Pesqui-</p><p>sador do Grupo de Pesquisa e Estudos Formação de Professores e Prá-</p><p>ticas de Ensino (FOPPE/UFSC). Suas pesquisas têm sido voltadas para</p><p>discussões em torno do Campo do Currículo, Formação de Professores,</p><p>Tecnologias Digitais e Estudos da Linguagem e Literatura, à luz da Pe-</p><p>dagogia Histórico-Crítica e da Psicologia Histórico-Cultural.</p><p>Ananda Elisabeth Fernandes</p><p>Possui graduação em Letras – Língua Portuguesa e Literaturas corres-</p><p>pondentes – pela Universidade Federal de Juiz de Fora (2000). Especia-</p><p>lista em Gestão Escolar pela Faculdade Integrada de Jacarepaguá, Rio</p><p>de Janeiro (2010). Fez parte da equipe gestora da Escola Estadual Batis-</p><p>ta de Oliveira, Juiz de Fora, MG, entre 2015 e 2018. Atualmente é profes-</p><p>sora de educação básica da Prefeitura de Juiz de Fora, MG. Tem expe-</p><p>riência na área de Letras, com ênfase em Língua e Literatura, atuando</p><p>na educação básica e no ensino médio desde 1998, como professora</p><p>de Língua Portuguesa. Atualmente, mestranda do ProfLetras\UFJF.</p><p>Ana Paula Franco Nobile Brandileone</p><p>Mestre e Doutora em Literatura e vida social pela Universidade Esta-</p><p>dual Paulista (UNESP). É professora associada da Universidade Esta-</p><p>dual do Norte do Paraná (UENP), campus Cornélio Procópio, no Cen-</p><p>tro de Letras, Comunicação e Artes (CLCA), atuando como docente do</p><p>curso de Letras e do Mestrado Profissional em Letras, na linha de Es-</p><p>tudos Literários, sendo o campo da educação literária e da narrativa</p><p>brasileira contemporânea as áreas de interesse. Entre as publicações</p><p>mais recentes envolvendo questões ligadas à educação literária estão</p><p>190</p><p>“Uma proposta didático-metodológica para a educação literária: a re-</p><p>presentação feminina em A mocinha do Mercado Central, de Stella Ma-</p><p>ris Rezende (2011) (In Práticas de leitura literária na escola, 2022), em</p><p>parceria com Angelita Cristina de Moraes; e “O (não) lugar do texto</p><p>teatral na sala de aula” (In Teatro e ensino: dramaturgia e direitos hu-</p><p>manos, 2022), em parceria com Lizabeth Rogate da Siva.</p><p>Carlos Magno Gomes</p><p>Professor de Teoria Literária da Universidade Federal de Sergipe. Pes-</p><p>quisador Produtividade do CNPq. Doutor em Literatura pela UnB (2004)</p><p>com pós-doutorado em Estudos Literários pela UFMG (2013). Profes-</p><p>sor vinculado ao PROFLETRAS/UFS desde sua fundação. Editor Che-</p><p>fe da Revista Interdisciplinar: Estudos de Língua e Literatura. Autor de</p><p>diversos artigos que abordam estratégias de leitura como “Leitura e</p><p>Estudos Culturais” (2010), pela Revista Abralic, e “O modelo cultural</p><p>de leitura” (2012), pela Revista Nonada.</p><p>Carolina Alves Fonseca</p><p>Professora-pesquisadora de Língua Portuguesa do Colégio de Apli-</p><p>cação João XXIII – UFJF. Foi supervisora do PIBID de Língua Portugue-</p><p>sa (2017-2020) e orientadora do Programa de Residência Docente de</p><p>Língua Portuguesa (2019-2021). Desde 2020, atua como professora e</p><p>orientadora do ProfLetras – UFJF. Possui graduação em Letras (2012),</p><p>mestrado em Linguística e Ensino (2015) e doutorado em Linguagem e</p><p>Sociedade (2020) pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Tem expe-</p><p>riência na área de Linguística, com ênfase em Linguística Sociocogniti-</p><p>va e Linguística Aplicada, orientando trabalhos nessa área.</p><p>Elaine Sant Antonio</p><p>Graduada em Letras pelo Centro Universitário Claretiano. Mestra em</p><p>Letras pelo Programa de Mestrado Profissional em Letras (PROFLE-</p><p>TRAS-UFPB), com a dissertação Poesia para ser dita em voz alta: uma</p><p>proposta de letramento com slams de autoria feminina. É professora da</p><p>rede pública estadual da Paraíba. Seus interesses de pesquisa se con-</p><p>centram nas áreas de ensino de literatura e estudos de gênero.</p><p>Fabrícia Cristiane Guckert</p><p>Professora efetiva de Língua Portuguesa, Literatura e Língua Inglesa</p><p>na Rede Estadual e Pública de Ensino do Estado de Santa Catarina.</p><p>Graduada em Letras – Português/Inglês pela UNIDAVI (2005), possui</p><p>191</p><p>especialização em Práticas Pedagógicas Interdisciplinares: Educação</p><p>Infantil, Séries do Ensino Fundamental e Médio pela FACVEST (2007)</p><p>e Pós-Graduação em nível de mestrado em Estudos da Tradução pela</p><p>UFSC (2019). Foi bolsista Fulbright no Programa de Desenvolvimen-</p><p>to Profissional para Professores de Inglês nos EUA (PDPI) em 2012.</p><p>Atualmente, é aluna do programa de mestrado profissional em Letras</p><p>– PROFLETRAS e pesquisadora do Grupo de Pesquisa Observatório de</p><p>Práticas Curriculares (OPC/UFSC) e do Grupo de Pesquisa e Estudos</p><p>Formação de Professores e Práticas de Ensino (FOPPE/UFSC). Coor-</p><p>dena os seguintes projetos: Projeto Ler é Legal, Projeto voluntário Unt-</p><p>wist your tongue; Projeto Vereador Mirim- programa ECALLEAL e Projeto</p><p>Boi-de-mamão do Bertino Silva.</p><p>Jailse Maria Lopes da Silva</p><p>Possui graduação em Letras pela Universidade Estadual da Paraíba</p><p>(1996); especialização em língua, linguagem e ensino pela FIP–Facul-</p><p>dades Integradas de Patos (2005) e mestrado pela UFPB–Campus IV</p><p>(2021). Atualmente é professora da ECI–Imaculada Conceição e da</p><p>EMEF–Educador Francisco Pereira da Nóbrega. Tem experiência na</p><p>área de Letras, com ênfase em linguística e literatura.</p><p>José Clovis dos Santos</p><p>Graduado em Letras pela UFPB. Mestrando pelo Profletras-Ufpb, com</p><p>o projeto A literatura popular na sala de aula. Professor estatutário de</p><p>língua portuguesa da rede pública municipal de Bayeux-PB e da rede</p><p>pública municipal de Santa Rita-PB. Experiência em linguagens com</p><p>ênfase em língua portuguesa e literatura brasileira.</p><p>Letícia Queiroz de Carvalho</p><p>Pós-Doutora em Educação pela Universidade Federal Fluminense–UFF</p><p>(2022), Doutora em Educação pela Universidade Federal do Espírito</p><p>Santo–UFES (2012); Mestre em Estudos Literários pela UFES (2004) e</p><p>Licenciada em Letras-Português pela UFES (1999).Professora do En-</p><p>sino Básico, Técnico e Tecnológico do Instituto Federal de Educação,</p><p>Ciência e Tecnologia do Espírito Santo (IFES), com lotação no campus</p><p>Vitória e atuação na Área de Letras e Educação, na graduação presen-</p><p>cial em Letras-Português, na graduação a distância em Letras-Portu-</p><p>guês e nos Programas de Pós-Graduação em Ensino de Humanidades</p><p>(PPGEH) e Mestrado Profissional em Letras (PROFLETRAS), em disci-</p><p>plinas cuja discussão central seja a Literatura e a Educação, a pesquisa</p><p>192</p><p>em Literatura e Ensino e as repercussões da teoria e crítica literária</p><p>na escola. Atualmente, coordena o Profletras, do Ifes–campus Vitória. É</p><p>líder do grupo de pesquisas Núcleo de Estudos em Literatura e Ensino</p><p>(IFES–Campus Vitória).</p><p>Lohaynne Gomes Mello</p><p>Graduada em Língua Portuguesa e Literatura de Língua Portuguesa</p><p>pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES, 2016). Pós-gradua-</p><p>da em Educação Especial com ênfase em Deficiêndia Intelectual pela</p><p>Faculdade da Serra (FASE, 2016). Mestre em Letras pelo ProfLetras do</p><p>Instituto Federal do Espírito Santo (IFES, 2021), campus Vitória. Profes-</p><p>sora de Língua Portuguesa do quadro permanente da rede estadual de</p><p>educação do Espírito Santo e pesquisadora da área de estudos literá-</p><p>rios e formação do leitor.</p><p>Luciane Alves Santos</p><p>Doutora em Letras pela Universidade de São Paulo. Professora Asso-</p><p>ciada do Departamento de Letras da Universidade Federal da Paraíba.</p><p>Vinculada ao curso de Pós-graduação em Letras (PPGL-UFPB). Líder do</p><p>grupo de pesquisa: Estudos do insólito: do mito clássico à modernidade.</p><p>Desenvolve pesquisas na área de Teoria e crítica literária e ensino de</p><p>literatura.</p><p>Maria José Paulino de Assis Silva</p><p>Mestra, Especialista e Licenciada em Letras (UFPB). Professora de Lín-</p><p>gua, Literatura e Produção Textual. Recebeu o Prêmio Mestres da Edu-</p><p>cação conferido pela Secretaria de Estado da Educação da Paraíba de</p><p>2011 a 2017. Defendeu a Dissertação do Mestrado Profissional em Le-</p><p>tras (PROFLETRAS/2015) com o título: REGISTRO DAS MEMÓRIAS: uma</p><p>questão identitária. Autora do texto Em busca das memórias: proposta</p><p>de trabalho a partir da leitura do texto literário no livro Letramento lite-</p><p>rário e formação do leitor–desafios e perspectivas do Profletras (Editora</p><p>UFPB) e dos artigos: Oralidade e Escrita das Memórias; A monotonga-</p><p>ção no cotidiano linguístico da Educação Básica; Poetas paraibanos: do</p><p>erudito ao popular; Estratégias de leitura: um estudo a partir da Olim-</p><p>píada de Língua Portuguesa; Literatura no ensino fundamental: textos</p><p>e estratégias didáticas; Roda viva de leitura: proposta de intervenção</p><p>didática; A poesia em cena: teorias e práticas fundamentadas a partir</p><p>do Profletras.</p><p>193</p><p>Maria Suely da Costa</p><p>Possui Doutorado (2008) e Mestrado em Letras (2000) em Estudos da</p><p>Linguagem/ Área de concentração em Literatura comparada (UFRN).</p><p>Atualmente é professora Associada da Universidade Estadual da Pa-</p><p>raíba (UEPB). Atua na graduação (Letras) e pós-graduação (PROFLE-</p><p>TRAS). Vinculada às linhas de Estudos de linguagens e implicações</p><p>para o ensino; Literatura e identidade afro-brasileira. Tem experiência</p><p>de pesquisa e publicações na área da Literatura Brasileira, Teoria e Crí-</p><p>tica Literária, Literatura Comparada e Ensino, atuando principalmente</p><p>nos seguintes temas: modernidade, literatura regional, literatura afro-</p><p>-brasileira, memória literária, diversidade cultural, ensino e formação</p><p>do leitor.</p><p>Marineuma de Oliveira Costa Cavalcanti</p><p>Possui Licenciatura em Letras (1984), Especialização em Língua Portu-</p><p>guesa (1996), Mestrado em Letras (2003) e Doutorado em Linguística</p><p>(2010). É professora Associada da Universidade Federal da Paraíba,</p><p>lotada no Departamento de Metodologia da Educação. Faz parte do</p><p>Grupo de Pesquisa “Grupo de Estudo sobre Hipertexto, Arquivos Ele-</p><p>trônicos e Tecnologia Educacional – GEHAETE”, cadastrado no CNPq,</p><p>em que pesquisa as práticas sociais de linguagem na era digital. Tam-</p><p>bém está vinculada aos mestrados profissionais, um na área básica</p><p>de Língua Portuguesa–PROFLETRAS, com Polo no Campus do Litoral</p><p>Norte, e outro em Linguística e Ensino, no Campus I, ambos na UFPB.</p><p>Desenvolve projetos de pesquisa e extensão, cujo foco de estudo é a</p><p>linguagem poética. Coordena o Poética Evocare, o qual tem como ob-</p><p>jetivo incentivar o gosto pela leitura de textos literários, através de um</p><p>trabalho interdisciplinar. Composto por professores e alunos da UFPB</p><p>e de diferentes instituições de ensino, o grupo apresenta performan-</p><p>ces em eventos acadêmicos e culturais, envolvendo literatura, teatro,</p><p>dança, música e artes visuais, como também presta apoio, através de</p><p>palestras e oficinas, a escolas que queiram implementar projetos nessa</p><p>mesma linha.</p><p>Michelle Bianca Santos Dantas</p><p>Doutora em Ciências das Religiões pela Universidade Federal da Paraí-</p><p>ba (PPGCR), na linha “Literatura e sagrado: reconhecimento e fruição</p><p>da memória na arte”. É professora efetiva do Curso de Letras (CCAE/</p><p>UFPB–Campus IV). No âmbito da Pós-Graduação, é docente do Progra-</p><p>194</p><p>ma de Mestrado Profissional (PROFLETRAS/UFPB/CCAE) e do Progra-</p><p>ma de Pós-Graduação em Ciências das Religiões (UFPB–Campus I). É</p><p>líder do Grupo de Pesquisa/CNPQ “Cânticos das Musas: estudos do</p><p>mito, suas múltiplas faces e ressonâncias estéticas”, e desenvolve pro-</p><p>jetos acadêmicos diversos de Ensino, Pesquisa e Extensão. Lecionou na</p><p>Universidade Estadual da Paraíba (Campus I), entre 2009 e 2011, nos</p><p>cursos de Letras (Português e Espanhol), Filosofia e Biologia, com dis-</p><p>ciplinas nas áreas de Língua Latina, Língua Grega, Filologia etc. As suas</p><p>pesquisas estão voltadas para a análise da Língua e Literatura Clássica,</p><p>em suas mais diversas expressões, desde a manifestação do trágico,</p><p>do sacro e do belo, até as suas relações intertextuais. Ao mesmo tem-</p><p>po, relaciona as suas pesquisas com a educação, e, assim, desenvolve</p><p>projetos educacionais que visam à integração dos estudos acadêmicos</p><p>ao universo dos estudantes das escolas públicas da Região do Vale do</p><p>Mamanguape.</p><p>Moama Lorena de Lacerda Marques</p><p>Possui Doutorado (2013) em Literatura e Cultura pelo Programa de Pós-</p><p>-Graduação em Letras da Universidade Federal da Paraíba e Mestrado</p><p>(2007) e Graduação (2005) em Letras-Língua Portuguesa pela mesma</p><p>instituição. Realizou pós-doutorado na Universidade Federal de São</p><p>Carlos (2021-2022), com pesquisa sobre o luto público como forma de</p><p>luta política na poesia brasileira de autoria feminina. Foi professora de</p><p>língua portuguesa e literatura brasileira do Instituto Federal de Educa-</p><p>ção, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN) entre os anos</p><p>de 2009 e 2016. É Professora Adjunta de Literaturas de Língua Portu-</p><p>guesa da UFPB e uma das líderes do Grupo de Pesquisa Laboratório de</p><p>Estudos de Poesia (LEP), também atuando como docente do PROFLE-</p><p>TRAS (UFPB) e do PPGL (UFPB). Seus principais interesses de pesquisa</p><p>estão voltados para a recepção crítica da poesia de autoria feminina e</p><p>o ensino de literatura.</p><p>Noeme Leite do Nascimento Oliveira</p><p>Professora da Secretaria de Educação de Sergipe (SEED/SE) desde</p><p>2006. Professora da Rede Municipal de Nossa Senhora do Socorro des-</p><p>de 1998. Mestre em Letras pelo Profletras/Unidade de Itabaiana/UFS</p><p>(2021). Especialização em Gestão Educacional pela Faculdade Pio Dé-</p><p>cimo (2009). Graduada em Letras-Português pela UFS (2002). Produziu</p><p>o “Caderno de leitura de Poemas de Tobias Barreto” como trabalho</p><p>final do mestrado.</p><p>195</p><p>Rauer Ribeiro Rodrigues</p><p>Possui graduação em Estudos Sociais e em História (1991) pelo Insti-</p><p>tuto Superior de Ensino e Pesquisa de Ituiutaba e doutorado direto em</p><p>Estudos Literários pela Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara</p><p>(2006). Cursou, sem concluir, Filosofia na USP e Letras em sua cidade</p><p>natal. Tem especialização (UFU) e pós-doutorado (UERJ) em Literatu-</p><p>ra Comparada. Atualmente, é</p><p>essa representação coletiva a qual vinculamos o sentido de pertenci-</p><p>mento não implica uniformização, padronização, mas cria elos entre o</p><p>indivíduo com sua comunidade mais próxima, bem como com outras</p><p>pessoas que, mesmo à distância ou até em outro país, possam ter em</p><p>comum o conhecimento e acesso à arte universal. Além do aspecto do</p><p>enlace social, há também o enlace entre as obras, ou seja, a possibili-</p><p>dade de fazer com que as novas e futuras gerações possam ter instru-</p><p>mentos para saber sobre o que a humanidade já foi capaz de produzir</p><p>A Leitura Literária Entre Deuses, Heróis e Mortais: a mitologia grega na escola</p><p>21</p><p>e refletir sobre si mesma. Um terceiro enlace se dá entre os níveis cul-</p><p>turais, demonstrando os níveis de elaboração e significado cultural.</p><p>As narrativas míticas greco-romanas, em nossa perspectiva,</p><p>não podem deixar de ser apresentadas aos nossos estudantes. Elas,</p><p>por suas próprias características, estão repletas de temas considera-</p><p>dos universais, atemporais, retratadas em intertextualidades que, por</p><p>isso mesmo, se aproximam do leitor, demonstrando, de alguma forma,</p><p>algo que já vivenciou ou vivenciará. São histórias clássicas que, muitas</p><p>vezes, já nos foram apresentadas na infância ou em qualquer outra fase,</p><p>mas que não deixam de fascinar e (re) significar a cada leitura.</p><p>Mas por que um livro é clássico ou não? Calvino (2007), ao ten-</p><p>tar nos esclarecer sobre a importância de ler os clássicos, vai elabo-</p><p>rando algumas propostas de definição. Entre elas, elegemos as que se</p><p>relacionam mais diretamente aos mitos. Numa delas, o autor (2007, p.</p><p>10) nos sinaliza que os clássicos são obras que realizam uma influência</p><p>peculiar, à medida que são inesquecíveis e perpetuadores da memória</p><p>inconsciente coletiva ou individual.</p><p>Segundo Campbell (1990), o mito está repleto de experiências</p><p>de vida, dos ritos de passagem do ser humano, traz os ciclos da existên-</p><p>cia com mensagens válidas para os nossos dias, padrões de como nos</p><p>comportar em diversas situações e até como nos relacionarmos com a</p><p>sociedade, com o mundo da natureza e até com o cosmos. É natural que</p><p>as histórias contadas, por meio dos mitos, revelem temas atemporais,</p><p>trazendo sinalizações, em suas entrelinhas, que podem servir como en-</p><p>sinamento, cabendo a cada indivíduo relacionar a sua própria vida a</p><p>determinado aspecto do mito. Também discorrendo sobre o mito, Al-</p><p>meida (1988) nos acrescenta:</p><p>a narrativa de um mito não é mais que um esquema, que permite</p><p>compor conjuntamente circunstâncias, intenções, motivos, conse-</p><p>quências, encontros, adversidades, êxitos, fracassos, felicidade e</p><p>infortúnio? Tudo isto que engrenamos através de palavras sepa-</p><p>radas, a narrativa mítica transforma numa história sintética onde</p><p>cada coisa encontra seu lugar (ALMEIDA, 1988, p. 65-66).</p><p>Ainda podemos acrescentar que, através da leitura dessas nar-</p><p>rativas míticas, podem emergir marcas da cultura primeira dos estu-</p><p>A Leitura Literária Entre Deuses, Heróis e Mortais: a mitologia grega na escola</p><p>22</p><p>dantes, evidenciando parte de suas crenças, filosofias e valores do seu</p><p>entorno. Além disso, a leitura dos mitos greco-romanos pode se trans-</p><p>formar em instrumento de formação, já que suas histórias comumente</p><p>retratam conteúdos humanos, possibilitando ao leitor a reflexão sobre</p><p>assuntos relevantes para o seu desenvolvimento humano. De acordo</p><p>com Ramnoux (1977, p. 21), todas as vezes que o mito permanece vin-</p><p>culado às instituições em serviço, ele traz informação, seja ela geográ-</p><p>fica, agronômica, climática, artesanal, gerando um código ético que di-</p><p>reciona o pensamento da condição humana.</p><p>Retornando às definições de Italo Calvino (2007), vemos que:</p><p>“é clássico aquilo que persiste como rumor mesmo onde predomina a</p><p>atualidade mais incompatível” (CALVINO, 2007, p.15). Uma ilustração</p><p>dessa atemporalidade dos mitos, ou melhor, essa variada retratação</p><p>em intertextualidades da mitologia greco-romana, que não perde a sua</p><p>conexão com a vida contemporânea, como verificamos na crescente</p><p>produção de séries, desenhos e filmes, como Hércules (2014), Tróia</p><p>(2004), Imortais (2010), Mulher Maravilha (2017)1 etc. Vê-se, portanto,</p><p>que as narrativas greco-romanas, repletas de deuses, monstros e he-</p><p>róis, extrapolam fronteiras e estão vivas no imaginário de crianças,</p><p>jovens e adultos e continuam fascinando gerações por possuir uma</p><p>linguagem alegórica, metafórica, hipotética, representativa e cheia de</p><p>subentendidos.</p><p>A importância dos mitos é também referendada na BNCC, den-</p><p>tro do campo artístico-literário por meio dos eixos de Leitura e Pro-</p><p>dução de Texto. O eixo Leitura traz como objeto de conhecimento a</p><p>adesão às práticas de leitura que, no caso da pesquisa em foco, trata-se</p><p>dos círculos de leitura, evidenciados na habilidade EF69LP46:</p><p>Participar de práticas de compartilhamento de leitura/ recepção</p><p>de obras literárias/ manifestações artísticas, como rodas de leitu-</p><p>ra, clubes de leitura, eventos de contação de histórias, de leituras</p><p>dramáticas, (...) dentre outros, tecendo, quando possível, comen-</p><p>tários de ordem estética e afetiva e justificando suas apreciações,</p><p>escrevendo comentários e resenhas para jornais, blogs e redes</p><p>1 Para mais referências cinematográficas, sugerimos as indicações de Julia Di Spagna,</p><p>disponível in: . Acesso em: 10 mai. 2022.</p><p>A Leitura Literária Entre Deuses, Heróis e Mortais: a mitologia grega na escola</p><p>23</p><p>sociais e utilizando formas de expressão das culturas juvenis, tais</p><p>como, vlogs e podcasts (...)(BNCC, 2018, p. 157).</p><p>Em se tratando do eixo de Produção de Texto, o objeto de co-</p><p>nhecimento é a Relação entre Textos, tratada na habilidade EF69LP49:</p><p>Elaborar texto teatral, a partir da adaptação de romances, contos,</p><p>mitos, narrativas de enigma e de aventura, novelas, biografias ro-</p><p>manceadas, crônicas, dentre outros, indicando as rubricas para</p><p>caracterização do cenário, do espaço, do tempo; explicitando a</p><p>caracterização física e psicológica dos personagens e dos seus</p><p>modos de ação; (BNCC, 2018, p. 159).</p><p>Acreditamos que o mito, primordialmente interligado a uma</p><p>ciência primitiva, que buscava a revelação da verdade, ainda hoje é</p><p>capaz de dar sentido e (re)significação para a existência humana e sua</p><p>produção literária. Logo, a sua expressão alegórica e fascinante, além</p><p>de contemplar saberes de diversas áreas, pode contribuir eficazmente</p><p>para o letramento literário dos estudantes. Diante disso, defendemos a</p><p>utilização dos mitos e de suas adaptações, no contexto escolar, tendo</p><p>em vista os conhecimentos vários e simbólicos que eles podem pro-</p><p>porcionar ao processo de ensino-aprendizagem.</p><p>4 Considerações finais</p><p>Entre deuses, heróis e mortais, as narrativas míticas gregas são</p><p>fonte rica de conhecimento e propiciam uma leitura literária significa-</p><p>tiva no espaço escolar. Uma galeria vasta de personagens e aconteci-</p><p>mentos transcendentes, que, através de suas cosmogonias, batalhas e</p><p>valores, explicam-nos, dentro do universo possível da língua, o mundo</p><p>extraordinário do mítico. Diante de nossa proposição, consideramos</p><p>que leitura literária é emergente no espaço escolar, e, além do mais,</p><p>tem no docente o papel fundamental, para que este trabalho seja per-</p><p>manente e contínuo.</p><p>Referências</p><p>ALMEIDA, Maria da Piedade Eça de. Mito: Metáfora viva? In: MORAIS,</p><p>Regis de (org). As Razões do Mito. Campinas, SP: Papirus, 1988, p. 65-</p><p>66.</p><p>A Leitura Literária Entre Deuses, Heróis e Mortais: a mitologia grega na escola</p><p>24</p><p>BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curricu-</p><p>lares Nacionais: terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental: Lín-</p><p>gua Portuguesa/ Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/</p><p>SEF, 2000.</p><p>BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular.</p><p>Brasília, 2018.</p><p>CALVINO, Ítalo. Por que ler os clássicos?. Trad. Nilson Moulin. São</p><p>Paulo: Companhia das letras, 2007.</p><p>CAMPBELL, Joseph. O poder do mito. Trad. Carlos Felipe Moisés. São</p><p>professor-associado da Universidade</p><p>Federal de Mato Grosso do Sul. Integra o corpo docente permanente</p><p>do Programa de Pós-Graduação em Letras da UFMS / Câmpus de Três</p><p>Lagoas. Presidiu a Comissão Acadêmica Local de Curso (CALC) do</p><p>Programa de Mestrado Profissional em Letras em Rede Nacional (PRO-</p><p>FLETRAS) do Câmpus de Três Lagoas da UFMS no biênio 2020-2022.</p><p>Tem experiência na área de Letras, com ênfase em Estudos Literários,</p><p>atuando principalmente nos seguintes temas: literatura brasileira, teo-</p><p>ria literária, história da literatura, literatura brasileira contemporânea,</p><p>acervos, conto, microconto e escrita feminina. Atua no GiiPEL – Grupo</p><p>Interinstitucional e Interdisciplinar de Pesquisas em Educação e Lite-</p><p>ratura, e é líder do GPLV – Grupo de Pesquisa Literatura e Vida (dgp.</p><p>cnpq.br/dgp/espelhogrupo/5157682035403302).</p><p>Robsandra Cardoso Abintes</p><p>Mestranda pelo Programa de Mestrado Profissional em Letras (PRO-</p><p>FLETRAS/CCAE/UFPB) e Graduada em Letras–Língua Portuguesa pela</p><p>Universidade Federal da Paraíba (1992). É professora da rede muni-</p><p>cipal de João Pessoa e tem experiência na área de Letras, com ênfase</p><p>em Língua Portuguesa. Participa dos grupos de pesquisa “Cânticos das</p><p>Musas” (UFPB/DL) e do “Fabula” (UFRJ).</p><p>Sávio Roberto Fonseca de Freitas</p><p>Professor Associado de Literaturas de Língua Portuguesa da UFPB,</p><p>atuando na Graduação em Letras, pelo Departamento de Letras (CCAE-</p><p>-Campus IV) e no Programa de Pós-Graduação em Letras (CCHLA-</p><p>-Campus I). Líder do Grupo de Pesquisa MOZA (Moçambique e Africa-</p><p>nidades), cadastrado no CNPq e certificado pela UFPB.</p><p>Simone de Almeida Fernandes</p><p>Mestre em Letras pela Universidade Estadual do Norte do Paraná</p><p>(UENP), campus Cornélio Procópio. É professora de Língua Portuguesa</p><p>e Literatura da Rede Estadual de Ensino do Paraná e Profissional do</p><p>196</p><p>Magistério (Língua Portuguesa) da Rede Municipal de Ensino de Curi-</p><p>tiba. No prelo, capítulo de livro intitulado “Pomba enamorada ou uma</p><p>história de amor”, de Lygia Fagundes Telles (2004), na EJA: o clássico</p><p>em sala de aula”, e em anais de evento, “Pela defesa do cânone em sala</p><p>de aula” (Anais do V SELLITCON–Seminário de Estudos literários e Li-</p><p>teratura Brasileira Contemporânea–e VII Simpósio ProfLetras da UENP,</p><p>2021), ambos em parceria com Ana Paula Franco F. Nobile Brandileone.</p><p>Talita Mendes da Silva</p><p>Graduada em Letras–Português e Espanhol pela Universidade Federal</p><p>de Mato Grosso do Sul (2013), Pedagogia pela Universidade Federal de</p><p>Mato Grosso do Sul (2018) e Letras- Inglês pelo ETEP (2021). Pós- gra-</p><p>duada em Educação Especial pela UEMS (2016) e Língua Portuguesa</p><p>pela DOM ALBERTO (2020), atualmente mestranda no PROFLETRAS.</p><p>Exerce a função de professora concursada pela Secretaria de Educa-</p><p>ção do Estado do Mato Grosso do Sul, leciona Língua portuguesa em</p><p>duas instituições: ESCOLA ESTADUAL MANOEL DA COSTA LIMA e ES-</p><p>COLA ESTADUAL PROFESSOR LUIZ ALBERTO ABRAHAM e professora</p><p>PEDAGOGA pela Secretaria Municipal de Bataguassu para trabalho na</p><p>Instituição: Escola Municipal Marechal Rondon Polo e Extensão. Tem</p><p>experiência na área de Letras e pedagogia.</p><p>Vanuza Batista da Costa Duarte</p><p>42 anos e 23 de profissão, atua como professora da Rede Estadual de</p><p>Ensino do Estado da Paraíba e coordenadora pedagógica do Sistema</p><p>Municipal de Remígio. Graduada em Letras pela UEPB- Campina Gran-</p><p>de, especialista em Língua Portuguesa, também pela UEPB – Campina</p><p>Grande. Foi aluna da turma pioneira do PROFLETRAS/UEPB – Guarabi-</p><p>ra. Escritora em construção de minicontos e ativista contra a Violência</p><p>Doméstica.</p><p>197</p><p>O ensino da literatura popular:</p><p>relação de pertencimento afetivo através das histórias e heranças presentes no cordel</p><p>about:blank</p><p>_Hlk121386258</p><p>_Hlk121387284</p><p>_heading=h.30j0zll</p><p>_heading=h.1fob9te</p><p>_Hlk117625152</p><p>_Hlk64382106</p><p>_Hlk120168453</p><p>_Hlk46358851</p><p>_Hlk74504289</p><p>_Hlk63965801</p><p>_Hlk121912723</p><p>_Hlk40807371</p><p>_Hlk69320495</p><p>_Hlk67916363</p><p>_Hlk114955699</p><p>_Hlk114848377</p><p>_Hlk115998156</p><p>_Hlk115992967</p><p>_Hlk94623424</p><p>_Hlk115996457</p><p>PREFÁCIO</p><p>A LEITURA LITERÁRIA ENTRE DEUSES, HERÓIS E MORTAIS: A MITOLOGIA GREGA NA ESCOLA</p><p>Robsandra Cardoso Abintes</p><p>Michelle Bianca Santos Dantas</p><p>A LITERATURA DE TESTEMUNHO NA SALA DE AULA:</p><p>ENTRE MEMÓRIAS, EXPERIÊNCIAS E NARRATIVAS</p><p>Lohaynne Gomes Mello</p><p>Letícia Queiroz de Carvalho</p><p>“CIRANDA DE RODA–POSSIBILIDADES DE INTERLOCUÇÃO ENTRE POEMAS E CANTIGAS EM AULAS DE LP DO EFII”</p><p>Ananda Elisabeth Fernandes</p><p>Carolina Alves Fonseca</p><p>CRÔNICAS DE HUMOR: POSSIBILIDADES DE LETRAMENTO LITERÁRIO NO ENSINO FUNDAMENTAL</p><p>Vanuza Batista da Costa Duarte</p><p>Maria Suely da Costa</p><p>ESCOLA, MEMÓRIAS E IDENTIDADES:</p><p>PRODUÇÃO TEXTUAL A PARTIR DO TEXTO LITERÁRIO</p><p>Maria José Paulino de Assis Silva</p><p>Marineuma de Oliveira da Costa Cavalcanti</p><p>LEITURA E FORMAÇÃO DE LEITORES MEDIADA PELO GÊNERO TEATRO E/OU DRAMÁTICO</p><p>Fabrícia Cristiane Guckert</p><p>Alaim Souza Neto</p><p>LEITURA SOCIAL-IDENTITÁRIA</p><p>DE POEMAS DE TOBIAS BARRETO</p><p>Noeme Leite do Nascimento Oliveira</p><p>Carlos Magno Gomes</p><p>LITERATURA DE CORDEL NA ESCOLA: UMA PROPOSTA DE LETRAMENTO LITERÁRIO NO ENSINO FUNDAMENTAL</p><p>José Clovis dos Santos</p><p>Sávio Roberto Fonseca de Freitas</p><p>Microcontos: proposta de leitura literária em uma escola de Bataguassu, MS</p><p>Talita Mendes da Silva</p><p>Rauer Ribeiro Rodrigues</p><p>“NÃO SEREI ANÔNIMA”: UMA PROPOSTA DE OFICINA TEMÁTICA COM A POESIA SLAM DE AUTORIA FEMININA</p><p>Elaine Sant Antonio</p><p>Moama Lorena de Lacerda Marques</p><p>O CLÁSSICO EM SALA DE AULA: UMA PROPOSTA DE LEITURA LITERÁRIA NA EJA COM O CONTO “NADA DE NOVO NA FRENTE OCIDENTAL”, DE LYGIA FAGUNDES TELLES</p><p>Simone de Almeida Fernandes</p><p>Ana Paula Franco Nobile Brandileone</p><p>O ENSINO DA LITERATURA POPULAR: RELAÇÃO DE PERTENCIMENTO AFETIVO ATRAVÉS DAS HISTÓRIAS E HERANÇAS PRESENTES NO CORDEL</p><p>Jailse Maria Lopes da Silva</p><p>Luciane Alves Santos</p><p>Sobre os autores</p><p>Paulo: Palas Athena, 1990.</p><p>CANDIDO, Antonio. O direito à literatura. In: CANDIDO, Antonio. Vá-</p><p>rios escritos. 3. ed. São Paulo: Duas Cidades, 1995.</p><p>COELHO, Nelly Novaes. Literatura Infantil: teorias, análise, prática.</p><p>12.ed. São Paulo: Moderna, 2011.</p><p>COLOMER, Teresa. Introdução à literatura infantil e juvenil atual.</p><p>Trad. Laura Sandroni. São Paulo: Global, 2017.</p><p>COSSON, Rildo. Letramento literário: teoria e prática. São Paulo:</p><p>Contexto, 2021.</p><p>COSSON, Rildo; PAULINO, Graça. Letramento literário: para viver a</p><p>literatura dentro e fora da escola in : ZILBERMAN, Regina; RÖSING,</p><p>Tania M. K. Escola e leitura: velha crise, novas alternativas. São Paulo:</p><p>Global, 2009.</p><p>DI SPAGNA, Julia. 11 filmes e séries para quem é fã de mitologia gre-</p><p>ga. Guia do Estudante, 2020. Disponível em: . Acesso em: 10 mai. 2022.</p><p>ELIADE, Mircea. Mito e realidade. São Paulo: Editora Perspectiva,</p><p>2013.</p><p>FABRI, Marcelo. A presença dos deuses in: MORAIS, Régis de. As ra-</p><p>zões do mito. Campinas,SP: Editora Papirus, 1988.</p><p>A Leitura Literária Entre Deuses, Heróis e Mortais: a mitologia grega na escola</p><p>25</p><p>MARTINS, Maria Helena. O que é leitura? São Paulo: Brasiliense 2006.</p><p>(Coleção Primeiros Passos).</p><p>POUZADOUX, Claude. Contos e lendas da mitologia grega. Trad.</p><p>Eduardo Brandão. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.</p><p>RAMNOUX, Clémence. Mitológica do tempo presente. In: NASCIMEN-</p><p>TO, Carlos Arthur R. do (Trad). Atualidade do mito. São Paulo: Duas</p><p>cidades, 1977.</p><p>RANGEL, Egon de Oliveira; ROJO, Roxane Helena Rodrigues. Língua</p><p>Portuguesa: ensino fundamental. Brasília: Ministério da Educação,</p><p>2010. (Coleção Explorando o ensino. v. 19).</p><p>ZILBERMAN, Regina; RÖSING, Tania M. K. Escola e leitura: velha crise,</p><p>novas alternativas. São Paulo: Global, 2009.</p><p>26</p><p>A Literatura de Testemunho na Sala de Aula: entre memórias, experiências e narrativas</p><p>A LITERATURA DE TESTEMUNHO NA SALA DE AULA:</p><p>ENTRE MEMÓRIAS, EXPERIÊNCIAS E NARRATIVAS</p><p>Lohaynne Gomes Mello</p><p>Letícia Queiroz de Carvalho</p><p>1. Considerações iniciais</p><p>O incentivo à leitura de literatura na escola básica por parte dos</p><p>alunos de ensino fundamental é um dos desafios que o pro-</p><p>fessor de Língua Portuguesa enfrenta em sua prática docente.</p><p>Fazer com que a leitura seja crítica e reflexiva é ainda mais desafiador,</p><p>se considerarmos as condições objetivas de trabalho de muitos desses</p><p>docentes, bem como a concepção de literatura que ainda perpassa em</p><p>muitas práticas pedagógicas na Educação Básica.</p><p>Em meio a algumas adversidades no campo educacional e na</p><p>vida político-social que tem nos desafiado constantemente a pensar</p><p>a escola, a cultura e a leitura atreladas aos processos históricos que</p><p>atravessam nossas experiências sociais, pensamos como essencial o</p><p>diálogo com a literatura de testemunho, vertente literária que, em sua</p><p>edificação, nos provoca no sentido da preservação das memórias e dos</p><p>acontecimentos históricos que nos permitem uma revisão crítica do</p><p>passado e uma compreensão melhor do presente em que vivemos.</p><p>Sob tal ótica, apresentamos, no texto em tela, um recorte teó-</p><p>rico-metodologico de uma pesquisa desenvolvida no âmbito do Pro-</p><p>fletras – IFES Vitória, na linha de pesquisa “Estudos Literários”, no pe-</p><p>ríodo de 2018 a 2020, cujo objetivo nuclear foi analisar a experiência</p><p>de leitura de alunos do Ensino Fundamental II a partir da literatura de</p><p>testemunho, formando leitores críticos que entendam a importância do</p><p>agiar crítico em sua própria formação, na história e na sociedade.</p><p>Em diálogo com o nosso objetivo principal, buscamos também:</p><p>a) Construir estratégias de incentivo à leitura a partir da literatura de</p><p>testemunho; b) Entender como se dá a experiência de leitura a par-</p><p>tir da literatura de testemunho; c) Elaborar um projeto com rodas de</p><p>leitura; d) Promover reflexões a partir do testemunho de autores que</p><p>27</p><p>A Literatura de Testemunho na Sala de Aula: entre memórias, experiências e narrativas</p><p>passaram por situações adversas; e) Produzir um material didático em</p><p>forma de e-book a partir da pesquisa empírica por meio do projeto.</p><p>Em sua perspectiva teórica, a pesquisa ancorou-se em Benjamin</p><p>(1994, 2016) e o conceito de “testemunho” presente nos escritos de</p><p>Seligmann-Silva (2008), Ginzburg (2011) e Salgueiro (2012), além de</p><p>autores como Candido (1995), Castrillón (2011), Petit (2009), Todorov</p><p>(2009) e outros que serão referenciados ao longo do texto, a fim de</p><p>contribuírem com apontamentos teóricos relevantes sobre o tema.</p><p>Como a nossa pesquisa foi afetada pelo contexto pandêmico,</p><p>houve uma adequação no que tange à prática investigativa que pre-</p><p>tendíamos inicialmente, visto que as escolas públicas do Espírito San-</p><p>to realizaram atividades de ensino remotas neste período, o que nos</p><p>impossibilitou a realização de atividades presenciais com os nossos</p><p>alunos. Por isso, realizamos alguns encontros dialógicos virtuais com</p><p>os nossos pares de Língua Portuguesa, a partir dos quais buscamos a</p><p>validação do nosso produto educacional propositivo, em que apresen-</p><p>tamos sugestões pedagógicas para a leitura literária de textos literá-</p><p>rios testemunhais, em suas singularidades, recursos estilísticos e pro-</p><p>vocações.</p><p>A seguir, traremos algumas discussões teóricas que fundamen-</p><p>taram o nosso processo investigativo e ampliaram a nossa visão sobre</p><p>o objeto a que propusemos pesquisar.</p><p>2 Discussões sobre a teoria/metodologia</p><p>2.1 A Literatura de testemunho: entre narrativas e memórias</p><p>Seligmann-Silva (2008), em seu artigo “Testemunho da Shoah e</p><p>literatura”, apresenta a literatura de testemunho como uma vertente</p><p>dos estudos literários que surge em épocas catastróficas e possibilita</p><p>uma revisão crítica e questionadora da história. Para o autor, o discur-</p><p>so testemunhal traz em sua edificação algumas características centrais,</p><p>tais como a literalização e a fragmentação, de modo a tensionar a orali-</p><p>dade e a escrita, resguardando a memória.</p><p>A incapacidade de traduzirmos, portanto, o vivido em recursos</p><p>imagéticos ou metafóricos e o psicológico cindido dos traumatizados</p><p>são apresentados ao leitor, bem como “a incapacidade de incorporar</p><p>28</p><p>A Literatura de Testemunho na Sala de Aula: entre memórias, experiências e narrativas</p><p>em uma cadeia contínua as imagens “vivas”, “exatas” também marca a</p><p>memória dos traumatizados (SELIGMANN-SILVA, 2008, p. 2).</p><p>A relevância do estudo de literaturas de minorias torna-se im-</p><p>perioso, uma vez que em nosso cenário a literatura que apresenta como</p><p>tema a Shoah, no Brasil, é extremamente marginal e traz em seu bojo</p><p>questões polêmicas.</p><p>O conceito de testemunho concentra em si uma série de questões</p><p>que sempre polarizaram a reflexão sobre a literatura: antes de</p><p>qualquer coisa, ele põe em questão as fronteiras entre o literário,</p><p>o fictício e o descritivo. E mais: o testemunho aporta uma ética da</p><p>escritura. Partindo-se do pressuposto, hoje em dia banal, que não</p><p>existe “grau zero da escritura”, ou seja, a literatura está ali onde</p><p>o sujeito se manifesta na narrativa, não podemos deixar de reco-</p><p>nhecer que, por outro lado, o histórico que está na base do teste-</p><p>munho exige uma visão “referencial”, que não reduza o “real” à</p><p>sua “ficção” literária. Ou seja, o testemunho impõe uma crítica da</p><p>postura que reduz o mundo ao verbo, assim como solicita uma re-</p><p>flexão sobre os limites e modos de representação (SELIGMANN-</p><p>-SILVA, 2008, p. 1).</p><p>Narrar as experiências traumáticas por aqueles que as vivencia-</p><p>ram traz importantes justificativas para Seligmann-Silva (2008), quais</p><p>sejam: o desejo de se eximir da carga pesada decorrente do passado;</p><p>o débito para com quem morreu; uma forma de denúncia; uma herança</p><p>para futuras gerações; uma atitude abnegada. É como se o narrador,</p><p>em seus testemunhos, buscasse uma forma de prevenir outro aconte-</p><p>cimento correlato ou de proporções destrutivas parecidas. Contudo,</p><p>é mais adequado pensar no testemunho como uma forma não apenas</p><p>de lembrar acontecimentos históricos, mas principalmente</p><p>para que</p><p>muitas vozes silenciadas possam ecoar lembranças traumáticas e não</p><p>sejam esquecidas no curso dos acontecimentos hodiernos.</p><p>A literatura de testemunho reafirma a necessidade de um olhar</p><p>crítico em direção ao nosso tempo, para que atrocidades históricas que</p><p>produziram traumas em outras épocas não ocorram novamente. A res-</p><p>peito disso, Seligmann-Silva assevera que:</p><p>[...] entender o testemunho na sua complexidade enquanto misto</p><p>entre visão, oralidade narrativa e capacidade de julgar: um ele-</p><p>mento complementa o outro, mas eles relacionam-se também de</p><p>29</p><p>A Literatura de Testemunho na Sala de Aula: entre memórias, experiências e narrativas</p><p>modo conflituoso. O testemunho revela a linguagem e a lei como</p><p>constructos dinâmicos, que carregam a marca de uma passagem</p><p>constante, necessária e impossível entre o “real” e o simbólico,</p><p>entre o “passado” e o “presente” (SELIGMANN-SILVA, 2010, p. 5).</p><p>Além disso, Seligmann-Silva (2008) destaca que o ponto de vista</p><p>da vítima é elemento fulcral para a compreensão do seu testemunho</p><p>e que há uma singularidade em cada trauma, o que nos impele à não</p><p>comparação dessas experiências dolorosas das vítimas, bem como das</p><p>suas reações expostas.</p><p>Do ponto de vista das vítimas – e este ponto de vista é fundamen-</p><p>tal ao se estudar o testemunho, voltaremos a este ponto – toda ca-</p><p>tástrofe é única. Radicalizar esta singularidade, assim como con-</p><p>denar toda comparação entre os genocídios, por outro lado, pode</p><p>gerar uma espécie de teologia negativa concentracionária, muito</p><p>improdutiva e que apenas tende a reproduzir dois males: em pri-</p><p>meiro lugar a própria situação do traumatizado na sua resistência</p><p>à simbolização e, em segundo lugar, o discurso dos algozes que</p><p>também visa estender um tabu sobre o discurso que recorde as</p><p>atrocidades cometidas (SELIGMANN-SILVA, 2008, p. 73).</p><p>Alinhado a tais perspectivas, Ginzburg (2011), em seu texto</p><p>“Linguagem e trauma na escrita do testemunho”, define o testemunho</p><p>como uma escrita que apresenta situações históricas marcantes, cujos</p><p>sobreviventes narram momentos chocantes, trazendo à memória fatos</p><p>obscuros na história. Na verdade, as lembranças desse narrador não</p><p>são apresentadas exatamente como ocorreram, e ele está em constante</p><p>ameaça por uma má elaboração desse passado no presente.</p><p>De acordo com Ginzburg (2011), a narração testemunhal se vin-</p><p>cula às memórias dos que morreram, ao elaborar uma possibilidade</p><p>para a compreensão do passado, sob a ótica dos excluídos, cuja me-</p><p>mória reacende uma nova visão histórica, geralmente não presente nos</p><p>livros. Quando falamos de testemunho, falamos também sobre propor-</p><p>cionar espaços de voz para os excluídos e seus traumas, o que poderá</p><p>contribuir para uma elaboração de um presente mais ético e menos</p><p>estético (CARVALHO & MELLO, 2020).</p><p>Em sua pluralidade de perspectivas, podemos perceber que a</p><p>literatura de testemunho está sempre e diretamente ligada a experiên-</p><p>30</p><p>A Literatura de Testemunho na Sala de Aula: entre memórias, experiências e narrativas</p><p>cias sociais traumáticas, bem como a um senso de justiça social, visto</p><p>que pode trazer à baila uma memória coletiva de acontecimentos que</p><p>não devem e nem podem ocorrer novamente. Desse modo, o diálogo</p><p>com a literatura de testemunho é também o diálogo sobre a importân-</p><p>cia da história, para que o desrespeito à democracia e à vida social</p><p>possa provocar resistência e luta (CARVALHO & MELLO, 2020)</p><p>Segundo Salgueiro (2012), os textos da literatura de testemunho</p><p>precisam ser lidos sob a ótica historiográfica, “[...] mas – e esse mas</p><p>é decisivo – desde sempre como testemunho, com a marca indelével,</p><p>insubstituível de ser testemunho: subjetivo, autêntico, lacunar” (2012, p.</p><p>289). O autor ressalta que é preciso “[...] conhecer o excluído e reco-</p><p>nhecer sua fala” (2012, p. 292). Por isso, o respeito à singularidade de</p><p>cada trauma narrado precisa ser enfatizado sempre, assim como uma</p><p>das funções da escrita do testemunho, qual seja a de trazer para a cena</p><p>histórica e social aquilo que foi silenciado e esquecido.</p><p>Alguns exemplos de produções literárias testemunhais es-</p><p>tão presentes em nossa cena cultural, tais como Memórias do cárcere</p><p>[1953], de Graciliano Ramos; Camarim de prisioneiro (1980), de Alex</p><p>Polari; e Sobrevivente André du Rap (do Massacre do Carandiru) (2002).</p><p>No âmbito da Shoah, podemos citar obras como O diário de Anne Frank,</p><p>de Anne Frank (2017), É isto um homem? e 71 contos de Primo Levi,</p><p>de Primo Levi (2005). Em tempos mais atuais, outras guerras também</p><p>foram narradas, como por exemplo, a guerra da Iugoslávia, na qual o</p><p>livro O diário de Zlata (1993), de Zlata Filipovi , foi escrito.</p><p>No cenário brasileiro, a ditadura militar gerou muitos testemu-</p><p>nhos,1 como Zero (1975), de Ignácio Loyola Brandão, Feliz ano novo</p><p>(1975), de Rubem Fonseca, Você vai voltar pra mim (2014), de Bernar-</p><p>do Kucinski, e outros. Além de produções literárias, tivemos relevantes</p><p>músicas de protesto, como as de Chico Buarque, Geraldo Vandré, Elis</p><p>Regina, Caetano Veloso, Gonzaguinha e outros.</p><p>1 A título de ilustração, apresentamos outras produções literárias no contexto ditato-</p><p>rial brasileiro com teor testemunhal: 1. O mundo do socialismo, de Caio Prado Júnior,</p><p>(1962); 2. História Militar do Brasil, de Nelson Werneck Sodré (1965); 3. Torturas e</p><p>torturados, de Marcio Moreira Alves (1966); 4. Revolução Brasileira, de Caio Prado</p><p>Júnior (1966); 5. O casamento, de Nelson Rodrigues (1966); 6. Dez histórias imorais,</p><p>de Aguinaldo Silva (1967); 7. Copacabana–Posto 6, de Cassandra Rios (1972); (1975);</p><p>8. Mister Curitiba, de Dalton Trevisan (1976); 9. O cobrador, de Rubem Fonseca</p><p>(1979).</p><p>31</p><p>A Literatura de Testemunho na Sala de Aula: entre memórias, experiências e narrativas</p><p>Enfim, os relatos de quem quem sofreu abusos, torturas e trau-</p><p>mas em situações distintas, como as citadas anteriormente, trazem em</p><p>seu bojo uma proposta de sensibilização e de uma formação humana</p><p>que não esteja desatrelada dessas experiências dolorosas e traumáti-</p><p>cas apresentadas aos leitores.</p><p>2.2 Sobre a experiência e a formação de leitores</p><p>A experiência, um dos conceitos centrais da nossa pesquisa, foi</p><p>essencial para pensarmos as práticas de leitura dos textos de testemu-</p><p>nho. Para cotejarmos os referenciais da literatura de testemunho apre-</p><p>sentados anteriormente, e a leitura literária na escola, traremos como</p><p>aporte teórico o filósofo Walter Benjamin, nascido em Berlim, capital da</p><p>Alemanha, em 15 de julho de 1892 e morto em 27 de setembro de 1940</p><p>na Espanha, após suicidar-se para não ser entregue à Gestapo.</p><p>Os interesses de Benjamin eram muitos. Em seus textos, traz</p><p>proposições reflexivas sobre o cenário social do início do século XX.</p><p>Benjamin introduz, em seu texto “Experiência e pobreza” (1994), os</p><p>conceitos de experiência e o de vivência, importantes para compreen-</p><p>dermos a narração.</p><p>Para o filósofo alemão, a experiência pode ser narrada, com-</p><p>partilhada e transmitida para outras gerações, configurando uma ação</p><p>coletiva. Já a concepção de vivência é relacionada à experiência indi-</p><p>vidual, uma “experiência de choque” (DE MORAIS, 2017, p. 390).</p><p>Benjamin (1994) também destaca que a experiência só pode</p><p>ser caracterizada como tal se for narrada e compartilhada socialmente.</p><p>Por isso falou sobre a pobreza de experiência em seu tempo. O emude-</p><p>cimento, ou seja, a falta de compartilhamento de experiências esvazia</p><p>socialmente os nossos grupos, fazendo com que o patrimônio cultural</p><p>seja negado às novas gerações (DE LIMA, 2016).</p><p>Nesse sentido, a experiência é coletiva, enquanto a vivência re-</p><p>laciona-se a algo mais individual e particular. Ao concluir que a socie-</p><p>dade da sua época carecia de experiência, Benjamin afirmou que:</p><p>[...] está claro que as ações da experiência estão em baixa, e isso</p><p>numa geração que entre 1914 e 1918 viveu uma das mais terríveis</p><p>experiências da história. Talvez isso não seja tão estranho como</p><p>32</p><p>A Literatura de Testemunho na Sala de Aula: entre memórias, experiências e narrativas</p><p>parece. Na</p><p>época, já se podia notar que os combatentes tinham</p><p>voltado silenciosos do campo de batalha. Mais pobres em expe-</p><p>riências comunicáveis, e não mais ricos. Os livros de guerra que</p><p>inundaram o mercado literário nos dez anos seguintes não conti-</p><p>nham experiências transmissíveis de boca em boca (BENJAMIN,</p><p>1994, p. 123).</p><p>Ou seja, é importante que as nossas vivências sejam comparti-</p><p>lhadas e narradas, para que se configurem como experiência e aden-</p><p>trem esferas coletivas, reforçando lutas e concepções correlatas às</p><p>nossas.</p><p>A literatura de testemunho alinha-se às concepções trazidas por</p><p>Benjamin, visto que, por meio dela, a experiência dos traumas sociais</p><p>torna-se coletiva. Sob a ótica do testemunho, o conceito de experiência</p><p>de Benjamin torna-se tangígel. Seligmann-Silva (2008) lembra que nas</p><p>catástrofes históricas, como</p><p>[...] nos genocídios ou nas perseguições violentas em massa de</p><p>determinadas parcelas da população, a memória do trauma é sem-</p><p>pre uma busca de compromisso entre o trabalho de memória indi-</p><p>vidual e outro construído pela sociedade. Aqui a já em si extrema-</p><p>mente complexa tarefa de narrar o trauma adquire mais uma série</p><p>de determinantes que não podem ser desprezados mesmo quando</p><p>nos interessamos em primeiro plano pelas vítimas individuais (SE-</p><p>LIGMANN-SILVA, 2008, p. 67).</p><p>Narrar é preciso, assim como devemos buscar sempre a expe-</p><p>riência em ações que vivemos. Quando os traumas históricos se tor-</p><p>nam coletivos, ampliamos a nossa compreensão dos processos históri-</p><p>cos e nos sensibilizamos com esses traumas vividos por muitos sujeitos</p><p>em nosso tempo e em outros, fortalecendo também as lutas com mais</p><p>consciência social.</p><p>Além disso, um trauma narrado e coletivizado contribui para a</p><p>edificação de uma visão crítica da história e dos seus tensionamen-</p><p>tos, dando-nos oportunidades de questionar e combater, por exemplo,</p><p>uma política que prefere a guerra, que tenta nos silenciar e reproduzir</p><p>as “catástrofes históricas”. Assim, trazer para o universo da sala de aula</p><p>tais pressupostos é permitir que os alunos acessem o conhecimento</p><p>33</p><p>A Literatura de Testemunho na Sala de Aula: entre memórias, experiências e narrativas</p><p>das situações históricas que foram vividas de forma traumática através</p><p>do testemunho.</p><p>Ler e conhecer as narrativas de teor testemunhal contribui para</p><p>uma experiência social e coletiva na medida em que apresenta novas</p><p>maneiras de ver o mundo e de compreender a humanidade.</p><p>A experiência benjaminiana procurava preservar um contato</p><p>imediato com o comportamento mimético, preocupando-se com</p><p>um ‘saber sensível’, que não apenas se alimenta daquilo que se</p><p>apresenta sensível aos olhos, mas também consegue apoderar-se</p><p>do simples saber e mesmo de dados inertes, como de algo expe-</p><p>rienciado e vivido (CHAVES et al, 2018, p. 606).</p><p>Dessa forma, a experiência perpassa por toda a história e po-</p><p>derá contribuir para uma compreensão da humanidade mais atrelada</p><p>às condições concretas da vida em sociedade, em toda a sua complexa</p><p>constituição.</p><p>2.3 Experiência e leitura</p><p>Ao longo do tempo, de acordo com Ghiggi et al (2018), a leitura</p><p>se tornou fundamental para a participação do sujeito em determinadas</p><p>situações sociais. Ou seja, o ato de ler passou a ser também um fator</p><p>de diferenciação social. Por ser um direito imprescindível aos seres</p><p>humanos (CANDIDO, 1995), a literatura precisa estar situada em seu</p><p>contexto de produção e recepção. Por isso, compreendemos que a pro-</p><p>dução ficcional</p><p>[...] não é um luxo, nem uma obrigação. Não é um luxo das elites</p><p>que possa ser associado ao prazer e à recreação, tampouco uma</p><p>obrigação imposta pela escola. É um direito de todos que, além</p><p>disso, permite um exercício plano da democracia (CASTRILLÓN</p><p>2011, p. 19).</p><p>Dessa forma, compreendemos que ler na escola, para além de</p><p>uma imposição didática, pode permitir o exercício da alteridade, da</p><p>sensibilidade, da escuta do outro, além da possibilidade de expressão</p><p>e da ampliação do universo cultural dos alunos, uma vez que a leitura</p><p>contribui com a nossa constituição como seres humanos.</p><p>34</p><p>A Literatura de Testemunho na Sala de Aula: entre memórias, experiências e narrativas</p><p>Considerando a referência a Antonio Candido proposta pelo tex-</p><p>to apresentado pelo Plano Nacional do Livro e da Leitura em 2007,</p><p>é avigorada a capacidade que a literatura tem de atender à imen-</p><p>sa necessidade de ficção e fantasia; sua natureza, essencialmente</p><p>formativa, que toca o consciente e o inconsciente dos leitores de</p><p>maneira complexa e dialética, como a própria vida, em oposição</p><p>ao caráter pedagógico e doutrinador dos demais textos; seu po-</p><p>tencial de oferecer ao leitor um conhecimento profundo do mun-</p><p>do, tal como faz, por outro caminho, a ciência. (GHIGGI et al, 2018,</p><p>p. 438).</p><p>Por apresentar aos leitores um conhecimento mais profundo da</p><p>vida, acreditamos também que o contato com os livros oportuniza co-</p><p>nhecer o mundo através de outros olhos. Para Petit (2009, p. 11), a lei-</p><p>tura ajuda crianças, adolescentes e adultos a “[...] redescobrir o papel</p><p>dessa atividade na reconstrução de si mesmos e, além disso, a contri-</p><p>buição única da literatura e da arte para a atividade psíquica. Para a</p><p>vida, em suma”. Assim, podemos concluir que ler é fundamental, pois,</p><p>além de exercermos um direito, quando lemos, podemos também ad-</p><p>quirir maior consciência social, por isso a relevância de universalizar-</p><p>mos o acesso à cultura letrada.</p><p>Para universalizar o acesso à cultura letrada são necessárias</p><p>mudanças de ordem econômica, política e social que garantam</p><p>maior igualdade na distribuição da riqueza e dos avanços do de-</p><p>senvolvimento. Mudanças que incluam e que se vinculem com a</p><p>transformação e a melhoria da escola, ao mesmo tempo que per-</p><p>mitam à população o acesso aos bens que são produtos da escri-</p><p>ta. Mudanças que dão conteúdo real à luta contra a desigualdade</p><p>que tanto se menciona como prioridade do Estado (CASTRILLÓN,</p><p>2011, p. 27).</p><p>Nessa perspectiva, a escola exerce papel primordial para a ex-</p><p>periência de leitura que precisa nos humanizar e ampliar a nossa per-</p><p>cepção crítica da realidade, para que situações históricas excludentes</p><p>e traumáticas possam ficar em um passado distante, afinal</p><p>Quando falamos de leitura de literatura de testemunho, falamos</p><p>de uma experiência que mostra o passado como forma de nos</p><p>conscientizar, falamos da história como algo que nos faz com-</p><p>preender o presente. A literatura de testemunho nos faz enxergar</p><p>o outro, seus traumas e o que gerou o testemunho em si. Ou seja, o</p><p>35</p><p>A Literatura de Testemunho na Sala de Aula: entre memórias, experiências e narrativas</p><p>que não pode ser repetido, o que não podemos deixar que acon-</p><p>teça novamente“ (CARVALHO & MELLO, 2020, p.105)</p><p>A literatura de testemunho na sala de aula permite que o aluno</p><p>se veja como sujeito agente na sociedade e na sua própria formação,</p><p>mobilizando-o a participar das mudanças sociais e políticas. O teste-</p><p>munho dialoga, portanto, com o que Benjamin conceitua como expe-</p><p>riência. Todorov nos diz que:</p><p>A literatura pode muito. Ela pode nos estender a mão quando es-</p><p>tamos profundamente deprimidos, nos tornar ainda mais próxi-</p><p>mos dos outros seres humanos que nos cercam, nos fazer com-</p><p>preender melhor o mundo e nos ajudar a viver. Não que ela seja,</p><p>antes de tudo, uma técnica de cuidados para com a alma; porém,</p><p>revelação do mundo, ela pode também, em seu percurso, nos</p><p>transformar a cada um de nós a partir de dentro (TODOROV, 2009,</p><p>p. 76).</p><p>Se a literatura tem o poder de nos transformar, que o faça de</p><p>modo a nos tornar seres humanos melhores, os quais olham para o pas-</p><p>sado buscando possibilidades da edificação de um presente menos</p><p>desigual, mais inclusivo e democrático.</p><p>3 Relato da intervenção</p><p>A educação é um ato de amor, por isso um ato de coragem.</p><p>(Paulo Freire)</p><p>A abordagem qualitativa da pesquisa foi escolhida, inicialmen-</p><p>te, porque pressupõe o envolvimento da pesquisadora com os outros</p><p>participantes de forma ativa. Esse tipo de pesquisa colabora para que</p><p>os participantes dialoguem de</p><p>forma aberta e torna possível a partici-</p><p>pação de todos, visando progresso para toda a comunidade. Assim, os</p><p>alunos se tornam também agentes na pesquisa.</p><p>Nossa pesquisa foi afetada em cheio pelas desigualdades so-</p><p>ciais exacerbadas pela pandemia, as quais se apresentaram desde a</p><p>queda de renda dos pais desses alunos e outras questões atinentes à</p><p>sua saúde e segurança em relação à proteção e prevenção no enfren-</p><p>tamento da COVID-19, até a pouca condição de acesso às plataformas</p><p>digitais que dependiam de Internet paga.</p><p>36</p><p>A Literatura de Testemunho na Sala de Aula: entre memórias, experiências e narrativas</p><p>Como todos nós fomos surpreendidos por novas relações so-</p><p>ciais e pedagógicas, a partir do contexto pandêmico, não houve tempo</p><p>para uma adequação nas escolas que suprisse esses desníveis e lacu-</p><p>nas presentes nas atividades pedagógicas dirigidas aos alunos.</p><p>A solução que encontramos para dar continuidade ao produto</p><p>educacional, que só ficou pronto em meio à crise sanitária, foi validar</p><p>o caderno pedagógico com colegas de área, os nossos pares – profes-</p><p>sores de Língua Portuguesa, de modo a inspirá-los em novas práticas</p><p>de leitura na escola.</p><p>Nessa perspectiva, optamos pela metodologia de pesquisa a</p><p>narrativa na perspectiva bakhtiniana, segundo a qual, na ótica de Sero-</p><p>dio e Prado (2015):</p><p>A pretensão de objetividade, racionalidade e neutralidade do</p><p>pesquisador, desejável pela visão cartesiana de ciência que im-</p><p>pera ainda sobre nossas produções têm uma direção diversa do</p><p>percurso narrativo, que baseia-se em nossa subjetividade, sensi-</p><p>bilidade, parcialidade na tomada de decisões. Assumimos a não</p><p>imparcialidade, não neutralidade, (im)precisão, subjetividade de</p><p>qualquer indivíduo (escritor ou leitor) e sabemos que podemos</p><p>oferecer o rigor da verossimilhança, o calor da afetuosidade, a</p><p>emoção do compartilhamento de nossas experiências narradas</p><p>em nossas pesquisas (p. 93).</p><p>Como o trabalho proposto para a validação do produto educa-</p><p>cional envolveu narrativas, relatos e vozes docentes, acreditamos ser</p><p>fundamental o entendimento da concepção bakhtiniana de pesquisa,</p><p>que compreende esse aspecto polifônico entre os seus participantes,</p><p>seres expressivos e falantes. Falaremos sobre a validação no tópico se-</p><p>guinte.</p><p>3.1 Sobre o Produto Educacional e o encontro com os pares</p><p>Elaboramos um caderno pedagógico, em formato de e-book,</p><p>no qual sugerimos práticas de leitura de literatura de testemunho no</p><p>Ensino Fundamental II. Nosso produto, denominado A literatura de tes-</p><p>temunho na sala de aula: reflexões e propostas (2021), foi constituído</p><p>por dois capítulos teóricos e outros sete com proposições didáticas de</p><p>leitura de textos testemunhais.</p><p>37</p><p>A Literatura de Testemunho na Sala de Aula: entre memórias, experiências e narrativas</p><p>A validação ocorreu em uma reunião via Google Meet no dia</p><p>quatorze de dezembro do ano de dois mil e vinte, às dezenove horas.</p><p>Alguns professores de Língua Portuguesa foram convidados com uma</p><p>semana de antecedência e tivemos uma participação de dez pessoas</p><p>no total. Os participantes são professores em diversas escolas da Se-</p><p>cretaria de Estado da Educação do Espírito Santo e em diversas prefei-</p><p>turas. A formação desses profissionais varia entre graduados, pós-gra-</p><p>duados e mestres.</p><p>Foi explicado aos professores participantes que, infelizmente,</p><p>por conta das aulas à distância devido à pandemia, não foi possível</p><p>aplicar o produto, realizar os encontros com os alunos e ver os resul-</p><p>tados da prática, mas que pretendemos retomar a prática de pesquisa</p><p>assim que possível, com aulas regulares presenciais, de forma que ne-</p><p>nhum aluno seja excluído do processo.</p><p>Após breve apresentação do material educativo, a partir da qual</p><p>mostramos a sua estrutura geral e os encontros propostos, demos ên-</p><p>fase a um deles. Informamos aos nossos pares também que o caderno</p><p>pedagógico nasceu de uma pesquisa realizada no âmbito do Mestrado</p><p>Profissional em Letras – Profletras, do Ifes – campus Vitória, intitulada</p><p>“A experiência de leitura a partir da Literatura de Testemunho no Ensi-</p><p>no Fundamental II”, situada na linha de pesquisa “Estudos Literários”,</p><p>a partir da qual investigamos as potencialidades da leitura de literatura</p><p>de testemunho na sala de aula e os seus possíveis desdobramentos no</p><p>processo de formação de leitores na educação básica.</p><p>Ressaltamos que o nosso caderno pedagógico sugere alguns</p><p>caminhos para a leitura literária na sala de aula, mas cada escola, cada</p><p>professor e cada contexto em que o ato de ler aconteça é que deverão</p><p>criar também os seus próprios percursos para o contato com a literatu-</p><p>ra de forma realmente significativa.</p><p>Em seguida, após a apresentação do produto, das cores escolhi-</p><p>das e do design utilizado e, mais detalhadamente, de um dos encontros</p><p>propostos–o segundo encontro–abrimos um espaço para que os pro-</p><p>fessores fizessem sugestões, críticas e elogios. Todos os professores</p><p>tiveram a oportunidade de contribuir.</p><p>38</p><p>A Literatura de Testemunho na Sala de Aula: entre memórias, experiências e narrativas</p><p>Foi também enviado o link de um formulário online, feito na pla-</p><p>taforma Google Forms, para que todos os professores respondessem</p><p>após o encontro. Reiteramos aqui a opção de uma abordagem qualita-</p><p>tiva da pesquisa, com alguns preceitos da pesquisa-ação, e lembramos</p><p>que esse tipo de abordagem pode mudar ao longo do processo. Por</p><p>isso foi possível validar o produto, mesmo não sendo praticável a apli-</p><p>cação com os alunos.</p><p>3.2. Os encontros dialógicos da pesquisa e as vozes docentes</p><p>A seguir, apresentaremos um quadro com as perguntas do for-</p><p>mulário e as três respostas mais relevantes obtidas dos professores</p><p>participantes. Alguns critérios foram usados para a escolha das respos-</p><p>tas: priorizamos as mais completas e com explicações mais detalhadas</p><p>sobre o que o professor participante achou do Produto Educacional,</p><p>respostas que falam sobre as minúcias e particularidades do Caderno</p><p>Pedagógico em questão, optando, assim, pela não utilização de respos-</p><p>tas genéricas e repetitivas.</p><p>39</p><p>A Literatura de Testemunho na Sala de Aula: entre memórias, experiências e narrativas</p><p>Quadro 1–Validação do Produto Educacional</p><p>Pergunta Principais respostas22</p><p>Você considera os conteúdos dos en-</p><p>contros realizados durante o projeto</p><p>importantes para o aprendizado?</p><p>1–Sim. Trabalhar a literatura de testemunho é uma forma</p><p>de não esquecer tudo de ruim que aconteceu no passa-</p><p>do e, com isso, provocar reflexão para o contexto atual.</p><p>Promover o diálogo dessa literatura com contos e com a</p><p>poesia contribui ainda mais para o aprendizado dos estu-</p><p>dantes. A escolha dos conteúdos reforça o caráter huma-</p><p>nizador da literatura, além de melhor compreensão das</p><p>questões sociais e suas relações com a sociedade.</p><p>2–Todo o conteúdo apresentado é de extremo valor para o</p><p>desenvolvimento do /da aluno(a) como sujeitos históricos e</p><p>sociais. Além disso, é a promoção da história que não pode</p><p>ser apagada, como também não deve ser esquecida pela</p><p>nossa sociedade.</p><p>3–Sim, porque penetram a vida a partir da literatura, fa-</p><p>zendo com que os estudantes conheçam outros contex-</p><p>tos (contextos reais, concretos). E, além da leitura, traz a</p><p>proposta da escrita memorialística da vida dos discentes,</p><p>valorizando as suas diversas realidades e experiências–</p><p>transformando-as em história.</p><p>A apresentação do conteúdo e a or-</p><p>ganização das atividades foram claras</p><p>para você?</p><p>1–As atividades e a organização foram claras e objetivas,</p><p>contribuindo para o planejamento e a execução da propos-</p><p>ta pelo(a) professor(a) e alunos(as), bem como para o apri-</p><p>moramento do professor(a) em relação ao assunto.</p><p>2–Sim, belo material, atrativo, de cores vivas e contrastan-</p><p>tes. Bem bonito.</p><p>3–Sim, pois a organização dos encontros no produto edu-</p><p>cacional apresenta uma linguagem compreensível e con-</p><p>cisa.</p><p>As narrativas e textos literários apre-</p><p>sentadas nos encontros foram inte-</p><p>ressantes para você?</p><p>1–Sim, são muito interessantes. Foi uma escolha bastante</p><p>assertiva os textos utilizados e o livro</p>
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- Com base nas informações apresentadas e visando ajudar a lavanderia avaliar os parâmetros de formação de filas na lavagem das roupas, responda
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- a) Admitindo que o sistema atual apresenta um comportamento de fila do tipo MM1infFIFO, encontre i. O número médio de clientes na fila para lavagem (clienteshora). ii. O número médio de clientes no si
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